Resenha: O estoicismo de Tchekhov: Enfermaria n°6

Enfermaria nº 6 é o conto mais famoso de Tchekhov. A história é ambientada em um hospital provincial e explora o conflito filosófico entre Ivan Dmitritch, um paciente, e Andrey Ragin, médico-chefe do hospital. Ivan denuncia a injustiça que vê em toda parte, enquanto o médico insiste em ignorar a injustiça e outros males; parcialmente como resultado desta forma de pensar, ele negligencia resolver as péssimas condições da ala psiquiátrica.

O conto pode ser visto como uma analogia ao comportamento humano, que, em vez de lidar com os problemas, opta por vê-los à distância e ignorá-los. É uma história de ideias sobre a vontade, ação e inação, e o lugar do indivíduo na sociedade. Gira em torno do principal dilema de Tchekhov – Será possível o progresso? Ou em milhares de anos apenas os aspectos superficiais da vida terão mudado, enquanto os instintos humanos básicos permanecerão os mesmos?

No conto, o paciente desafia o estoicismo do médico-chefe e abala os fundamentos de sua crença. O médico nunca sofreu, diz o paciente, e portanto suas convicções sobre os ciclos intermináveis e repetitivos da vida e da história só podem ser acadêmicas, teóricas e, portanto, sem sentido. O Dr. Ragin é eloquente em sua defesa do estoicismo:

A vida é uma armadilha vexatória; quando um homem pensante atinge a maturidade e atinge a plena consciência, não pode deixar de sentir que está em uma armadilha da qual não há como escapar. De fato, ele é convocado sem sua escolha por circunstâncias fortuitas de não-existência para a vida… Para quê? Ele tenta descobrir o significado e o objeto de sua existência … Se se considera que o objetivo da medicina consiste em aliviar a dor, surge a pergunta: Para quê aliviá-la? Em primeiro lugar, dizem que a dor leva o homem à perfeição e, em segundo, que se a humanidade aprender, efetivamente, a aliviar as suas dores com a ajuda de pílulas e remédios, abandonará por completo a religião e a filosofia, em que até agora encontrara não apenas defesa contra todos os males mas também a felicidade.” (Enfermaria nº 6, VI)

Toda escolha, diz Ragin, é uma não escolha – sem sentido em um mundo definido pelo nascimento casual e pela morte inevitável. Um quarto aconchegante junto a um fogo é igual a uma cela de prisão, ele justifica, porque a aleatoriedade que produziu ambos não tem nenhum significado ou valor inerente. O mundo externo não tem nenhum propósito, nenhum futuro e nenhum significado; e a única expressão válida da humanidade é a aceitação incondicional desta realidade. Há apenas duas qualidades admiráveis do homem – a busca da compreensão e o desprezo pela vaidade. “O homem verdadeiramente sábio não se surpreende com nada“, diz Ragin.

Dr. Ragin: — Você é um homem que sabe pensar. Em qualquer situação pode encontrar tranquilidade interior. O pensamento livre e profundo, que aspira a compreender a vida, e o desprezo total pela estúpida vaidade humana são os dois bens supremos que o homem conhece, e você pode possuí-los ainda que viva atrás de grades. Diógenes viveu num barril, mas, apesar disso, foi mais feliz que todos os reis da Terra.
Ivan Dmitritch: — Diógenes não precisava de um escritório e uma casa aquecida; a Grécia é um país quente; podia permanecer no seu tonel comendo laranjas e azeitonas. Mas se tivesse vivido na Rússia, já não digo em Dezembro, mas mesmo em Maio, teria pedido uma casa. Ficaria gelado.
Dr. Ragin:— Não. Uma pessoa pode ser insensível ao frio como a qualquer outra dor. Marco Aurélio diz: “Uma dor é uma ideia vívida de dor; faça um esforço de vontade para mudar essa ideia, rejeitá-la, parar de reclamar e a dor desaparecerá”. Isso é verdade. O homem sábio, ou simplesmente o homem reflexivo e pensativo, distingue-se precisamente por seu desprezo pelo sofrimento; está sempre contente e surpreso por nada.
(Enfermaria nº 6, IX)

O doente mental, a única pessoa inteligente em toda a cidade, mostra o cinismo e falhas do falso estoicismo do médico:

Ivan Dmitritch: — Os estoicos a que você se refere eram homens notáveis, mas a sua doutrina estagnou há dois mil anos e não avançou mais, nem avançará, porque não é praticado nem tem vida. Apenas obteve um certo êxito entre uma minoria que passa o seu tempo a estudar e a ruminar toda a espécie de doutrinas; a maior parte das pessoas não chegou a compreendê-la. Uma doutrina que preconiza a indiferença em relação às riquezas, às comodidades da vida, e o desdém pelos sofrimentos e a morte, é totalmente incompreensível para a imensa maioria, já que esta não conheceu nunca as riquezas nem as comodidades. E desprezar o sofrimento significaria para eles desprezar a própria vida, visto que o homem na sua essência é feito de sensações de fome, frio, desconsiderações, derrotas, e um medo perante a morte à semelhança de Hamlet. Nestas sensações está encerrada a vida inteira: pode cansar-nos, podemos odiá-la, mas não desprezá-la. Assim, portanto, repito: a doutrina dos estoicos nunca poderá ter futuro. Pelo contrário, aquilo que progride, conforme pode observar, desde o princípio do mundo até ao dia de hoje, é a luta, a sensibilidade perante a dor, a capacidade de responder às excitações…
(Enfermaria nº 6, X)

Fazer vista grossa ao sofrimento com base em sua perpetuidade é de alguma forma errado ou mesmo imoral? Será que o sofrimento nega automaticamente a teoria filosófica? Se Ragin chora quando seu dedo é preso em uma porta, isso significa que ele tem instintivamente, e por isso corretamente, descartado o estoicismo?

O progressivo e inevitável declínio do Dr. Ragin é doloroso de se observar. Quando o próprio médico é lá internado, ele percebe a falácia de sua filosofia e, tarde demais, entende que o mal deve ser enfrentado. O livro, como a instituição em que é ambientado, é frio, insensível e hostil. Somente as idéias e o debate entre Dr. Ragin e Ivan Dmitrich têm vida.

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Resenha: Cícero – Sobre a Amizade

A vida sem amigos não vale a pena viver

Cícero se definia como um cético acadêmico, isto é, um seguidor da Academia de Platão. Além disso particularmente se apunha à alegação epistemológica estoica de que a certeza absoluta de certas impressões era possível. Entretanto, foi solidário defensor da ética estoica. Com veremos neste livro, ele baseava seus ensinamentos éticos essencialmente nas premissas estoicas de que a virtude é a responsável pela felicidade e a tranquilidade espiritual. Hoje é uma de nossas fontes mais detalhadas sobre a doutrina do estoicismo.

Outro elemento que caracteriza Cícero como um dos campeões do estoicismo é sua forte oposição ao epicurismo. É importante notar aqui que Cícero tinha a tendência de reduzir Epicuro a uma filosofia que busca apenas prazer com o objetivo de gratificação instantânea.

No ano 44 a.C., Cícero estava em seus sessenta anos, afastado do poder político pela ditadura de Júlio César. Ele se dedicou a escrever para aliviar a dor do exílio e a recente perda de sua amada filha. Em um período de meses, ele produziu alguns dos mais lidos e influentes ensaios já escritos sobre assuntos que vão desde a natureza dos deuses e o papel adequado do governo até as alegrias de envelhecer e o segredo para encontrar a felicidade em vida. Entre estes trabalhos estava o breve ensaio Sobre a Amizade dedicado a Ático, seu melhor amigo.

Ele e Cícero tornaram-se amigos quando homens jovens e assim permaneceram durante todas suas vidas. Cícero dedicou-se à política romana e passou a maior parte de seus anos naquela cidade, uma época de tremenda agitação e guerra civil. Ático, por outro lado, observava a política romana a partir da distância segura de Atenas, enquanto permanecia em contato próximo com os principais homens de ambos os lados em Roma. Mesmo estando frequentemente separados, Cícero e Ático trocaram cartas ao longo dos anos que revelam uma amizade de rara devoção e calorosa afeição.

Sobre a Amizade é sem dúvida o melhor livro já escrito sobre o assunto. O conselho sincero que ele dá é honesto e comovente de uma forma que poucas obras dos tempos antigos são. Alguns romanos tinham visto a amizade em termos principalmente práticos como uma relação entre as pessoas para vantagem mútua. Cícero não nega que tais amizades sejam importantes, mas ele vai além do utilitarismo para enaltecer um tipo mais profundo de amizade em que duas pessoas se encontram um no outro sem buscar lucro ou vantagem do outro. Filósofos gregos como Platão e Aristóteles haviam escrito sobre a amizade centenas de anos antes. De fato, Cícero foi profundamente influenciado por seus escritos. Mas Cícero vai além de seus predecessores e cria nesta sucinta obra um guia convincente para encontrar, manter e apreciar essas pessoas em nossas vidas que valorizamos não pelo que elas podem nos dar, mas porque encontramos nelas uma alma semelhante a nossa. Sobre a Amizade está repleto de conselhos atemporais sobre amizade. Entre os melhores estão:

1. Existem diferentes tipos de amizades: Cícero reconhece que há muitas pessoas boas com quem entramos em contato em nossas vidas que chamamos de amigos, sejam eles sócios de negócios, vizinhos ou qualquer tipo de conhecidos. Mas ele faz uma distinção fundamental entre estas amizades comuns e bastante úteis e aqueles raros amigos aos quais nos ligamos em um nível muito mais profundo. Estas amizades especiais são necessariamente raras, pois exigem muito tempo e investimento de nós mesmos. Mas estes são os amigos que mudam profundamente nossas vidas, assim como nós mudamos a deles. Cícero escreve: “Com exceção da sabedoria, estou inclinado a acreditar que os deuses imortais não deram nada melhor à humanidade do que a amizade“. (§VI, 20)

2. Somente pessoas boas podem ser verdadeiras amigas: Pessoas de pobre caráter moral podem ter amigos, mas só podem ser amigos de utilidade pela simples razão de que a amizade real requer confiança, sabedoria e benevolência de base. Os tiranos e canalhas podem usar uns aos outros, assim como podem usar pessoas boas, mas as pessoas más nunca podem encontrar uma amizade verdadeira na vida.

3. Devemos escolher nossos amigos com cuidado: Temos que ser deliberados na escolha de nossas amizades pois pode ser muito confuso e doloroso descobrir que o suposto amigo não era a pessoa que pensávamos. Devemos ter calma, mover-nos lentamente e descobrir o que está no fundo do coração de uma pessoa antes de fazer o investimento pessoal que a verdadeira amizade exige.

4. Faça novos amigos, mas mantenha os antigos: Ninguém é um amigo mais agradável do que alguém que está com você desde o início. Mas não se limite aos companheiros da juventude, cuja amizade pode ter sido baseada em interesses não mais partilhados por você. Esteja sempre aberto a novas amizades, inclusive aquelas com pessoas mais jovens. Tanto você quanto eles serão privilegiados por isso.

5. Os amigos fazem de você uma pessoa melhor: Ninguém pode prosperar isoladamente. Deixados por nossa conta, estagnaremos e nos tornaremos incapazes de nos ver como somos. Um verdadeiro amigo o desafiará a se tornar melhor porque ele aprecia o potencial dentro de você.

6. Os amigos são francos: Os amigos sempre lhe dirão o que você precisa ouvir, não o que você quer que eles digam. Há muitas pessoas no mundo que o lisonjearão para seus próprios propósitos, mas somente um verdadeiro amigo – ou um inimigo – arriscará sua raiva dizendo-lhe a verdade. E sendo você mesmo uma boa pessoa, você deve ouvir seus amigos e acolher o que eles têm a dizer.

7. A recompensa da amizade é a própria amizade: Cícero reconhece que há vantagens práticas na amizade – conselho, companheirismo, apoio em tempos difíceis – mas em seu coração a verdadeira amizade não é uma relação de negócios. Ela não busca reembolso e não mantém contabilização. Não somos tão mesquinhos a ponto de “cobrar juros sobre nossos favores”, escreve Cícero. Ele acrescenta: “A recompensa da amizade é a própria amizade“.

8. Um amigo nunca pede que se faça algo errado: Um amigo arriscará muito por outro, mas não a honra. Se um amigo lhe pede para mentir, trapacear ou fazer algo vergonhoso, considere cuidadosamente se essa pessoa é quem você realmente pensava que era. Como a amizade é baseada na virtude, ela não pode existir quando se espera o mal de uma amizade.

9. As amizades podem mudar com o tempo: As amizades da juventude não serão as mesmas na velhice – nem deveriam ser. A vida muda todos nós com o tempo, mas os valores e qualidades essenciais que nos atraíram aos amigos em anos passados podem sobreviver ao teste do tempo. E, assim como o vinho, a melhor das amizades vai melhorar com a idade.

10. Sem amigos, não vale a pena viver a vida: Ou como diz Cícero: “Suponha que um deus o leve para longe, para um lugar onde lhe foi concedida uma abundância de todo bem material da natureza, mas lhe negue a possibilidade de alguma vez ver um ser humano. Quem teria a alma suficientemente temperada para suportar esse gênero de vida, e para evitar que a solidão retirasse de seus prazeres todo o seu sabor? (§XXIII, 87-88)

O livro Sobre a Amizade teve uma tremenda influência sobre escritores nos tempos que o seguiram, desde Santo Agostinho até o poeta italiano Dante e mais além Thomas Jefferson. Não é menos valioso hoje em dia. Em uma era moderna da tecnologia e um foco implacável no eu que ameaça a própria ideia de amizades profundas e duradouras, Cícero tem mais a nos dizer do que nunca.

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Carta 103: Sobre os perigos da associação com nossos próximos

A carta 103 tem um tom mais amargo. Nela Sêneca nos alerta que o maior perigo que corremos não vem da natureza, acidentes ou doença, mas sim de outras pessoas, pois “o homem se delicia em arruinar o homem.” (CIII; §2)

Contra esse risco não temos certeza de proteção, contudo Sêneca recomenda sempre ajudar e nunca prejudicar nosso próximo:

Evite, nas suas relações com os outros, prejudicar, para que não seja prejudicado. Você deve se alegrar com todos em suas alegrias e simpatizar com todos em seus problemas, lembrando dos serviços que deve prestar e os perigos que deve evitar.” (CIII; §2)

E a filosofia pode ser grande aliada, se a usarmos corretamente, ou seja, para corrigir nossos defeitos e não como ferramenta para apontar a falha dos outros.

Imagem: A Morte de Júlio César por Vincenzo Camuccini. César passou ileso por inúmeras conquistas militares e pela guerra civil, para acabar morto por seus colegas no senado.


CIII. Sobre os perigos da associação com nossos próximos[1]

Saudações de Sêneca a Lucílio.

1. Por que você está procurando por problemas que talvez possam vir a seu encontro, mas que, de fato, podem não chegar a seu caminho? Quero dizer incêndios, edifícios caindo e outros acidentes do tipo que são meros eventos e não tramas contra nós, sem o propósito deliberado de nos causarem mal. Melhor faria em procurar evitar os perigos reais que nos espreitam na intenção de nos apanhar à traição. Os acidentes, embora possam ser sérios, são poucos e raros – como naufragar ou cair de uma carruagem. Mas é do próximo que vem o perigo cotidiano de um homem. Equipe-se contra isso, vigie isso com um olho atento. Não há nenhum mal mais frequente, nenhum mal mais persistente, nenhum mal mais insinuante.

2. Mesmo a tempestade, antes de se iniciar, dá um aviso; casas trincam antes de caírem; e a fumaça é o precursor do fogo. Mas o dano provocado pelo homem é instantâneo e de quanto mais próximo ele vem, mais cuidadosamente está escondido. Você está errado em confiar na fisionomia daqueles que encontra. Eles têm o aspecto de homens, mas almas de bestas. A única diferença é que os animais selvagens lhe causam dano ao primeiro encontro, aqueles que passaram por nós não voltam para nos perseguir. Pois nada os incita a causar dano, exceto quando a necessidade os obriga: é a fome ou o medo que os instiga a lutar. Mas o homem se delicia em arruinar o homem.

3. Você deve, no entanto, refletir o perigo que você corre na mão do homem, para que você possa deduzir qual é o seu dever enquanto homem. Evite, nas suas relações com os outros, prejudicar, para que não seja prejudicado. Você deve se alegrar com todos em suas alegrias e simpatizar com todos em seus problemas, lembrando dos serviços que deve prestar e os perigos que deve evitar.

4. E o que você pode alcançar vivendo uma vida dessas? Não necessariamente a imunidade contra danos, mas pelo menos liberdade de engano; pelo menos consegue que não o tomem por tolo. Dessa forma, quando for capaz, refugie-se na filosofia: ela irá cuidar de você em seu seio e em seu santuário você estará seguro ou, pelo menos, mais seguro do que antes. As pessoas colidem apenas quando viajam pelo mesmo caminho.

5. Mas essa mesma filosofia nunca deve ser alardeada por você; pois a filosofia quando empregada com insolência e arrogância tem sido perigosa para muitos. Deixe-a retirar suas falhas, em vez de ajudá-lo a criticar as falhas dos outros. Não deixe que ela se afaste dos costumes da humanidade, nem faça com que ela condene o que ela mesma não faz. Um homem pode ser sábio sem alarde e sem provocar inimizade.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.


[1] Compare com a carta VII (Volume I).

Carta 101: Sobre a futilidade do planejamento prévio

Na carta 101 Sêneca fala sobre a tolice de adiar o estudo da filosofia, isto é, aprender como viver uma boa vida, e focar em negócios, com a esperança de, no futuro, estar “bem provido” para uma vida de estudos. Sêneca diz que nunca sabemos o dia de nossa morte, logo, devemos estar todos os dias preparados:

No entanto, o que é mais tolo do que nos admirar que algo que pode acontecer todos os dias aconteceu um dia? Existe de fato um limite fixado para nós, exatamente onde a lei sem remorso do destino o colocou, mas nenhum de nós sabe o quão perto se está desse limite. Portanto, deixe-nos agir como se tivéssemos chegado ao fim. Não adiemos nada, deixe-nos acertar a conta da vida todos os dias.” (CI, 7)

Sêneca, um dos homens mais ricos de seu tempo, faz uma observação muito correta e interessante para quem deseja enriquecer: diz que existem dois bons caminhos para a riqueza material: saber como ganhar dinheiro ou conservá-lo, “pois qualquer um desses dois pode fazer um homem rico.”

Na carta Sêneca defende que não devemos nos apegar a viva a qualquer custo. Ele dá o exemplo de Caio Mecenas, que preferia consumir-se por dor, morrer membro por membro, ao invés de expirar de uma vez por todas. Termina a carta com uma poderosa frase:

O ponto é, não quão longamente você vive, mas quão nobremente você vive. E, muitas vezes, essa vida nobre significa que você não poderá viver por muito tempo.” (CI, 15)

Imagem: Virgílio, Horácio e Mecenas, por Charles François Jalabert


CI. Sobre a Futilidade do Planejamento prévio

Saudações de Sêneca a Lucílio.

1. Todos os dias e todas as horas revelam-nos o que somos, e nos lembram com uma nova evidência de que nos esquecemos das nossas fraquezas e fragilidades; então, enquanto planejamos a eternidade, eles nos obrigam a olhar a morte sobre nossos ombros. Você me pergunta o que significa esse preâmbulo? Refere-se a Cornélio Sinésio, um equestre romano distinguido e capaz, quem você conheceu. De origem humilde, ele atingiu a grande sucesso, e o resto do caminho já se mostrava fácil diante dele. Pois é mais fácil crescer em dignidade social do que começar a ascensão.

2. E a riqueza é muito lento para chegar onde há pobreza; até que possa se fugir dela, vai hesitante, mas desde que ultrapasse um pouco esse nível nunca mais para. Sinésio já estava ao lado da riqueza, ajudado nessa direção por dois ativos muito poderosos: saber como ganhar dinheiro e como conservá-lo também, pois qualquer um desses dons poderia ter feito dele um homem rico.

3. Aqui estava uma pessoa que vivia muito simplesmente, cuidadoso com a saúde e riqueza. Ele, como de costume, me visitou no início da manhã e então passou o dia inteiro, até o anoitecer, à beira do leito de um amigo que estava seriamente e irremediavelmente doente. Depois de um jantar confortável, de repente ele foi apanhado por um agudo ataque de angina e, com a respiração firmemente bloqueada por sua garganta inchada, mal viveu até o amanhecer. Então, dentro de poucas horas depois de cumprir todos os deveres de um homem sadio e saudável, ele caiu morto!

4. Aquele que estava aventurando investimentos por terra e mar, que também entrara na vida pública e não deixara nenhum tipo de negócio sem ser testado, durante a própria realização do sucesso financeiro e durante a própria investida dos bens pecuniários aos seus cofres, foi arrebatado deste mundo!

Enxerte agora as suas peras, Meliboeus, e pode suas videiras em ordem!Insere nunc, Meliboee, piros, pone ordine vites.[1]

Mas quão tolo é delimitar e fazer planos para um longa vida, quando nem sequer é proprietário do dia seguinte! Que loucura é traçar esperanças de grande alcance! Dizer: “Vou comprar e construir, emprestar a juros e receber dinheiro, ganhar títulos de honra e, então, velho e cheio de anos, vou me entregar a uma vida privada para estudos estando bem provido.

5. Acredite em mim quando digo que tudo é duvidoso, mesmo para aqueles que são prósperos. Ninguém tem o direito de desenhar para si mesmo seu futuro. Aquilo que nós seguramos desliza através de nossas mãos e a sorte nos corta exatamente na hora que estamos com estoque cheio. O tempo escoa por lei racional, mas na escuridão para nós; e o que significa para mim saber que o curso da natureza é certo, quando o meu é incerto?

6. Planejamos viagens distantes e adiamos o retorno depois de percorrer costas estrangeiras, planejamos o serviço militar e as recompensas lentas de campanhas difíceis, buscamos poder e as promoções de um cargo a outro e, ao mesmo tempo, a morte está ao nosso lado. Mas como nunca pensamos nisso, a não ser que afete ao nosso próximo, os casos de morte nos pressionam dia a dia, para permanecer em nossas mentes apenas enquanto despertam nossa surpresa.

7. No entanto, o que é mais tolo do que nos admirar que algo que pode acontecer todos os dias aconteceu um dia? Existe de fato um limite fixado para nós, exatamente onde a lei sem remorso do destino o colocou, mas nenhum de nós sabe o quão perto se está desse limite. Portanto, deixe-nos agir como se tivéssemos chegado ao fim. Não adiemos nada, deixe-nos acertar a conta da vida todos os dias.

8. A maior falha na vida é que está sempre imperfeita, a se completar, e que uma certa parte dela é adiada. Aquele que diariamente coloca os toques finais de sua vida nunca está com falta de tempo. E, no entanto, a partir desse desejo surge o medo e a ânsia de um futuro que destrói a alma. Não há mais miserável situação do que vir a esta vida sem se saber qual o rumo a seguir nela; o espírito inquieto debate-se com o inelutável receio de saber quanto e como ainda nos resta para viver, nossas almas perturbadas são colocadas em um estado de medo inexplicável.

9. Como, então, devemos evitar essa vacilação? Há apenas um jeito, como não há nenhuma previsão em nossa vida, se for fechada em si mesmo. Pois só está preocupado com o futuro aquele a quem o presente não é satisfatório. Mas quando eu pago à minha alma o devido, quando uma mente equilibrada sabe que um dia não difere da eternidade, seja qual for o dia ou o problema que o futuro possa trazer. Nesse caso a alma se destaca em alturas elevadas e ri sinceramente para si mesmo quando pensa na sucessão interminável dos tempos. Pois quais distúrbios podem resultar da mudança e da instabilidade da Fortuna, se se nós estivermos firmes perante a instabilidade?

10. Portanto, meu querido Lucílio, comece imediatamente a viver e conte cada dia separado como uma vida separada. Aquele que assim se preparou, aquele cuja vida cotidiana tenha sido um todo arredondado, está tranquilo em sua mente; mas aqueles que vivem só pela esperança descobrem que o futuro imediato desliza sempre de suas mãos e que a ganância toma seu lugar, e o medo da morte, uma maldição que traz maldição sobre todo o resto. Daí veio aquela oração mais degradada, na qual Mecenas não se recusa a sofrer fraqueza, deformidade e, como clímax, até mesmo a dor da crucificação apenas para que prolongasse o sopro da vida em meio a esses sofrimentos:[2]

11. Faça-me fraco na mão, fraco com pé mancando, Imponha uma corcunda inchada, afrouxe meus dentes instáveis; Enquanto exista vida, estou bem; mantenha-me indo Mesmo que eu, á dura cruz fique empaladoDebilem facito manu, debilem pede coxo, Tuber adstrue gibberum, lubricos quate dentes ; Vita dum superest, benest; hanc mihi, vel acuta Si sedeam cruce, sustine.

12. Lá está ele, orando por aquilo que, se tivesse sucedido a ele, seria a coisa mais lamentável do mundo! E buscando um adiamento do sofrimento, como se estivesse pedindo por vida! Deveria considerá-lo mais desprezível se desejasse viver até o momento da crucificação: “Não!”, Ele chora, “você pode enfraquecer meu corpo somente se deixar o sopro de vida na minha carcaça maltratada e ineficaz! Mutile-me se quiser, mas permita-me, disforme e deformado como eu estou, apenas um pouco mais de tempo no mundo! Você pode me pregar e colocar meu lugar na cruz lancinante!” Vale a pena aturar a própria ferida, e manter-se empalado sobre um pelourinho, que só pode adiar algo que é o bálsamo dos problemas, o fim da punição? Vale a pena tudo isso apenas para possuir o sopro de vida que finalmente deverá ser entregue?

13. O que você pediria para Mecenas, a não ser a indulgência dos deuses? O que ele quer dizer com versos tão efeminados e indecentes? O que ele quer dizer ao contemporizar com tal medo? O que ele quer dizer com mendigar vil à vida? Ele nunca ouviu Virgílio ler as palavras:

Diga-me, a morte é tão miserável quanto isso?Usque adeone mori miserum est ?[3]

Ele pede o clímax do sofrimento e – o que é ainda mais difícil de suportar – prolongamento e extensão do sofrimento. E o que ele ganha desse modo? Simplesmente o benefício de uma existência mais longa. Mas que tipo de vida é uma morte vagarosa?

14. Pode ser encontrado quem prefira consumir-se por dor, morrer membro por membro ou deixar a vida esvair gota por gota, ao invés de expirar de uma vez por todas? Pode alguém ser encontrado disposto a ser preso à árvore amaldiçoada,[4] há muito doente, já deformado, inchado com tumores no peito e nos ombros e respirando a vida em meio a uma agonia prolongada? Eu acho que teria muitas desculpas para morrer mesmo antes de montar a cruz! Negue, agora, se puder, que a natureza é muito generosa ao tornar a morte inevitável.

15. Muitos homens estão preparados para entrar em pechinchas ainda mais vergonhosas: trair amigos para viver mais ou voluntariamente aviltar seus filhos e, assim, aproveitar a luz do dia que é testemunha de todos os seus pecados. Devemos nos livrar desse desejo de vida e aprender que não faz diferença quando o seu sofrimento vem, porque em algum momento você é obrigado a sofrer. O ponto é, não quão longamente você vive, mas quão nobremente você vive. E, muitas vezes, essa vida nobre significa que você não poderá viver por muito tempo. Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.


[1] Trecho de Éclogas de Virgílio (também chamadas de Bucólicas).

[2] Horácio, seu amigo íntimo, escreveu “para animar o Macenas desanimado”; e Plínio menciona suas febres e sua insônia “perpetua febris … Eidem triennio supremo nullo horae momento contigit somnus”.

[3] Trecho de Aneida, de Virgílio.

[4] Infelix arbor, i.e. a cruz.

Carta 100: Sobre os escritos de Fabiano

A centésima carta é uma resposta de Sêneca a uma crítica de Lucílio de um texto de Papírio Fabiano. Fabiano foi professor de Sêneca quando jovem tendo sido um retórico e filósofo muito ativo nos tempos de Tibério e Calígula. Suas obras são frequentemente citadas por Plínio na História Natural.

A carta traz poucos ensinamentos filosóficos e foca em explicar qualidades do texto de Fabiano, que infelizmente, nos foi perdido. Sêneca diz que seus escritos filosóficos foram superados apenas pelos de Cícero, Pólio e Lívio.

Nas cartas de Sêneca sempre estão presentes epigramas, isto é, textos curtos que expressam um pensamento de forma engenhosa. Geralmente tenho dificuldade em selecionar um, entre os vários, para ilustrar o artigo, mas a carta 100 não oferece nenhum. Contudo o exemplo do professor de Sêneca é um a ser seguido:

Percebe-se que ele agiu assim para o leitor saber o que agradava a ele, e não para ele agradar ao leitor. Todo o seu trabalho visa progresso moral e sabedoria, sem qualquer busca de aplausos.” (X, 11)

(Imagem Mosaico Virgílio no Museu Nacional Bardo, Tunísia)


C. Sobre os escritos de Fabiano

Saudações de Sêneca a Lucílio.

1. Você me escreve que leu com a maior disposição o trabalho de Papírio Fabiano[1] intitulado “Os deveres de um cidadão” e que não atingiu suas expectativas; então, esquecendo que você está lidando com um filósofo, você procede a criticar seu estilo de escrita. Suponha agora, que sua afirmação é verdadeira – que ele derrame, em lugar de colocar suas palavras. Deixe-me no entanto, desde o início, dizer-lhe que esta característica da qual você fala tem um charme peculiar e que é uma graça apropriada para um estilo de suave compreensão. Pois, eu mantenho, é importante se o texto tropeça ou flui. Além disso, há também uma certa deferência a este respeito, como eu deixarei claro para você:

2. Fabiano parece-me não “verter” palavras mas sim ter um “fluxo”, deixa as palavras fluírem. Tão abundante é, sem confusão, e ainda não sem velocidade.[2] Isto é, de fato, o que seu estilo declara e anuncia: que ele não passou muito tempo trabalhando o assunto e retocando-o. Mas mesmo supondo que os fatos sejam como você diz, o homem está construindo caráter ao invés de palavras e está escrevendo essas palavras mais para a mente do que para os ouvidos.

3. Além disso, se ouvisse ele lendo o próprio texto você não teria tido tempo para considerar os detalhes – todo o trabalho lhe teria entusiasmado. Por regra geral, o que satisfaz pela rapidez é de menor valor quando tomado em consideração para a leitura. No entanto, essa mesma qualidade, de atrair à primeira vista, é uma grande vantagem, não importa se uma investigação cuidadosa pode descobrir algo a criticar.

4. Se você me perguntar, devo dizer que aquele que arrebata a aprovação é maior do que aquele que a merece; e ainda sei que o último é mais seguro, eu sei que ele pode dar garantias mais confiantes para o futuro. Uma maneira meticulosa de escrever não se adequa ao filósofo, se ele é tímido quanto às palavras, quando será valente e firme? Quando realmente mostrará seu valor?

5. O estilo de Fabiano não era negligente, mas assegurado. É por isso que você não encontrará nada de qualidade inferior em seu trabalho: suas palavras são bem escolhidas e mesmo assim não são caçadas. Elas não são artificialmente inseridas e invertidas, de acordo com a moda atual, mas possuem distinção, mesmo que elas sejam distantes do discurso mais vulgar. Lá você tem ideias honestas e esplêndidas, não encadeadas em aforismos, mas faladas com maior liberdade. Devemos, naturalmente, notar passagens que não são suficientemente podadas, não construídas com cuidado suficiente e que não possuem o esmalte que está em voga hoje em dia. Mas depois de considerar o todo você verá que não encontraremos futilidades nem obscuridades resultantes do excesso de concisão.

6. Pode ser, sem dúvida, que não haja nenhuma variedade de mármores, nenhum abastecimento de água corrente de um apartamento para outro, nenhum “quarto pobre”,[3] ou qualquer outro dispositivo que o luxo acrescente quando insatisfeito com encantos simples; mas é sim, aquilo que chamamos de “uma boa casa para se viver”. Além disso, as opiniões variam em relação ao estilo. Alguns desejam que ele seja polido de toda aspereza e alguns tomam um grande prazer na maneira abrupta que intencionalmente qualquer passagem se rompe e então, se espalha mais suavemente, dispersando as palavras finais de tal forma que as frases possam soar inesperadas.

7. Leia Cícero: seu estilo tem unidade, ele se move com um ritmo modulado e é gentil sem ser efeminado. O estilo de Asínio Polião,[4] por outro lado, é “acidentado”, brusco, parando quando você menos espera.[5] E, finalmente, Cícero sempre termina de forma gradual; enquanto Polião se interrompe, exceto nos poucos casos em que ele cliva em um ritmo definido, aliás sempre de um único padrão.

8. Além disso, você diz que tudo em Fabiano parece-lhe comum e sem elevação, mas eu considero que ele é livre dessa culpa. Pois esse estilo seu não é comum, mas simplesmente calmo e ajustado à sua mente pacífica e bem ordenada – não em um nível baixo, mas em um plano uniforme. Falta a verve e os grandes rasgos de orador (os quais você está procurando) e um choque súbito de epigramas.[6] Mas olhe, por favor, em todo o trabalho, quão bem ordenado é: há uma distinção nele. Seu estilo talvez não possua, mas sugere, dignidade.

9. Mencione alguém a quem você possa classificar antes de Fabiano. Cícero, digamos, cujos livros sobre filosofia são quase tão numerosos como os de Fabiano. Concordo com este ponto, mas não é pouco ser menos do que o maior. Ou Asínio Polião, digamos. Eu vou me render novamente e me contento respondendo: “É uma distinção ser o terceiro em tão grande campo”. Você também pode incluir Tito Lívio,[7] pois Lívio escreveu os diálogos que devem ser classificados como história e obras que declaradamente lidam com a filosofia. Eu também cederei no caso de Lívio. Mas considere quantos escritores Fabiano ultrapassa, se ele é superado apenas por três, e esses três são os maiores mestres da eloquência!

10. Mas, pode-se dizer, ele não oferece tudo: embora seu estilo seja elevado, não é forte; embora ele venha em profusão, falta força e envergadura; não é translúcido, mas é lustroso. “Alguém iria falhar”, você insiste, “em encontrar nele qualquer crítica dura ao vício, quaisquer palavras corajosas diante do perigo, qualquer desafio orgulhoso da Fortuna, quaisquer ameaças desdenhosas contra o egoísmo. Desejo ver o luxo repreendido, a luxúria condenada, o capricho esmagado. Deixe-o nos mostrar o entusiasmo pela oratória, a beleza da tragédia, a sutileza da comédia”. Você deseja que ele confie naquela mais pequena das coisas, fraseologia; mas ele jurou fidelidade à grandeza de seu assunto e carrega a eloquência atrás dele como uma espécie de sombra, mas não como propósito primário.

11. Nosso autor, sem dúvida, não investigará todos os detalhes, nem submeterá a análise, nem inspecionará e enfatizará cada palavra separada. Isso eu admito. Muitas frases ficam aquém, ou deixam de atingir o alvo e, às vezes, o estilo é indolente; mas há muita luz ao longo do trabalho. Existem longos trechos que não cansam o leitor. E, finalmente, ele oferece essa qualidade de deixar claro o que ele quis dizer ao escrever, e o escreveu de coração. Percebe-se que ele agiu assim para o leitor saber o que agradava a ele, e não para ele agradar ao leitor. Todo o seu trabalho visa progresso moral e sabedoria, sem qualquer busca de aplausos.

12. Não duvido que seus escritos sejam do tipo que descrevi, embora eu esteja me recordando deles em vez de manter uma lembrança certa, e embora o tom geral de seus escritos permaneça na minha mente, não devido a leitura cuidadosa e recente, mas em esboço, como é natural de um conhecimento antigo. Contudo, certamente, sempre que o ouvi dar uma palestra pareceu-me o trabalho dele não apenas sólido, mas completo, o tipo que inspiraria os jovens de talento e despertaria a ambição de se tornarem como ele, sem fazê-los sem esperança de superá-lo; e esse método de encorajamento me parece o mais eficaz de todos. Pois é desanimador inspirar em um homem o desejo da emulação e tirar-lhe a esperança. De qualquer forma, sua escrita era fluente e, embora não fosse possível aprovar todos os detalhes, o efeito geral era nobre.

Adeus.


[1] NT: Papirio Fabiano foi um retórico e filósofo da Roma Antiga, ativo na última época de Augusto e nos tempos de Tibério e Calígula, na primeira metade do primeiro século. Foi professor de Sêneca. Suas obras são frequentemente citadas por Plínio na História Natural e Sêneca diz que seus escritos filosóficos foram superados apenas pelos de Cícero, Pólio e Lívio.

[2] ou seja, seu estilo é como um rio em vez de uma corredeira.

[3] Os homens ricos às vezes instalavam em seus palácios uma imitação de “cabine de homem pobre”, por contraste com os outros quartos ou como um gesto para uma vida simples; Sêneca usa a frase figurativamente para determinados dispositivos em composição. Ver também carta XVIII (Volume I) e Marcial, III, 48: “Pauperis extruxit cellam, sed vendidit Olus; praedia; nunc cellam pauperis Olus habet.

[4] NT: Caio Asínio Polião (n. 65 a.C.–4 d.C.) foi um político da gente Asínia eleito cônsul em 40 a.C.. É conhecido por sua carreira como orador, poeta, autor teatral, crítico literário e, principalmente, como historiador, cuja obra, perdida, uma “História de Roma” até sua época, foi muito utilizada como fonte para as obras de Apiano e Plutarco. Polião foi ainda um patrono de Virgílio, amigo de Horácio e recebeu de ambos poemas dedicados a si.

[5] Ver Quintiliano, X, I;11: “multa in Asinio Pollione inventio, summa diligentia, adeo ut quibusdam etiam nimia videatur; et consilii et animi satis; a nitore et iucunditate Ciceronis ita longe abest, ut videri possit saeculo prior.

[6] A redação aqui se assemelha de forma impressionante à do Velho Sêneca em Controversias. II.

[7] NT: Tito Lívio, conhecido simplesmente como Lívio, é o autor da obra histórica intitulada Ab urbe condita (“Desde a fundação da cidade”), onde tenta relatar a história de Roma desde o momento tradicional da sua fundação 753 a.C. até ao início do século I da Era Cristã.

Resenha: Seneca, Vida e Filosofia

Recentemente grupos de estoicismo em lingua inglesa estão debatendo o caráter de Sêneca, como vemos aqui e aqui. Creio que o filósofo, assim como São Paulo ou St. Agostinho de Hipona, descobriu o caminho da virtude e ética em uma etapa posterior de sua vida. Obviamente, como no caso dos santos, isto não mancha seus escritos e sua filosofia, muito pelo contrário, penso que acrescenta valor.

Em sua Carta 8 a Lucílio ele diz:

Há certos conselhos sadios, que podem ser comparados às prescrições de remédios, estes eu estou pondo por escrito pois achei-os úteis para ministrar às minhas próprias feridas, que, se não estão totalmente curadas, ao menos deixaram de se espalhar.” (VIII, 2)
Aponto outros homens para o caminho certo, que eu encontrei tarde na vida, quando cansado de vagar.” (VIII, 3)

No tratado A vida feliz, Sêneca responde a acusações que lhe são feitas, onde ele é notavelmente franco. Ele está falando com seu irmão sobre todos os seus fracassos pessoais, das maneiras pelas quais ele não está à altura do ideal e, acima de tudo, do seu incrível luxo:  ele fala em ter árvores que são plantadas apenas para a sombra, de ter vinhos exclusivos, de ter tantos escravos que ele não sabe quais são seus nomes,  de ter tantos imóveis que nem sequer sabe onde todos ficam. Em outras palavras, ele é realmente uma pessoa de estupenda riqueza. Diz que teria muito mais a listar contra si próprio. Mas no momento quer afirmar apenas um ponto:

não sou um homem sábio, nem jamais serei. Por isso não exija de mim que eu seja igual ao melhor, mas que eu seja melhor do que os maus.” (A Vida Feliz, XVII, 3)

Sêneca sabe de suas falhas, mas afirma que está tentando. Ele está realmente tentando trabalhar seus vícios todos os dias e melhorar um pouco a cada dia que passa.

Um excelente livro para conhecer melhor a vida de Sêneca e sua filosodia foi escrito por Francis Holland. Originalmente destinada a servir de introdução para uma tradução das cartas de Sêneca que acabou não sendo publicada, o texto foi publicado independentemente, fez sucesso e atingiu público muito superior ao imaginado pelo próprio autor e editor.

A obra apresenta um relato atraente de Sêneca em relação à sua época e aos três imperadores com quem ele conviveu proximamente: Calígula, Cláudio e Nero. O relato vívido de Holland, usando muitas vezes citações do texto de Sêneca, descreve acontecimentos de sua vida que nos faz imaginar estarmos vivendo na corte do antigo império.

Acadêmicos da época da publicação criticaram alguns pontos do livro, afirmando não haver exatidão nos detalhes apresentados e erros históricos facilmente verificáveis. Por exemplo, Holland afirma que o pai de Sêneca escreveu cinco livros de Controvérsias (Controversiae), quando realmente foram dez. Outra crítica é que Holland faz declarações explicitas sem evidência: “a declaração explícita na p. 36 que Sêneca escreveu ‘após um intervalo de seis meses de sua chegada [na Córsega] a Consolação à sua mãe’ é, no que diz respeito à data, uma informação sem base evidencial, mas que toca um ponto controverso”.[1] Holland ignora muitas perguntas exasperantes ou as aborda apenas superficialmente. Não há uma boa discussão sobre a causa do banimento de Sêneca para Córsega, o suposto adultério de Sêneca com Júlia. Essa acusação afetaria fortemente seu caráter moral e deveria ser melhor explicada. Tão pouco o livro faz alusão à primeira esposa de Sêneca, apenas nos conta sobre Paulina, que é referida como segunda esposa.

O principal mérito do livro reside em sua simpatia entusiasta e cativante pelo assunto e em seus vivos olhares sobre a corte imperial em Roma. A falta de detalhes, omissões ou pequenas inexatidões são irrelevantes para aqueles que querem entender melhor a filosofia de Sêneca ao conhecer sua vida e época.

Se não conseguimos acordo nem sobre o caráter de políticos atuais, imagine então tentar julgar um estadista de 2000 anos atrás e, pior ainda, usando a moral vigente hoje! Devemos estudar e debater a filosofia de Sêneca pois a temos por escrito e podemos estuda-la objetivamente. Analisar o caráter do filósofo só polui e politiza o debate.

Nunca terei vergonha de citar um mau autor se a fala for boa” – Sêneca, Sobre a tranquilidade da Alma.


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Carta 95: Sobre a Utilidade dos Princípios Básicos

Na carta 95, Sêneca atende um pedido de Lucílio para aprofundar a discussão do tema da carta anterior, ou seja, a validade do ensino de preceitos em contraste com o uso de princípios. O texto é longo e complexo, e Sêneca, de forma bem humorada já alerta o leitor:

“…aceito o seu pedido de bom grado, e recuso a deixar o ditado comum perder o seu fundamento: “Não peça por aquilo que você desejaria não ter recebido’. Mas, sem piedade, me vingarei e colocarei uma enorme carta sobre seus ombros; por sua parte, se você ler isso com relutância, pode dizer: “Eu trouxe esse fardo a mim mesmo‘…” (XCV, 1-3)

Para Sêneca, ambos são úteis e imprescindíveis, mas sem princípios, os preceitos são inúteis, pois “quando um homem está organizando sua existência como um todo, não é suficiente lhe dar conselhos sobre detalhes“:

Existe a mesma diferença entre princípios filosóficos e preceitos que existe entre as letras e frases; as últimas dependem das primeiras, enquanto as primeiras são a fonte da última e de todas as coisas.(XCV, 12)

Como de costume, apresenta uma fantástica analogia para ilustrar seu ponto:

Um homem pode saber que manter uma amante é o pior tipo de insulto para sua esposa, mas a luxúria o levará na direção oposta. Portanto, não servirá dar preceitos, a não ser que você primeiro remova as condições que possam prejudicar os preceitos; A alma, para lidar com os preceitos que oferecemos, deve primeiro ser liberada.(XCV, 37-38)

Leiam a carta, vale o esforço.

(imagem: Guillaume Guillon-Lethière: Morte de Catão de Utica)


XCV. Sobre a Utilidade dos Princípios Básicos

Saudações de Sêneca a Lucílio.

1. Você continua pedindo-me para explicar sem adiamento um tópico que eu observei uma vez que deveria ser adiado até o momento apropriado e para informar-lhe, por carta, se este departamento de filosofia que os gregos chamam de “paraenético”(paraenetice)[1] e nós, romanos, chamamos de “preceptorial”(praeceptiva), é suficiente para nos dar uma sabedoria perfeita. Eu sei que você vai entender se eu me recusar a fazê-lo. Mas aceito o seu pedido de bom grado, e recuso a deixar o ditado comum perder o seu fundamento: “Não peça por aquilo que você desejaria não ter recebido”.

2. Pois as vezes buscamos com esforço o que deveríamos recusar se fosse oferecido voluntariamente. Chame isso inconstância ou descaramento[2] – devemos punir o hábito com pronta observância. Há muitas coisas que nós gostaríamos que os homens pensassem que desejamos, mas que realmente não desejamos. Um palestrante às vezes traz ao palco um enorme trabalho de pesquisa, escrito na letra mais minúscula e muito dobrado; depois de ler uma grande parte, ele diz: “Eu vou parar, se desejarem”; e surge um grito: “Leia mais, continue lendo!” Dos lábios daqueles que estão ansiosos para que o palestrante libere o paço. Muitas vezes queremos uma coisa e oramos por outra, sem contar a verdade nem mesmo aos deuses, o bom é que os deuses ou não nos atendem ou têm pena de nós.

3. Mas, sem piedade, me vingarei e colocarei uma enorme carta sobre seus ombros; por sua parte, se você ler isso com relutância, pode dizer: “Eu trouxe esse fardo a mim mesmo”, e pode classificar-se entre aqueles homens cujas esposas muito ambiciosas os deixam frenéticos, ou aqueles que as riquezas, ganhas pelo suor extremo da testa, só trazem angustias, ou aqueles que são torturados pelos cargos públicos que procuraram por todo tipo de dispositivo e trabalho, e todos os outros que são responsáveis por seus próprios infortúnios.

4. Mas devo parar este preâmbulo e abordar o problema em questão. Os homens dizem: “A vida feliz consiste na conduta correta, os preceitos guiam para a conduta correta, portanto os preceitos são suficientes para alcançar a vida feliz”. Mas nem sempre nos orientam para a conduta correta; isso ocorre somente quando a vontade é receptiva; e às vezes são aplicados em vão, quando as opiniões erradas atormentam a alma.

5. Além disso, um homem pode agir corretamente sem saber que ele está agindo corretamente. Pois ninguém, exceto aquele treinado desde o início e equipado com uma razão completa, pode desenvolver proporções perfeitas, entender quando deve fazer certas coisas e até que ponto, e em cuja companhia, e como, e por quê. Sem esse treinamento, um homem não pode esforçar-se com todo seu coração ao que é honrado, ou mesmo com firmeza ou alegria, mas sempre estará olhando para trás e hesitando.

6. Também é dito: “Se a conduta honrosa resulta dos preceitos, os preceitos são amplamente suficientes para a vida feliz; como a primeira dessas afirmações é verdadeira, portanto a segunda também é verdadeira”. Devemos responder a estas palavras que a conduta honrosa é, com certeza, provocada por preceitos, mas não apenas por preceitos.

7. “Então”, vem a resposta, “se as outras artes se contentam com os preceitos, a sabedoria também estará contente com eles, pois a própria sabedoria é uma arte de viver. E, no entanto, o piloto é feito por preceitos que lhe dizem isso ou aquilo sobre como virar o leme, colocar suas velas, fazer uso de um vento justo, bordejar, fazer o melhor das brisas inconstantes e variáveis – tudo da maneira correta. Outros artesãos também são guiados por preceitos, portanto, os preceitos serão capazes de realizar o mesmo resultado no caso do nosso artesão na arte de viver”.

8. Agora, todas essas artes estão preocupadas com as ferramentas da vida, mas não com a vida como um todo. Portanto, há muito para embaraçar essas artes e complicá-las – como a esperança, a ganância, o medo. Mas essa arte que professa ensinar a arte da vida não pode ser impedida por qualquer circunstância de exercer suas funções; pois sacode as complicações e atravessa os obstáculos. Gostaria de saber o quão diferente sua posição em relação as outras artes? No caso destas últimas, é mais perdoável errar voluntariamente ao invés de por acidente; mas, no caso da sabedoria, a pior falha é cometer o pecado deliberadamente.

9. Quero dizer algo assim: um estudioso se ruborizará por vergonha, não se ele cometer um erro gramatical intencionalmente, mas se o fizer involuntariamente; se um médico não perceber que seu paciente está falecendo, é um praticante muito mais pobre do que se reconhecesse o fato e escondesse seu conhecimento. Mas, nesta arte de viver, um erro voluntário é mais vergonhoso. Além disso, muitas artes, sim e as mais liberais de todas, têm sua doutrina especial, e não apenas preceitos de conselhos. Na profissão médica, por exemplo, existem as diferentes escolas: de Hipócrates, de Asclepíades,[3] de Temiso.

10. E, além disso, nenhuma arte que se preocupe com teorias pode existir sem suas próprias doutrinas; os gregos chamam de dogmatas, enquanto nós, romanos, podemos usar o termo “doutrinas” ou “princípios”, ou “princípios adotados”,[4] como você encontrará em geometria ou astronomia. Mas a filosofia é tanto teórica como prática; contempla e, ao mesmo tempo, age. Você está realmente enganado se você acha que a filosofia não oferece nada além de ajuda mundana; suas aspirações são mais altas do que isso. Ela chama: “Eu investigo todo o universo, nem estou satisfeita, me mantendo dentro de uma morada mortal, para dar conselhos favoráveis ou desfavoráveis. Os grandes assuntos convidam e estão bem acima de você. Nas palavras de Lucrécio[5]:

11. Para ti, eu revelarei os caminhos do céu

E os deuses, espalhando-se diante de teus olhos Os átomos, – de onde todas as coisas são trazidas ao nascimento, Aumentado e promovido pelo poder criativo, E atingem a putrefação quando a Natureza os expulsa.Nam tibi de summa caeli ratione deumque Disserere incipiam et rerum primordia pandam ; Unde omnis natura creet res, auctet alatque, Quoque eadem rursus natura perempta resolvat.

Filosofia, portanto, sendo teórica, deve ter suas doutrinas.

12. E por quê? Porque nenhum homem pode realizar devidamente as ações certas, exceto aquele que tenha sido dotado da razão, que lhe permitirá, em todos os casos, cumprir todas as categorias de dever. Essas categorias ele não pode observar a menos que receba preceitos para cada ocasião, e não só pela da ocasião. Os preceitos por si próprios são fracos e, por assim dizer, sem raízes se forem prescritos às partes e não ao todo. São as doutrinas que nos fortalecerão e nos apoiarão em paz e calma, que incluirão simultaneamente a totalidade da vida e do universo em sua plenitude. Existe a mesma diferença entre princípios filosóficos e preceitos que existe entre as letras e frases;[6] as últimas dependem das primeiras, enquanto as primeiras são a fonte da última e de todas as coisas.

13. As pessoas dizem: “A sabedoria antiga aconselhava apenas o que se deveria fazer e evitar, e, no entanto, os homens de tempos passados eram homens muito melhores. Quando os eruditos apareceram, os sábios tornaram-se raros. Dessa forma, a franca e simples virtude foi transformada em conhecimento escondido e astuto, somos ensinados a debater e não a viver”.

14. Claro, como você diz, a sabedoria antiga, especialmente em seus primórdios, era imperfeita; mas também as outras artes, nas quais a destreza desenvolveu com o progresso. Nem naqueles dias havia necessidade de curas cuidadosamente planejadas. A maldade ainda não havia chegado a um ponto tão alto, ou se espalhado tão amplamente. Os vícios simples podiam ser tratados com curas simples; agora, no entanto, precisamos de defesas erguidas com todo o cuidado, por causa dos poderes mais fortes pelos quais somos atacados.

15. A medicina consistiu-se uma vez no conhecimento de algumas ervas, para impedir o fluxo de sangue ou para curar feridas; então, gradualmente, atingiu o seu estágio atual de complexa variedade. Não é de admirar que, nos primeiros dias, o medicamento tivesse menos a fazer! Os corpos dos homens ainda eram sólidos e fortes; sua alimentação era leve e não estragada pela arte e pelo luxo, pois então começamos a procurar pratos não para a remoção, mas para o despertar do apetite, e inventamos inúmeros molhos para estimular a gula, então, o que antes era alimento para um homem faminto tornou-se um fardo para o estômago cheio.

16. Daí vem palidez e um tremor de músculos encharcados pelo vinho e uma magreza repulsiva, devido à indigestão e não à fome. Dessa forma, pequenos passos cambaleantes e uma marcha incerta como a da embriaguez. Daí a hidropisia,[7] espalhando sob toda a pele e a barriga crescendo para uma pança através de um hábito de consumir mais do que pode. Daí a icterícia, os semblantes descoloridos e os corpos que se apodrecem por dentro, e os dedos que se tornam nodosos quando as articulações se endurecem e os músculos entorpecidos e sem poder de sensação e a palpitação do coração.

17. Por que razão eu menciono tonturas? Ou falar de dor nos olhos e na orelha, comichão e dor no cérebro febril e úlceras internas em todo o sistema digestivo? Além disso, existem inúmeros tipos de febre, algumas agudas em sua malignidade, outras nos arrasando com danos sutis e outras que vêm acompanhadas de calafrios e severa maleita.

18. Por que devo mencionar as outras doenças inumeráveis, as torturas que resultam de uma vida luxuosa? Os homens costumavam estar livres de tais males, porque eles ainda não haviam diminuído sua força pela indulgência, porque eles tinham controle sobre si mesmos e proviam suas próprias necessidades. Eles enrijeceram seus corpos pela labuta e pelo trabalho real, cansando-se correndo ou caçando ou cultivando a terra. Eles eram revigorados por comida da qual apenas um homem faminto poderia ter prazer. Por isso, não havia necessidade de todas as nossas poderosas parafernálias médicas, de tantos instrumentos e caixas de pomadas. Por razões simples, eles gozavam de uma saúde simples; foi necessário um percurso elaborado para produzir doenças elaboradas.

19. Note o número de coisas – tudo a passar por uma única garganta – que o luxo mistura, depois de devastar a terra e o mar. Tantos pratos diferentes certamente devem estar em desacordo; eles são unidos fortemente e são digeridos com dificuldade, cada um acotovelando o outro. E não é de admirar que as doenças resultantes de alimentos variados sejam diversas e variadas; deve haver um transbordamento quando tantas combinações não naturais se misturam. Por isso, há tantas maneiras de estar doente quanto há de viver.

20. O ilustre fundador da guilda e da profissão da medicina[8] observou que as mulheres nunca perdiam os cabelos nem sofriam dor nos pés; e, no entanto, hoje em dia elas ficam sem cabelos e são afligidas pela gota. Isso não significa que o físico da mulher tenha mudado, mas que tenha sido conquistado; ao competir por indulgências masculinas, elas também competem pelos males dos quais os homens são herdeiros.

21. Elas dormem tão tarde e bebem tanto licor quanto eles; elas desafiam os homens na luta e na bebedeira; elas não são menos dadas ao vômito de estômagos distendidos e, assim, descarregando todo o vinho novamente; nem estão atrás dos homens em consumir gelo, como um alívio para suas digestões febris. E elas mesmo igualam os homens em suas paixões, embora tenham sido criadas para sentir amor passivamente (que os deuses e deusas possam amaldiçoá-las!). Elas inventam as variedades mais impossíveis de não castidade e na companhia dos homens elas fazem o papel dos homens. Que maravilha, então, que possamos checar a declaração do melhor e mais experiente médico, quando tantas mulheres são carecas e sofrem de gota! Por causa de seus vícios, as mulheres deixaram de merecer os privilégios de seu sexo; elas renegaram sua natureza feminina e, portanto, estão condenadas a sofrer as doenças dos homens.

22. Os médicos da antiguidade não sabiam nada sobre a prescrição de nutrientes frequentes e o sustento do pulso fraco com vinho; eles não entendiam a prática da sangria e de aliviar as queixas crônicas com banhos de vapor; eles não entendiam como, ao enfaixar os tornozelos e os braços, convocar às partes externas a força que havia se refugiado ao centro. Eles não eram obrigados a buscar muitas variedades de alívio, porque as variedades de sofrimento eram muito poucas em número.

23. Hoje em dia, no entanto, a que etapa os males da doença estão avançados! Este é o juro que pagamos pelos prazeres que desejamos além do que é razoável e correto. Você não precisa imaginar que as doenças estão além da conta: conte os cozinheiros! Todos os interesses intelectuais estão em suspenso; aqueles que seguem conferências de cultura em salas vazias, em lugares afastados. Os salões do professor e do filósofo estão desertos; mas que multidão nos cafés! Quantos jovens assediam as cozinhas de seus amigos glutões!

24. Não devo mencionar as tropas de escravos sem fortuna que devem suportar outros tratamentos vergonhosos depois que o banquete acaba. Não devo mencionar as tropas de catamitas[9], classificadas de acordo com a nação e a cor, que devem ter a mesma pele lisa e a mesma maneira de vestir os cabelos, de modo que nenhum menino com madeixas lisas possam ficar entre os de cabelos encaracolados. Nem devo mencionar a confusão de padeiros, e o número de garçons que em um determinado aviso correm para transportar os pratos. Oh, deuses! Quantos homens trabalham para divertir uma única barriga!

25. O que? Você imagina que esses cogumelos, o veneno do gourmet, não causam maldade em segredo, mesmo que não tenham tido efeito imediato? O que? Você acha que sua neve de verão não endurece o tecido do fígado? O que? Você acha que aquelas ostras, uma comida gosmenta engordada em lodo, não sobrecarregam com o peso da lama? O que? Você não acha que o chamado “garum – o molho das Províncias”, o extrato apodrecido de peixe venenoso, queime o estômago com sua putrefação salgada? O que? Você acha que os pratos corrompidos que um homem engole quase queimando do fogo da cozinha são apagados no sistema digestivo sem fazer mal? Quão repugnantes, e quão insalubres são os seus arrotos, e como os homens ficam enojados consigo mesmos quando respiram os vapores da orgia de ontem! Você pode ter certeza de que a comida deles não está sendo digerida, mas está apodrecendo.

26. Lembro-me de ter ouvido uma fofoca sobre um prato notório em que tudo do qual os gourmets adoram era amontoado por um restaurante que estava rapidamente entrando em bancarrota; havia dois tipos de mexilhões e as ostras aparadas na linha onde são comestíveis, separadas a intervalos por ouriços-do-mar; o todo estava flanqueado por tainhas cortadas e servidas sem as espinhas.[10]

27. Nestes nossos dias estamos envergonhados de alimentos separados; as pessoas misturam muitos sabores em um. A mesa de jantar faz o que o estômago deveria fazer. Eu vislumbro em seguida que a comida será servida já mastigada! E quão longe disso estamos quando separamos conchas e ossos e o cozinheiro executa o trabalho dos dentes? Eles dizem: “É muito difícil levar nossos luxos um a um, deixe-nos ter tudo servido ao mesmo tempo e misturado com o mesmo sabor. Por que eu deveria me contentar com um único prato? Vamos ter muitos chegando ao mesmo tempo, as delícias de vários cursos devem ser combinadas e confundidas.”

28. Aqueles que costumavam declarar que isso era feito para exibição e notoriedade devem entender que não é feito para exibição, mas que é uma oblação ao nosso senso de dever! Deixe-nos ter, ao mesmo tempo, embebidos no mesmo molho, pratos que costumam ser servidos separadamente. Não há diferença: deixe as ostras, os ouriços-do-mar, os crustáceos e os salmonetes serem misturados e cozidos no mesmo prato. Um vomitado não formaria uma massa mais caótica!

29. E como a comida em si é complicada, de modo que as doenças resultantes são complexas, inexplicáveis, múltiplas, variadas, os medicamentos começaram a fazer campanha contra eles de muitas maneiras e por muitas regras de tratamento. Agora, eu declaro que a mesma afirmação se aplica à filosofia. Ela era mais simples porque os pecados dos homens eram em menor escala e podiam ser curados com pequena dificuldade; no entanto, em face de toda inversão moral, os homens não devem deixar nenhum remédio não experimentado. E seria possível que essa praga fosse então superada!

30. Estamos loucos, não apenas individualmente, mas a nível nacional. Evitamos o homicídio culposo e assassinatos isolados; mas e a guerra e o tão voraz crime de matar povos inteiros? Não há limites para nossa ganância, nenhuma para nossa crueldade. E enquanto esses crimes forem cometidos escondido e por indivíduos, eles são menos prejudiciais e menos portentosos; mas as crueldades são praticadas de acordo com atos do senado e da assembleia popular, e o público é convidado a fazer o que é proibido ao indivíduo.

31. Ações que seriam punidas com a morte quando cometidas em particular, são louvadas por nós, porque os generais uniformizados as realizaram. O homem, naturalmente a classe de ser vivo mais branda, não tem vergonha de se deleitar com o sangue dos outros, de fazer guerra e de encaminhar seus filhos à guerra, quando as feras e os animais selvagens mantêm a paz uns com os outros.

32. Contra esta loucura excessiva e disseminada a filosofia tornou-se uma questão do maior esforço, e tomou forças em proporção às forças ganhas pela oposição. Costumava ser fácil repreender os homens que eram escravos da bebida e que procuravam comida da mais luxuosa; Não seria exigido um esforço poderoso para trazer o espírito de volta à simplicidade de onde apenas a pouco partira. Mas agora

É preciso a mão rápida, ao mestre artesão.Nunc manibus rapidis opus est, nunc arte magistra.[11]

33. Os homens procuram prazer de todas as fontes. Nenhum vício permanece dentro dos limites; o luxo é precipitado em ganância. Estamos impressionados com o esquecimento daquilo que é honroso. Nada de valor é atraente, é vil. O homem, um objeto de reverência aos olhos do homem, agora é abatido por brincadeira e esporte; e aqueles que costumavam acreditar ser profano treinar com o propósito de infligir feridas, estão expostos e indefesos; e é um espetáculo satisfatório ver um homem feito um cadáver.[12]

34. Em meio a esta condição de inversão da moral, é necessário algo mais forte do que o habitual – algo que sacuda esses males crônicos; a fim de erradicar uma crença profunda em ideias erradas, a conduta deve ser regulada por doutrinas. É somente quando adicionamos preceitos, consolo e encorajamento a estes, que podem prevalecer; por si só são ineficazes.

35. Se nos fossemos segurar os homens firmemente atados e os afastarmos dos males que os agarraram firmemente, eles deveriam aprender o que é maligno e o que é bom. Eles deveriam saber que tudo, exceto a virtude, podem mudar de qualificativo, e merecerem umas vezes serem consideradas como más e outras como boas. Assim como o principal vínculo de união do soldado é seu juramento de fidelidade, seu amor à bandeira, e seu horror à deserção, e assim como, após essa etapa, outros deveres podem ser facilmente exigidos dele, e confiança dada a ele uma vez o juramento ter sido administrado; assim é com aqueles que você traz para a vida feliz: os primeiros fundamentos devem ser colocados, e a virtude trabalhada nesses homens. Que sejam mantidos por uma espécie de adoração supersticiosa da virtude; que eles a amem; deixe-os desejar viver com ela e se recusarem a viver sem ela.

36. “Mas o que, então,” dizem, “certas pessoas não ganharam caminho para a excelência sem treinamento complicado? Não fizeram grandes progressos obedecendo apenas preceitos básicos?” Muito verdadeiro; mas seus temperamentos eram propícios, e eles pegaram atalho pelo caminho. Pois assim como os deuses imortais não aprenderam a virtude tendo nascido com a virtude completa e contendo em sua natureza a essência do bem – mesmo assim certos homens estão equipados com qualidades incomuns e alcançam sem um longo aprendizado o que normalmente é uma questão de ensino, acolhendo coisas honestas assim que as ouvem. Por isso, as mentes escolhidas se apoderam rapidamente da virtude, ou então a produzem dentro de si mesmas. Mas seu companheiro embotado e lento, que é prejudicado por seus maus hábitos, deve ter essa ferrugem da alma incessantemente esfregada.

37. Agora, assim como o primeiro tipo, que está inclinado para o bem, pode ser elevado às alturas com mais rapidez: também os espíritos mais fracos podem ser auxiliados e libertados de suas opiniões malignas se confiarmos a eles os princípios aceitos da filosofia; e você pode entender o quão essencial são esses princípios da seguinte maneira. Certas coisas se afundam em nós, tornando-nos preguiçosos de certa forma, e precipitados de outras. Essas duas qualidades, a de imprudência e a outra de preguiça, não podem ser controladas ou despertadas, a menos que removamos suas causas, que são admiração equivocada e medo confuso. Enquanto estivermos obcecados por tais sentimentos, você pode nos dizer: “Você deve esse dever ao seu pai, isso para seus filhos, isso para seus amigos, isso para seus hóspedes”; mas a ganância sempre nos impedirá, não importa como tentemos. Um homem pode saber que ele deve lutar por seu país, mas o medo o dissuadirá. Um homem pode saber que ele deve suar sua última gota de energia em favor de seus amigos, mas o luxo irá proibir. Um homem pode saber que manter uma amante é o pior tipo de insulto para sua esposa, mas a luxúria o levará na direção oposta.

38. Portanto, não servirá dar preceitos, a não ser que você primeiro remova as condições que possam prejudicar os preceitos; não servirá nada mais do que colocar as armas ao seu lado e se aproximar do inimigo sem ter as mãos livres para usar essas armas. A alma, para lidar com os preceitos que oferecemos, deve primeiro ser liberada.

39. Suponha que um homem aja como deveria; ele não pode se manter assim de forma contínua ou consistente, já que não saberá o motivo de tal forma de agir. Parte de sua conduta resultará corretamente por fortuna ou prática; mas à sua mão não há nenhuma regra pelo qual possa regular seus atos, e em que possa confiar para lhe dizer se o que faz está certo. Aquele que é bom por simples acaso não dá garantia de manter esse caráter para sempre.

40. Além disso, os preceitos talvez o ajudem a fazer o que deve ser feito; mas eles não o ajudarão a fazê-lo da maneira correta; e se eles não o ajudam a esse fim, eles não o conduzem à virtude. Eu admito a você que, se admoestado, um homem fará o que deveria; mas isso não é suficiente, já que o crédito reside, não na ação real, mas na forma como é feito.

41. O que é mais vergonhoso do que uma refeição cara que come a renda mesmo de um equestre[13]? Ou o que é tão digno da condenação do censor como sempre saciar a si mesmo e seu “gênio” interior? –  se posso usar os termos dos nossos gastrônomos! E, no entanto, muitas vezes um jantar inaugural[14] custa ao homem mais cuidadoso um milhão de sestércios![15] A própria soma é vergonhosa se gasta na gula, mas é irrepreensível se gasta para honrar o cargo! Pois não é luxo, mas uma despesa sancionada pelo costume.

42. Um salmonete de tamanho monstruoso foi oferecido ao imperador Tibério. Dizem que pesava quatro quilos e meio (e por que não deveria fazer cócegas nos palatos de certos glutões mencionando seu peso?). Tibério ordenou que fosse enviado para o mercado de peixe e colocado à venda, observando: “Eu vou ser tomado inteiramente por surpresa, meus amigos, se Apício[16] ou Otávio não comprar esse salmonete”. O palpite tornou-se realidade além da expectativa: os dois homens o disputaram, e Otávio ganhou, adquirindo assim uma grande reputação entre os seus íntimos porque comprou por cinco mil sestércios um peixe que o Imperador havia vendido e que até Apício não conseguiu comprar. Pagar tal preço foi vergonhoso para Otávio, mas não para o indivíduo que comprou o peixe para presenteá-lo a Tibério – embora eu também estivesse inclinado a culpar o último também; mas, de qualquer modo, admirava um presente do qual pensava ser digno de César.

43. Outro exemplo: quando as pessoas se sentam ao lado da cama de seus amigos doentes, nós honramos seus motivos. Mas, quando as pessoas fazem isso com o objetivo de alcançar um legado, são como abutres à espera de carniça. O mesmo ato pode ser vergonhoso ou honorável: a maneira e os princípios que o motivaram fazem toda a diferença. Ora, todas nossas as ações serão honestas se nós as conformarmos à moralidade, se pensarmos que  a honra e seus resultados sejam o único bem que pode cair na fortuna do homem; pois outras coisas só são temporariamente boas.

44. Penso, então, que deve haver profundamente implantada uma firme crença que se aplicará à vida como um todo: é o que eu chamo de “princípio”. E, como essa crença é, assim serão nossos atos e nossos pensamentos. Como nossos atos e nossos pensamentos são, então nossa vida será. Quando um homem está organizando sua existência como um todo, não é suficiente lhe dar conselhos sobre detalhes.

45. Marco Bruto, no livro que ele tem intitulado “Sobre o(s) dever(es)”, dá muitos preceitos a pais, filhos e irmãos; mas ninguém cumprirá seu dever como deveria, a menos que tenha algum princípio ao qual possa basear sua conduta. Devemos colocar diante de nossos olhos o objetivo do Bem Supremo, para o qual devemos lutar, e para o qual todos os nossos atos e palavras devem ter referência – assim como os marinheiros devem orientar seu curso de acordo com uma certa estrela.

46. A vida sem ideais é errática: assim que um ideal é configurado, as doutrinas começam a ser necessárias. Tenho certeza de que você admitirá que não há nada mais vergonhoso do que uma conduta incerta e vacilante, do que o hábito de um recuo receoso, sem saber onde por os pés. Esta será a nossa experiência em todos os casos, se primeiro não eliminarmos as causas que nos entravam e manietam a alma e a impedem de dar o melhor de si própria.

47. Preceitos são geralmente ditos sobre como os deuses devem ser adorados. Mas vamos proibir que as lâmpadas sejam iluminadas no sábado,[17] já que os deuses não precisam de luz, nem os homens apreciam a fuligem. Permitamos que os homens ofereçam saudações matutinas e se aglomerem nas portas dos templos; as ambições mortais são atraídas por tais cerimônias, mas Deus é adorado por aqueles que realmente o conhecem. Permita-nos proibir trazer toalhas e raspadores de banho para Júpiter, e oferecer espelhos para Juno; pois Deus não precisa de  servos. Claro que não; ele mesmo faz serviço à humanidade, em todos os lugares e a tudo Deus sempre está à mão para ajudar.

48. Embora um homem ouça quais limites deve observar em sacrifício, e até onde deve se afastar de superstições onerosas, ele nunca fará progresso suficiente até que tenha concebido uma ideia correta de Deus – referindo-se a Ele como alguém que possui todas as coisas, e atribui todas as coisas, e as concede sem contrapartida.

49. E por que razão os deuses têm feito ações de bondade? É a sua natureza. Quem pensa que não estão dispostos a fazer mal, está errado; eles não podem fazer mal. Eles não podem receber ou infligir ferimentos; pois causar dano tem a mesma natureza que sofrer danos. A natureza universal, toda gloriosa e toda bonita, tornou-se incapaz de infligir males aqueles que retirou do perigo do mal.

50. O primeiro ato para adorar os deuses é acreditar nos deuses; ao lado de reconhecer sua majestade, reconhecer sua bondade sem a qual não há majestade. Além disso, para saber que eles são comandantes supremos no universo, controlando todas as coisas pelo seu poder e agindo como guardiões da raça humana, mesmo que às vezes não sejam conscientes do indivíduo. Eles não dão nem têm o mal, mas eles castigam e restringem certas pessoas e impõem penalidades e, às vezes, punem ao conceder o que parece bom externamente. Você quer ser agradável aos deuses? Então seja um bom homem. Quem os imita, está os adorando suficientemente.

51. Então vem o segundo problema, como lidar com homens. Qual é o nosso propósito? Que preceitos oferecemos? Devemos pedir que se abstenham de derramar sangue? Que pequena coisa não é prejudicar alguém a quem você deveria ajudar! É realmente digno de grandes elogios, quando o homem trata o homem com bondade! Devemos aconselhar esticar a mão para o marinheiro naufragado, ou apontar o caminho para ao viajante, ou compartilhar uma migalha com o faminto? Sim, se eu puder apenas lhe dizer primeiro tudo o que deve ser concedido ou retido; entretanto, posso estabelecer para a humanidade uma regra curta para os nossos deveres nas relações humanas:

52. Tudo o que você vê, o que abrange o divino e o homem, é um – somos partes de um grande corpo. A natureza nos produziu relacionados uns com os outros, já que ela nos criou da mesma fonte e para o mesmo fim. Ela engendrou em nós um afeto mútuo, e nos fez propensos a amizades. Ela estabeleceu equidade e justiça; de acordo com sua decisão, é mais lamentável cometer do que sofrer lesões. Por meio de suas ordens, deixe nossas mãos estarem prontas para todos que precisam ser ajudados.

53. Deixe este verso penetrar seu coração e estar sempre pronto nos seus lábios:

sou homem, tudo quanto é humano me concerne.Homo sum, humani nihil a me ahenum puto.[18]

Deixe-nos possuir coisas em comum; o nascimento é nosso em comum. Nossas relações uns com os outros são como um arco de pedra, que colapsaria se as pedras não se apoiassem mutuamente.

54. Em seguida, depois de considerar deuses e homens, vejamos como devemos fazer uso das coisas. É inútil que possamos ter preceitos, a menos que comecemos por refletir sobre a opinião que devemos ter em relação a tudo – acerca da pobreza, riqueza, renome, desgraça, cidadania, exílio. Deixe-nos banir o rumor e definir um valor em cada coisa, perguntando o que cada coisa é de fato, e não o que os homens lhe chamam.

55. Passemos agora a uma consideração das virtudes. Algumas pessoas nos aconselharão a avaliar altamente a prudência, apreciar a bravura e ter mais próximo, se possível, a justiça do que todas as outras qualidades. Mas isso não nos fará bem, se não soubermos o que é a virtude, seja simples ou composta, seja uma ou mais do que uma, se suas partes estão separadas ou entrelaçadas umas com as outras; se aquele que tem uma virtude também possui as outras virtudes; e quais são as distinções entre elas.

56. O carpinteiro não precisa investigar sua arte à luz de sua origem ou de sua função, mais do que um artista de pantomima precisa investigar a arte de dançar; se essas artes se entendem, nada falta, pois não se referem à vida como um todo. Mas a virtude significa o conhecimento de outras coisas além de si mesma: se quisermos aprender a virtude, devemos aprender tudo sobre a virtude.

57. A conduta não terá razão, a menos que a vontade de agir seja correta; pois esta é a fonte de conduta. Nem, novamente, a vontade estará certa sem uma atitude correta da mente; pois esta é a fonte da vontade. Além disso, essa atitude de espírito não será encontrada mesmo no melhor dos homens, a menos que tenha aprendido as leis da vida como um todo e tenha elaborado um julgamento adequado sobre tudo e a menos que tenha reduzido os fatos a um padrão de verdade. A paz mental é desfrutada apenas por aqueles que alcançaram um padrão de julgamento fixo e imutável; o resto da humanidade continuamente rasa e vagante em suas decisões, flutuando em uma condição onde alternadamente rejeitam as coisas e as buscam. Permanecem indecisos sem saber se hão de levar ou não até ao fim os seus propósitos.

58. E qual é a razão para esse jogar de um lado para o outro? É porque nada é claro para eles, porque eles usam o critério mais inseguro – a opinião comum. Se você quiser sempre desejar a mesma coisa, você deve desejar a verdade. Mas não se pode alcançar a verdade sem princípios básicos; os princípios abraçam toda a vida. As coisas boas e más, honestas e vergonhosas, justas e injustas, obedientes e desleais, as virtudes e a prática delas, a posse de confortos, valor e respeito, saúde, força, beleza, agilidade dos sentidos – todas essas qualidades exigem quem seja capaz de avaliá-las. À pessoa deve ser concedido saber qual o valor de cada objeto a ser classificado.

59. Por vezes você é enganado e acredita que certas coisas valem mais do que seu real valor; na verdade, você é enganado pois acha que deva valorar em mera moeda aquelas coisas que nós, homens, consideramos valer mais, por exemplo, riqueza, influência e poder. Você nunca entenderá isso, a menos que tenha investigado o padrão real pelo qual essas condições são relativamente avaliadas. Como as folhas não podem prosperar por meio de seus próprios esforços, mas precisam de um ramo ao qual elas possam se apegar e de onde possam tirar a seiva, então seus preceitos, quando levados sozinhos, desaparecem; eles devem ser enxertados em uma escola de filosofia.

60. Além disso, aqueles que eliminam os princípios não entendem que são provados pelos próprios argumentos através os quais eles dão para refutá-los. Pois o que esses homens estão dizendo? Eles estão dizendo que os preceitos são suficientes para desenvolver a vida e que os princípios de sabedoria (em outras palavras, dogmas) são supérfluos. E, no entanto, esse próprio enunciado deles é um princípio, como se eu devesse agora observar que é preciso dispensar os preceitos com o fundamento de serem supérfluos, que é preciso fazer uso de princípios e que nossos estudos devem ser direcionados exclusivamente para esse fim; assim, pela minha própria afirmação de que os preceitos não devem ser levados a sério, eu estaria proferindo um preceito!

61. Existem alguns assuntos em filosofia que precisam de admoestação; há outros que precisam de prova, e uma grande prova, também, porque eles são complicados e dificilmente podem ser esclarecidos com o maior cuidado e a maior habilidade dialética. Se as provas forem necessárias, também são doutrinas; as doutrinas deduzem a verdade por meio do raciocínio. Alguns assuntos são claros e outros são vagos: aqueles que os sentidos e a memória podem abraçar são claros; aqueles que estão fora do alcance deles são vagas. Mas a razão não é satisfeita por fatos óbvios; sua função mais alta e mais nobre é lidar com coisas ocultas. As coisas escondidas precisam de prova; a prova não pode vir sem princípios; portanto, princípios são necessários.

62. O que leva a um acordo geral, e semelhante a um perfeito, é uma crença segura em certos fatos; mas, se, sem essa garantia, todas as coisas estão à deriva em nossas mentes, então os princípios são indispensáveis; pois eles dão às nossas mentes os meios de uma decisão inabalável.

63. Além disso, quando aconselhamos um homem a considerar seus amigos tão altamente como a si mesmo, para refletir que um inimigo pode se tornar um amigo, a estimular o amor no amigo e aplacar o ódio no inimigo, acrescentamos: “Isso é justo e honroso”. Agora, o elemento justo e honroso em nossos princípios é abraçado pela razão; portanto, a razão é necessária; pois sem ela os princípios também não podem existir.

64. Mas vamos unir as duas. Pois, de fato, os ramos são inúteis sem suas raízes, e as raízes são fortalecidas pelos ramos que produziram. Todos podem entender quão úteis são as mãos; elas, obviamente, nos ajudam. Mas o coração, a fonte do crescimento, do poder e do movimento das mãos, está escondido. E posso dizer o mesmo sobre os preceitos: eles são manifestos, enquanto os princípios da sabedoria estão escondidos. E como somente os iniciados conhecem a porção mais sagrada dos ritos, então, na filosofia, as verdades ocultas são reveladas apenas aos que são membros e foram admitidos nos ritos sagrados. Mas os preceitos e outros assuntos são familiares mesmo para os não iniciados.

65. Posidônio sustenta que não só a dação de preceitos (não há nada para impedir que use essa palavra), mas mesmo a persuasão, a consolação e o encorajamento são necessários. Para isso, ele acrescenta a investigação das causas (mas não consigo ver por que eu não deveria ousar chamar isso de “etiologia”,[19] uma vez que os estudiosos que monitoram a língua latina usam o termo como tendo o direito de fazê-lo). Ele observa que também será útil ilustrar cada virtude particular; esta ciência Posidônio chama etologia, enquanto outros a chamam de caracterismo. Dá os sinais e as marcas que pertencem a cada virtude e vício, de modo que, por meio deles, a distinção pode ser feita entre coisas semelhantes.

66. Sua função é a mesma que a do preceito. Pois aquele que profere preceitos diz: “Se você quiser ter autocontrole, aja assim e assim”. Aquele que ilustra, diz: “O homem que age assim e assim, e se abstém de certas outras coisas, possui autocontrole”. Se você perguntar qual é a diferença aqui, digo que uma pessoa dá os preceitos da virtude, a outra dá sua personificação. Essas ilustrações, ou, para usar um termo comercial, essas amostras, têm, eu confesso, uma certa utilidade; basta colocá-las à exposição com boas recomendações, e você encontrará homens para copiá-las.

67. Você, por exemplo, julgaria ser útil ter evidências para que você reconhecesse um cavalo de puro sangue e não fosse enganado em sua compra ou desperdiçasse seu tempo por um animal inferior? Mas quanto mais útil é conhecer as marcas de uma alma insuperável – marcas que alguém pode apropriar de outro para si mesmo!

68. Imediatamente, o potro de raça pura pisa a terra, Marchando com um passo animado; É o primeiro a caminha e a atravessar os rios de peito aberto Com ousadia, confia na ponte desconhecida, Não temendo estrondo vazio. Seu pescoço elevado E cabeça ágil, barriga curta e costas fortes, Seu peito com espírito exibe seus nervos… … Então, se a guerra ressoa ao longe Não pode descansar, mas pica os ouvidos com os membros curiosos, Reunindo sob suas narinas, espirala fogo.Continue pecoris generosi pullus in arvis Altius ingreditur et mollia crura reponit; Primus et ire viam et fluvios temptare minantis Audet et ignoto sese committere ponti, Nec vanos horret strepitus. Illi ardua cervix Argutumque caput, brevis alvus obesaque terga, Luxuriatque toris animosum pectus… …Turn, si qua sonum procul arma dederunt. Stare loco nescit, micat auribus et tremit artus Conlectumque premens volvit sub naribus ignem.[20]

69. A descrição de Virgílio, embora se refira a outra coisa, poderia perfeitamente ser o retrato de um homem corajoso; de qualquer forma, eu mesmo não deveria selecionar nenhum outro símile para um herói. Se eu tivesse que descrever Catão, que estava desesperado no meio da guerra civil, que primeiro atacou os exércitos que já marchavam para os Alpes, que mergulhou de frente no conflito civil, esse é exatamente o tipo de expressão e atitude que eu deveria dar a ele.

70. Certamente, ninguém poderia mais “marchar com um passo animado” do que aquele que se levantou contra César e Pompeu ao mesmo tempo e quando alguns estavam apoiando o partido de César e outros, o de Pompeu, lançou um desafio aos dois líderes, mostrando assim que a república também tinha alguns apoiantes. Pois não basta dizer de Catão “não treme ao ouvir ruídos vãos”. Claro que ele não tem medo! Ele não recua frente a ruídos reais e iminentes; Diante de dez legiões, reforços gauleses e uma multidão de cidadãos e estrangeiros, ele pronuncia palavras repletas de liberdade, encorajando a República a não falhar na luta pela liberdade, mas a lutar contra todos os perigos; ele declara que é mais honrado cair em servidão do que estar de acordo com ela.

71. Que força e energia ele tem! Que confiança ele exibe em meio ao pânico geral! Ele sabe que é o único cuja situação não está em questão, e que os homens não perguntam se Catão é livre, mas se ele ainda está entre os livres. Daí o seu desprezo pelo perigo e pela espada. Que prazer dizer, admirando a firmeza constante de um herói que não caiu quando todo o estado estava em ruínas: “Um peito másculo, abundante em coragem!”

72. Será útil não apenas indicar qual é a qualidade usual dos homens bons e delinear suas figuras e características, mas também relacionar e estabelecer que homens desse tipo houveram. Podemos imaginar a última e mais valente ferida de Catão, através da qual a Liberdade expirou por último; ou o sábio Lélio e sua vida harmoniosa com seu amigo Cipião; ou os nobres atos do outro Catão, o velho, em feitos públicos ou privados; ou os bancos de madeira de Q. Tubero com pele de cabra em vez de tapeçarias, e vasos de barro expostos para o banquete frente ao próprio santuário de Júpiter! O que mais significou, exceto consagração da pobreza diante do próprio Capitólio? Embora eu não conheça nenhum outro seu para o classificar entre os Catões, este não é o suficiente? Era uma censura pública, não um banquete.

73. Quão lamentavelmente os que desejam a glória mas não conseguem entender o que é a glória, ou de que maneira deve ser procurada! Naquele dia, a população romana viu a mobília de muitos homens; ficaram maravilhados apenas com a de um! O ouro e a prata de todos os outros foram quebrados e derretidos várias vezes; mas os copos de barro de Tubero persistirão pela eternidade.Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.


[1] Na retórica, a protrepsia (grego: πρότρεψις) e a paraênesis (παραίνεσις) são dois estilos de exortação intimamente relacionados que são empregados por filósofos morais. O uso de “conselhos por preceitos”, discutido na carta anterior por outro ângulo.

[2]vernilitas”, o descaramento ou ousadia de um escravo domestico.

[3] Asclepíades de Bitínia (129 a.C. – 40 a.C.) foi um médico grego nascido em Prusa, na Bitínia, que trabalhou em Roma. Teve sua formação em Alexandria, o maior centro científico de sua época. Asclepíades tinha muitos pupilos, que formavam a escola Metódica.

[4] Decreta, seita e placita respectivamente.

[5] De rerum natura, I, 54.

[6] Do Latim “elementa et membra”, pode significar “letras e cláusulas” ou “matéria e formas de matéria”.

[7] A hidropsia, também conhecida como ascite, ou barriga d’água, não é uma doença propriamente dita, mas um sinal clínico que pode ser decorrente de algumas enfermidades., uma síndrome. Ela ocorre quando há retenção de líquidos na cavidade abdominal, músculos e pele, o que prejudica o bom funcionamento do organismo como um todo.

[8] Hipócrates

[9] Catamita era o companheiro jovem, pré-adolescente ou adolescente, em uma relação de pederastia entre dois homens no mundo antigo, especialmente na antiga Roma. Geralmente refere-se a amantes homossexuais jovens e passivos.

[10] Trecho cheio de corruptelas.

[11] Trecho de Eneida, de Virgílio

[12] Mais uma vez Sêneca critica os tão populares jogos de gladiadores

[13] A ordem equestre romana (ordo equester) formava a mais baixa das duas classes aristocráticas da Roma Antiga, estando abaixo da ordem senatorial (ordo senatorius).

[14] Jantar de gala oferecido pelo oficial ao assumir seu posto.

[15] O sestércio (sestertius, em latim) era uma antiga moeda romana. O sestércio foi criado por volta de 211 a.C. como uma pequena moeda de prata que valia um-quarto de denário

[16] Marco Gávio Apício (ou simplesmente Apício; em latim Marcus Gavius Apicius) foi um gastrônomo romano do século I d.C. suposto escritor do livro De re coquinaria, a melhor fonte para se conhecer a gastronomia do mundo romano.

[17] Alusão ao culto judaico, que se difundiu um tanto em Roma e chegou mesmo a gozar de uma certa protecção de Popeia, mulher de Nero.

[18] Trecho de Heaautontimorumenos (O Punidor de Si Mesmo), de Públio Terêncio Afro.

[19] etiologia (do grego αιτία, aitía, “causa”) é o estudo ou ciência das causas.

[20] Trecho de Geórgias, iii, de Virgílio, 75-81 e 83-85.

Carta 94: Sobre o Valor do Conselho

Na carta 94 Sêneca usa a técnica do diálogo para debater se preceitos, ou seja, conselhos práticos sobre casos individuas, são ou não úteis à filosofia.

Usa os primeiros 17 parágrafos para apresentar a opinião de Aríston, um estoico que estudou com Zenão. Ao fim desta exposição ficamos convencidos que o uso de conselhos práticos é algo indevido e inútil à filosofia. Contudo, Sêneca usa então o restante da carta para desmontar cada um dos argumentos dos antigos estoicos e defender aguerridamente a utilidade dos preceitos:

As pessoas dizem: “Qual a vantagem apontar o óbvio?” Muito bom; pois às vezes conhecemos fatos sem prestar atenção neles. O conselho não é para ensinar; apenas simplesmente aguça a atenção e nos desperta. Concentra a memória e a impede de perder o controle. (XCIV, 25)

“Seja econômico com o tempo!” “Conheça a ti mesmo!” Porventura precisa ser informado do significado quando alguém lhe repete linhas como estas? Essas máximas não precisam de nenhum argumento especial; elas vão direto às nossas emoções e nos ajudam simplesmente porque a Natureza está exercendo sua função adequada. (XCIV, 28)

A carta também debate pontos de vista de Cleantes e Posodônio, filósofos estoicos gregos cujas obras não sobreviveram ao tempo.

Imagem: Christian Dirce por Henryk Siemiradzki


XCIV. Sobre o Valor do Conselho

Saudações de Sêneca a Lucílio.

1. Esse departamento da filosofia que fornece preceitos adequados a caso individual, em vez de enquadrá-los para a humanidade em geral[1] – o que, por exemplo, aconselha como um marido deve se conduzir em relação a sua esposa ou como um pai deve educar seus filhos, ou como um mestre deve governar seus escravos – este departamento da filosofia, digo, é aceito por alguns como a única parte significativa, enquanto os outros departamentos são rejeitados com o argumento de que eles se desviam para além da esfera de necessidades práticas – como se qualquer homem pudesse dar conselhos sobre uma parcela da vida sem ter adquirido primeiro um conhecimento do total da vida como um todo!

2. Mas Aríston,[2] o estoico, pelo contrário, acredita que o departamento acima mencionado é de pouca importância – ele afirma que não penetra na mente, não tendo neles mais que preceitos de velhos e que o maior benefício é derivado dos dogmas reais da filosofia e da definição do Sumo Bem. Quando um homem ganha uma compreensão completa dessa definição e aprende tais princípios, diz ele, será capaz de deliberar por si próprio o que fazer em cada situação.

3. Assim como o aluno do lançamento do dardo continua visando um alvo fixo e, assim, treina a mão para dar direção ao míssil. Quando, por instrução e prática, ganha a habilidade desejada, ele pode empregá-lo contra qualquer alvo que deseje tendo aprendido a atingir não qualquer objeto aleatório, mas precisamente o objeto em que ele apontou. Aquele que se equipa para toda a vida não precisa ser aconselhado sobre cada item separado, porque agora está treinado para se opor a seu problema como um todo; pois não sabe apenas como ele deve viver com sua esposa ou seu filho, mas como ele deve viver corretamente. Nesse conhecimento, também está incluído a forma adequada de viver com esposa e filhos.

4. Cleantes sustenta que este departamento da sabedoria é realmente útil, mas que é uma coisa fraca, a menos que seja derivada de princípios gerais, isto é, a menos que seja baseado em um conhecimento dos dogmas reais da filosofia e suas principais rubricas. Este assunto é, portanto, duplo, levando a duas linhas de investigação separadas: primeiro, é útil ou inútil? E, segundo, pode produzir um bom homem? Em outras palavras, é supérfluo, ou torna todos os outros departamentos supérfluos?

5. Aqueles que exigem a visão de que este departamento é supérfluo argumentam da seguinte forma: “Se um objeto que é mantido na frente dos olhos interfere com a visão, ele deve ser removido. Porque enquanto estiver no caminho, é uma perda de tempo oferecer tais preceitos como estes: Caminhe assim e assim, estenda a mão naquela direção”. Da mesma forma, quando algo cega a alma de um homem e impede-a de ver a linha do dever claramente, não adianta aconselhá-lo: “Viva assim e assim com seu pai, assim e assim com sua esposa”. Porque os preceitos não servirão de nada, enquanto a mente está nublada de erro, somente quando a nuvem estiver dispersa ficará claro qual é o dever de cada um. Caso contrário, você apenas mostrará ao homem doente o que ele deveria fazer se estivesse bom, em vez de fazê-lo bom.

6. Suponha que você esteja tentando revelar ao homem pobre a arte de “agir como rico”; como se pode realizar isso enquanto sua pobreza não for alterada? Você está tentando deixar claro para um faminto de que maneira ele deve atuar o papel de alguém com um estômago bem preenchido; o primeiro requisito, no entanto, é aliviá-lo da fome que agarra seus sinais vitais. “O mesmo, asseguro-lhe, é válido para as falhas, as próprias falhas devem ser removidas e não devem ser dados preceitos que não possam ser realizados enquanto as falhas permanecem. A menos que você expulse as falsas opiniões sob as quais sofremos, o avarento nunca receberá instrução sobre o uso adequado do seu dinheiro, nem o covarde quanto ao modo de desprezar o perigo.”

7. Você deve fazer com que o avarento saiba que o dinheiro não é bem nem um mal, mostre-lhe homens de riqueza que são miseráveis até o último grau. Você deve informar o covarde que as coisas que geralmente nos assustam são menos temerosas que o boato anuncia, se o objeto do medo é o sofrimento ou a morte, que quando a morte vem – fixada por lei para todos nós – muitas vezes é um grande consolo refletir que nunca pode voltar, que em meio ao sofrimento, a determinação da alma será tão boa como uma cura, pois a alma torna mais leve qualquer fardo que resista com uma determinação corajosa. E lembre-se que a dor tem essa qualidade excelente: se for prolongada, ela não pode ser grave e, se grave, não pode ser prolongada; e que devemos aceitar corajosamente o que quer que as leis inevitáveis do universo lance sobre nós.

8. Quando, por meio de tais doutrinas, você trouxer o homem pecador para um senso de sua própria condição, quando souber que a vida feliz não é aquilo que se ajusta ao prazer, mas o que está em conformidade com a Natureza, quando ele cair profundamente apaixonado pela virtude como o único bem do homem e evitar a infâmia como o único mal do homem, e quando ele souber que todas as outras coisas – riqueza, cargos, saúde, força, domínio – ocupam posição intermediário, indiferente, e não devem ser contadas nem entre bens nem entre os males, então ele não precisará de um bedel para cada ação separada, para dizer-lhe: “Caminha assim e assim, coma assim e assim. Esta é a conduta própria de um homem e a de uma mulher, isto para um homem casado e isso para um solteiro.”

9. De fato, as pessoas que se esforçam para oferecer esses conselhos não são capazes de pô-los em prática. É assim que o pedagogo aconselha o menino e a avó, seu neto, é o professor mais irritadiço da escola que afirma que nunca se deve perder o temperamento. Vá para uma escola primária, e você aprenderá que apenas esses pronunciamentos, que emanam de filósofos altamente qualificados, podem ser encontrados no livro de aula para meninos!

10. Outro ponto: vocês oferecerão preceitos que são claros ou preceitos que são duvidosos? Aqueles que são claros não precisam de conselheiro, e preceitos duvidosos não ganham credibilidade, de modo que a prestação de preceitos é supérflua. Na verdade, você deveria estudar o problema dessa maneira: Se você está aconselhando alguém em uma questão obscura e de sentido duvidoso, você deve completar seus preceitos por meio de provas, e se você deve recorrer a provas, seus meios de prova são mais eficazes e mais satisfatórios em si mesmos.

11. É assim que você deve tratar seu amigo, assim seu cidadão, assim seu associado. E por quê? “Porque é justo.” No entanto, posso encontrar todo esse material incluído sob o título de Justiça. Acho que o jogo limpo é desejável em si mesmo, não sermos forçados a isso pelo medo nem contratados para esse fim via pagamento, e que nenhum homem é justo senão quem é atraído por qualquer coisa além da própria virtude do ato. Depois de convencer-me dessa visão e absorvê-la completamente, o que posso obter de tais preceitos, que só ensinam quem já está treinado? Para quem sabe, é supérfluo dar preceitos, a quem não sabe, é insuficiente. Pois deve ser informado, não só o que está sendo instruído a fazer, mas também o porquê.

12. Repito, tais preceitos são úteis para aquele que tem ideias corretas sobre o bem e o mal, ou para quem não tem? O último não receberá nenhum benefício de você; uma ideia que entra em conflito com seu conselho já monopolizou sua atenção. Aquele que tomou uma decisão cuidadosa sobre o que deva ser procurado e o que deva ser evitado sabe o que deve fazer, sem uma única palavra de você. Portanto, todo esse departamento de filosofia pode ser abolido.

13. Há duas razões pelas quais nos extraviamos: ou há na alma uma qualidade má que foi provocada por opiniões erradas, ou, mesmo que não possuídas por ideias falsas, a alma é propensa a falsidade e rapidamente corrompida por alguma aparência externa que a atrai na direção errada. Por esta razão, é nosso dever tratar com cuidado a mente doente e liberá-la de falhas, ou tomar posse da mente quando ainda está desocupada e ainda inclinada ao que é mal. Ambos os resultados podem ser alcançados pelas principais doutrinas da filosofia, portanto, a oferta de tais preceitos não serve de nada.

14. Além disso, se dermos preceitos a cada indivíduo, a tarefa é estupenda. Pois uma classe de preceito deve ser dada ao financista, outra ao fazendeiro, outra ao homem de negócios, outra a quem cultiva as boas graças da realeza, outra a quem procurará a amizade de seus iguais, outra a ele que irá julgar os de menor hierarquia.

15. No caso do casamento, você avisará a uma pessoa como ela deve se comportar com uma esposa que antes de seu casamento era uma donzela, e outra como deveria se comportar com uma mulher que anteriormente tinha estado casada com outro; como o marido de uma mulher rica deve agir, ou outro homem com uma esposa sem dote. Ou você não pensa que há alguma diferença entre uma mulher estéril e uma que tem filhos, entre uma avançada em anos e uma mera garota, entre uma mãe e uma madrasta? Não podemos incluir todos os tipos e, no entanto, cada tipo requer tratamento separado; mas as leis da filosofia são concisas e são válidas em todos os casos.

16. Além disso, os preceitos da sabedoria devem ser definidos e certos: quando as coisas não podem ser definidas, estão fora da esfera da sabedoria; pois a sabedoria conhece os limites adequados das coisas. Devemos, portanto, acabar com este departamento de preceitos, porque não pode cumprir tudo aquilo que promete apenas a alguns, mas a sabedoria abraça tudo.

17. Entre a insanidade das pessoas em geral e a insanidade que está sujeita a tratamento médico, não há diferença, exceto que esta sofre de doença e a primeira de opiniões falsas. Em um caso, os sintomas da loucura podem ser atribuídos a doenças; no outro a má saúde da mente. Se alguém oferecer preceitos a um louco – como ele deveria falar, como ele deveria andar, como ele deveria se comportar em público e privado, este seria mais lunático do que a pessoa a quem ele está aconselhando. O que é realmente necessário é tratar a bílis negra[3] e remover a causa essencial da loucura. E isso é o que também deve ser feito no outro caso: o da mente doente. A própria loucura deve ser abalada; caso contrário, suas palavras de conselho desaparecerão no ar.

18. Isto é que Aríston diz; e eu responderei seus argumentos um a um. Primeiro, em oposição ao que ele diz sobre a obrigação de alguém de remover o que bloqueia o olho e dificulta a visão. Eu admito que essa pessoa não precisa de preceitos para ver, mas que precisa de tratamento para curar sua visão e livrar-se do obstáculo que a prejudica. Pois é a natureza que nos dá a nossa visão; e aquele que remove os obstáculos restaura a natureza para sua própria função. Mas a natureza não nos ensina nosso dever em todos os casos.

19. Mais uma vez, se a catarata de um homem é curada, ele não pode, imediatamente após sua recuperação, devolver a visão a outros homens também; mas quando somos libertos do mal, podemos também libertar os outros. Não há necessidade de incentivo, ou mesmo de conselho, para que o olho possa distinguir cores diferentes; preto e branco podem ser diferenciados sem instigação de outro. A mente, por outro lado, precisa de muitos preceitos para ver o que deve fazer na vida; no tratamento dos olhos o médico não só realiza a cura, mas também dá conselhos na barganha.

20. Ele diz: “Não há nenhuma razão pela qual você deva imediatamente expor sua visão fraca para um brilho perigoso, comece com a escuridão, e então entre em meia-luz, e, finalmente, seja mais ousado, acostumando-se gradualmente à luz brilhante do dia. Não há razão para que você deva estudar imediatamente depois de comer, não há razão para que você imponha tarefas difíceis aos seus olhos quando estão inchados e inflamados, evite os ventos e as fortes rajadas de ar frio que sopram no seu rosto” – E outras sugestões do mesmo tipo, que são tão valiosas quanto as próprias drogas. A arte do médico complementa remédios por conselho.

21. “Mas,” vem a resposta, “o erro é a fonte do pecado, os preceitos não eliminam o erro, nem expulsam nossas falsas opiniões sobre o bem e o mal”. Eu admito que os preceitos por si só não são eficazes para derrubar as crenças equivocadas da mente; mas eles, naquela conta, não falham quando acompanhados de outras medidas também. Em primeiro lugar, eles atualizam a memória; em segundo lugar, quando classificados em suas próprias categorias, os assuntos que se mostraram uma massa confusa quando considerados como um todo, podem ser considerados dessa forma com maior cuidado. De acordo com a teoria dos nossos adversários, você pode até dizer que o consolo e a exortação são supérfluos. No entanto, eles não são supérfluos; nem também o é o conselho.

22. “Mas é loucura”, replicam, “prescrever o que um homem doente deveria fazer, como se estivesse bom, quando você realmente deveria restaurar sua saúde, porque sem saúde preceitos não valem a pena”. Mas não tem homens doentes e homens sadios em comum, no sentido em que eles precisam de conselhos contínuos? Por exemplo, para não acatar avidamente os alimentos, e para evitar ficar exausto. Pobre e rico têm em comum certos preceitos válidos a ambos.

23. “Cure a ganância deles, então”, as pessoas dizem, “e você não precisará palestrar tanto para os pobres como para os ricos, desde que, no caso de cada um deles, o desejo tenha diminuído”. Mas não é uma coisa ser livre do desejo por dinheiro, e outra coisa saber como usar esse dinheiro? Os sovinas não conhecem os limites adequados em matéria de dinheiro, mas mesmo aqueles que não são avarentos não conseguem compreender o seu uso. Então vem a resposta: “Evite o erro e seus preceitos se tornam desnecessários”. Isso esta errado; pois supor que a avareza é diminuída, que o luxo é confinado, que a imprudência é retida, e que a preguiça é estimulada pela espora; mesmo depois que os vícios são removidos, devemos continuar a aprender o que devemos fazer, e como devemos fazê-lo.

24. “Nada”, diz-se, “será realizado aplicando conselhos sobre faltas mais graves”. Não; e nem mesmo medicamentos podem dominar doenças incuráveis; no entanto, são usados em alguns casos como remédio, em outros como alívio. Nem mesmo o poder da filosofia universal, embora convoque toda a sua força para o propósito, removerá da alma o que é agora uma doença teimosa e crônica. Mas a sabedoria, apenas porque ela não tem poder para curar tudo, não é incapaz de fazer curas.

25. As pessoas dizem: “Qual a vantagem apontar o óbvio?” Muito bom; pois às vezes conhecemos fatos sem prestar atenção neles. O conselho não é para ensinar; apenas simplesmente aguça a atenção e nos despertar. Concentra a memória e a impede de perder o controle. Deixamos passar muito do que está diante dos nossos próprios olhos. O conselho é, de fato, uma espécie de exortação. A mente geralmente tenta ignorar mesmo aquilo que está diante de nossos olhos; devemos, portanto, impor a ela o conhecimento de coisas perfeitamente conhecidas. Pode-se repetir aqui o ditado de Calvo[4] sobre Vatínio[5]: “Vocês sabem que o suborno está acontecendo, e todos sabem que vocês sabem disso”.

26. Você sabe que a amizade deve ser escrupulosamente honrada e, no entanto, você não a mantém honrada. Você sabe que um homem faz errado ao exigir a castidade de sua esposa, enquanto ele mesmo está com esposas de outros homens; você sabe que, assim como sua esposa não deve ter relações com um amante, você também não deve se relacionar com uma amante; e ainda assim você não age de acordo. Portanto, você deve ser continuamente trazido a lembrar desses fatos; pois eles não devem estar no armazém, mas estar prontos para o uso. E o que quer que seja saudável deve ser frequentemente discutido e muitas vezes trazido à frente da mente, para que possa estar não apenas familiar a nós, mas também pronto para o uso. E lembre-se, também, de que, desta forma, as verdades evidentes se tornam ainda mais evidentes.

27. “Mas se”, vem a resposta, “seus preceitos não são óbvios, você será obrigado a adicionar provas, daí as provas e não os preceitos serão úteis”. Mas a influência do bedel não pode ser útil, mesmo sem provas? É como as opiniões de um especialista jurídico, que são válidas mesmo que os motivos para elas não sejam entregues. Além disso, os preceitos que são dados são de grande peso em si mesmos, sejam eles narrados no tecido da canção ou condensados em provérbios de prosa, como a famosa sabedoria de Catão: “Não compre o que você deseja, mas o que você deve ter. O que você não precisa, é caro mesmo por um ceitil”.[6] Ou aquelas respostas oraculares, como:

28. “Seja econômico com o tempo!” “Conheça a ti mesmo!” Porventura precisa ser informado do significado quando alguém lhe repete linhas como estas:

Esquecer os problemas é a maneira de curá-los. A fortuna favorece os corajosos, mas o covarde fica pelo caminho.Iniuriarum remedium est oblivio. Audentes fortuna iuvat, piger ipse sibi obstat.[7]

Essas máximas não precisam de nenhum argumento especial; elas vão direto às nossas emoções e nos ajudam simplesmente porque a Natureza está exercendo sua função adequada.

29. A alma carrega dentro de si a semente de tudo o que é honrado, e esta semente é estimulada ao crescimento por conselho, como uma faísca que ventilada por uma suave brisa desenvolve seu fogo natural. A virtude é despertada por um toque, um choque. Além disso, há certas coisas que, embora na mente, ainda não estão prontas para serem aplicadas, mas começam a funcionar facilmente assim que são colocadas em palavras. Certas coisas se espalham em vários lugares, e é impossível que a mente não organizada organize-as em ordem. Portanto, devemos levá-las à unidade, e juntar-se a elas, para que elas possam ser mais poderosas e mais uma elevação para a alma.

30. Ou, se os preceitos não servem de nada, então todos os métodos de instrução devem ser abolidos e devemos nos contentar apenas com a Natureza. Aqueles que mantêm esta visão não entendem que um homem é animado e rápido de inteligência, outro é lento e estúpido, e certamente alguns homens têm mais inteligência do que outros. A força do espírito é nutrida e continua crescendo por preceitos; ele acrescenta novos pontos de vista para aqueles que são inatos e corrige ideias depravadas.

31. “Mas suponha”, as pessoas replicam, “que um homem não é possuidor de dogmas sólidos, como o conselho pode ajudá-lo quando é acorrentado por dogmas viciosos?” Nesse caso, com certeza, ele é libertado disso; pois sua disposição natural não foi esmagada, mas superada e mantida baixa. Mesmo assim, continua tentando se levantar de novo, lutando contra as influências que fazem o mal; mas quando ganha apoio e recebe ajuda de preceitos, cresce mais forte, desde que o problema crônico não tenha corrompido ou aniquilado o homem natural. Nesse caso, nem mesmo o treinamento que vem da filosofia, lutando com todas as suas forças, fará a restauração. Que diferença, de fato, há entre os dogmas da filosofia e os preceitos, a menos que seja isso, que os primeiros são gerais e os últimos especiais? Ambos lidam com conselhos, um através do universal, o outro através do particular.

32. Alguns dizem: “Se alguém está familiarizado com dogmas justos e honestos, será supérfluo aconselhá-lo”. De jeito nenhum; pois essa pessoa realmente aprendeu a fazer coisas que deveria fazer; mas não vê com suficiente clareza quais são essas coisas. Pois somos impedidos de realizar ações dignas de louvor, não só por nossas emoções, mas também por falta de prática para descobrir as demandas de uma situação particular. Nossas mentes muitas vezes estão sob um bom controle e, no entanto, estão ao mesmo tempo inativas e inexperientes em encontrar o caminho do dever, e o conselho torna isso claro.

33. Mais uma vez, está escrito: “Retire todas as falsas opiniões relativas ao bem e ao mal, mas substitua-as por opiniões verdadeiras, então o conselho não terá função a executar”. A ordem da alma pode, sem dúvida, ser estabelecida dessa maneira; mas estas não são as únicas maneiras. Pois, embora possamos deduzir por provas apenas o que é o bem e o mal, no entanto, os preceitos têm seu próprio papel. A prudência e a justiça consistem em certos deveres; e os deveres são definidos por preceitos.

34. Além disso, o julgamento quanto ao bem e ao mal se fortalece ao seguir nossos deveres, e os preceitos nos conduzem para esse fim. Pois ambos estão de acordo um com o outro; nem os preceitos podem assumir a liderança, a menos que os deveres os seguirem. Observam sua ordem natural; portanto, os preceitos são claramente os primeiros.

35. “Preceitos”, diz-se “são inúmeros”. Errado de novo! Pois não são inúmeros no que diz respeito a coisas importantes e essenciais. Claro que há pequenas distinções, devido ao tempo, ou ao lugar, ou à pessoa; mas, mesmo nesses casos, existem preceitos que possuem uma aplicação geral.

36. “Ninguém, no entanto”, diz, “cura a loucura por preceitos e, portanto, também não cura a maldade”. Há uma distinção; pois se você livrar um homem de insanidade, ele se torna sano novamente, mas se removemos falsas opiniões, a visão de uma conduta prática não segue imediatamente. Mesmo assim, o conselho irá, no entanto, confirmar a opinião certa sobre o bem e o mal. E também é errado acreditar que os preceitos não são úteis aos loucos. Apesar de por si só serem inúteis, os preceitos são uma ajuda para a cura. Tanto repreensão como castigo dominam um lunático. Note-se que aqui me referi a lunáticos cujo juízo é perturbado, mas não desesperadamente perdido.

37. “Ainda assim”, é objetado, “as leis nem sempre nos fazem fazer o que devemos fazer, e o que mais são leis senão preceitos misturados com ameaças?” Agora, antes de tudo, as leis não persuadem exatamente porque ameaçam; preceitos, no entanto, em vez de coação, corrigem os homens com súplicas. Novamente, as leis amedrontam o homem a não cometer crime, enquanto os preceitos incitam o homem ao seu dever. Além disso, podemos dizer mesmo que as leis favorecem os bons costumes, desde que pretendam não só impor como também instruir.

38. Neste ponto, eu não concordo com Posidônio, que diz: “Não creio que as Leis de Platão deveriam ter os preâmbulos que lhes foram adicionados. Pois uma lei deve ser breve, para que os não iniciados possam compreendê-la com mais facilidade. Deve ser uma voz, por assim dizer, enviada do céu, deve mandar, não debater. Nada me parece mais estúpido ou mais tolo do que uma lei com preâmbulo. Advirta-me, diga-me o que você deseja que eu faça; não estou aprendendo, mas obedecendo.” Mas leis moldadas desta maneira são úteis; por isso você notará que um estado com leis defeituosas terá defeitos morais.

39. “Mas”, diz-se, “não são úteis em todos os casos”. Bem, nem é a filosofia; e, no entanto, a filosofia não é tão ineficaz e inútil no treinamento da alma. Além disso, a filosofia não é a Lei da Vida? Admitamos, se quisermos, que as leis não servem; não é necessariamente verdade que o aconselhamento também não deva servir. Por este motivo, você deve dizer que a consolação não serve, e a advertência, exortação, repreensão e elogio; uma vez que são todos variações de conselhos. É através de tais métodos que chegamos a uma condição perfeita da mente.

40. Nada é mais bem-sucedido em trazer influências honrosas para suportar a mente, ou em endireitar o espírito vacilante que é propenso ao mal, do que a associação com homens bons. Pois a visão frequente, a audição frequente deles pouco a pouco penetra no coração e adquire a força dos preceitos. Somos realmente elevados apenas por conhecer homens sábios; e alguém pode ser ajudado por um grande homem, mesmo quando ele está em silêncio.

41. Eu não poderia facilmente dizer-lhe como isso nos ajuda, embora eu esteja certo do fato de ter recebido ajuda dessa maneira. Fédon[8] diz: “Certos animais pequenos não deixam dor quando nos picam, tão sutil é seu poder, tão enganoso no propósito de danos. A picada é revelada por um inchaço e, mesmo no inchaço, não há ferida visível”. Essa também será sua experiência ao lidar com homens sábios, você não descobrirá como ou quando o benefício vem para você, mas descobrirá que o recebeu.

42. “Qual é o ponto desta observação?” Você pergunta. É, que bons preceitos beneficiarão você tanto quanto bons exemplos. Pitágoras declara que nossas almas experimentam uma mudança quando entramos em um templo e contemplamos as imagens dos deuses face a face e aguardamos as declarações de um oráculo.

43. Além disso, quem pode negar que mesmo os mais inexperientes são efetivamente atingidos pela força de certos preceitos? Por exemplo, por tais provérbios breves, mas importantes como: “Nada em excesso[9]”, “A mente gananciosa não é satisfeita por nenhum ganho”, “Você deve esperar ser tratado pelos outros como você mesmo os tratou[10]. Recebemos um tipo de choque quando ouvimos tais palavras; ninguém pensa em duvidar delas ou em perguntar “Por quê?” Tão fortemente, deveras, a mera verdade, não acompanhada por explicações, nos atrai.

44. Se a reverência reina na alma e reprime o vício, por que o conselho não pode fazer o mesmo? Além disso, se a repreensão dá uma sensação de vergonha, por que o conselho não tem o mesmo poder, mesmo se usa preceitos nus? O conselho que ajuda a sugestão por razão – que acrescenta o motivo de fazer uma coisa determinada e a recompensa que aguarda aquele que realiza e obedece a tais preceitos – é mais efetivo e se instala mais profundamente no coração. Se os comandos são úteis, também é o conselho. Mas se alguém é ajudado por comandos; portanto, também é ajudado por conselhos.

45. A virtude é dividida em duas partes – na contemplação da verdade e na conduta. O treinamento ensina a contemplação, e a admoestação ensina a conduta. E a conduta correta pratica e revela a virtude. Mas se, quando um homem está prestes a agir, ele é ajudado por conselhos, ele também é ajudado pela admoestação. Portanto, se a conduta correta é necessária para a virtude, e se, além disso, a admoestação deixa clara a conduta correta, então a admoestação também é uma coisa indispensável.

46. Há dois fortes apoios para a alma: confiar na verdade e convicção em nós mesmos; ambas são o resultado da admoestação. Pois os homens acreditam nelas, e quando a crença é estabelecida, a alma recebe grande inspiração e fica cheia de confiança. Portanto, a admoestação não é supérflua. Marco Agripa, um homem de grande alma, a única pessoa entre aquelas que as guerras civis levaram à fama e poder cuja prosperidade ajudou o estado, costumava dizer que estava muito endividado com o provérbio: “Harmonia faz crescer as pequenas coisas, a falta de harmonia faz com que as coisas grandes apodreçam”.[11]

47. Ele considerava que havia se tornado o melhor dos irmãos e o melhor dos amigos em virtude desse ditado. E se os provérbios de tal tipo, quando aceitos intimamente pela alma, podem moldar essa mesma alma, por que a seção da filosofia que consiste em tais provérbios não pode gozar de influência igual? A virtude depende em parte do treinamento e, em parte, da prática; você deve aprender primeiro e, em seguida, fortalecer sua aprendizagem por ação. Se isso é verdade, não só as doutrinas da sabedoria nos ajudam, mas também os preceitos, que controlam e banem nossas emoções por meio de uma espécie de decreto oficial.

48. Aríston diz: “A filosofia é dividida em conhecimento e estado de espírito. Pois quem aprendeu e entendeu o que deva fazer e evitar, não é um homem sábio até que sua mente seja metamorfoseada na forma daquilo que ele aprendeu. Este terceiro departamento – o de preceito – é composto de ambos os outros, de dogmas de filosofia e estado de espírito. Portanto, é supérfluo no que diz respeito ao aperfeiçoamento da virtude, as outras duas partes são suficientes para esse propósito”.

49. Sobre essa base, portanto, mesmo a consolação seria supérflua, uma vez que isso também é uma combinação dos outros dois, assim como a exortação, a persuasão e até mesmo a própria prova. Pois a prova também se origina de uma atitude mental bem ordenada e firme. Mas, embora essas coisas resultem de um estado de mente sã, o estado sadio da mente também resulta delas; é, ao mesmo tempo, tanto o criador delas como resultante delas.

50. Além disso, o que você menciona é a meta de um homem já perfeito, de alguém que atingiu o auge da felicidade humana. Mas a obtenção dessas qualidades é lenta, e, entretanto, por questões práticas, o caminho deve ser mostrado em benefício de alguém que ainda esteja longe da perfeição, mas que esteja fazendo progresso. Sabedoria por sua própria força talvez descubra este caminho sem a ajuda da admoestação; pois ela trouxe a alma a um estágio onde esta pode ser impulsionada apenas na direção certa. Os personagens mais fracos, no entanto, precisam de alguém para precedê-los, para dizer: “Evite isso” ou “Faça isso”.

51. Além disso, se alguém aguarda o momento em que possa saber sozinho qual é a melhor linha de ação, algumas às vezes se desviará e, desviando-se, será impedido de chegar ao ponto em que é possível contentar-se consigo próprio. A alma deve, portanto, ser guiada no momento em que está se tornando capaz de se guiar. Os meninos estudam de acordo com a direção. Seus dedos são segurados e guiados por outros para que possam seguir os contornos das letras; Em seguida, eles são obrigados a imitar uma cópia e a alicerçar nela um estilo de caligrafia. Da mesma forma, a mente é ajudada se for ensinada de acordo com a direção.

52. Tais fatos provam que este departamento da filosofia não é supérfluo. A questão em seguida surge se esta parte sozinha é suficiente para tornar os homens sábios. O problema deve ser tratado no devido momento[12]; mas no momento, omitindo todos os argumentos, não é claro que precisamos de alguém a quem possamos invocar como nosso mentor em oposição aos preceitos dos homens em geral?

53. Não há nenhuma palavra que atinja nossos ouvidos sem nos fazer mal; somos feridos tanto por bons desejos quanto por maldições. As orações irritadas de nossos inimigos inculcam medos falsos em nós; e o carinho de nossos amigos nos prejudica por seus desejos gentis. Pois esse carinho nos coloca a tatear por bens que estão distantes, inseguros e vacilantes, quando realmente podemos abrir o depósito de felicidades de casa.

54. Não nos permitimos, eu mantenho, viajar por uma estrada direta. Nossos pais e nossos escravos nos atraem para o errado. Ninguém confina seus erros para si mesmo; as pessoas pulverizam insensatez entre os seus vizinhos, e recebem-na por sua vez. Por esta razão, em um indivíduo, você encontra os vícios das nações, porque a nação os deu ao indivíduo. Cada um, ao corromper os outros, corrompe-se; o indivíduo embebe e, em seguida, transmite, a maldade, o resultado é uma grande massa de maldade, porque o pior em cada pessoa separada é concentrado em uma massa.

55. Devemos, portanto, ter um guardião, por assim dizer, para nos puxar continuamente pelo ouvido e dissipar rumores e protestar contra entusiasmos populares. Pois você está enganado se supor que nossas falhas são inatas em nós; elas vieram de fora, foram empilhadas sobre nós. Por isso, ao receber admoestações frequentes, podemos rejeitar as opiniões que retinam sobre nossos ouvidos.

56. A natureza não nos predestinou para nenhum vício; ela nos produziu em saúde e liberdade. Ela não colocou diante de nossos olhos nenhum objeto que pudesse atiçar em nós a coceira da ganância. Ela colocou ouro e prata debaixo de nossos pés, e ordenou que os pés pisoteassem e esmagassem tudo o que nos pisa e esmaga. A natureza elevou nosso olhar para o céu e desejou que quiséssemos olhar para cima para contemplar suas obras gloriosas e maravilhosas. Ela nos deu o nascente e o pôr-do-sol, o curso giratório do mundo apressado que revela as coisas da terra ao dia e os corpos celestes de noite, os movimentos das estrelas, que são lentos se você os compara com o universo, mas mais rápido se você refletir sobre o tamanho das órbitas que descrevem com velocidade; ela nos mostrou os sucessivos eclipses do sol e da lua, e outros fenômenos, maravilhosos porque ocorrem regularmente ou porque, por causas súbitas, eles ajudam a ver – como trilhas noturnas de fogo, ou relâmpagos no céu aberto não acompanhado pelo som de Trovões, ou colunas e as traves dos vários fenômenos de luzes.

57. Ela ordenou que todos esses corpos deveriam prosseguir acima de nossas cabeças; mas ouro e prata, com o ferro que, devido ao ouro e à prata, nunca traz a paz, ela escondeu, como se fossem coisas perigosas para confiar à nossa guarda. Somos nós mesmos que os arrastamos para a luz do dia, para que possamos lutar por eles; somos nós mesmos que, cavoucando a terra inferior, extraímos as causas e ferramentas de nossa própria destruição; somos nós mesmos que atribuímos nossas próprias faltas à Fortuna e não coramos ao considerar como os mais elevados objetos aqueles que uma vez se encontravam nas profundezas da Terra.

58. Você deseja saber quão falso é o brilho que engana seus olhos? Na verdade, não há nada mais imundo ou mais envolvido na escuridão do que essas coisas da terra, afundadas e cobertas há tanto tempo na lama onde elas pertencem. É claro que elas são sujas; elas foram transportadas por um longo e sombrio poço de mina. Não há nada mais feio que esses metais durante o processo de refinamento e separação do minério. Além disso, assista os próprios operários que devem lidar e peneirar a árida categoria de sujeira, o tipo que vem do fundo; veja como besuntados de fuligem eles são!

59. E, no entanto, as coisas que eles lidam poluem a alma mais do que o corpo, e há mais impureza no dono da mina do que no trabalhador. Portanto, é indispensável que sejamos admoestados, que tenhamos algum defensor com mente reta e, em meio a todos os tumultos e sons discordantes da falsidade, ouçamos apenas uma voz. Mas qual voz será essa? Certamente, uma voz que, em meio a todo o tumulto da busca de si mesmo, sussurra palavras saudáveis na orelha ensurdecida, dizendo:

60. Você não precisa ter inveja daqueles a quem as pessoas chamam de grandioso e afortunado, os aplausos não precisam perturbar sua atitude serena e sua sanidade mental, você não precisa se sentir enojado com seu espírito calmo porque você vê um grande homem vestido de púrpura, protegido pelos conhecidos símbolos de autoridade, você não precisa julgar o magistrado para quem o caminho é aberto como sendo mais feliz do que você, a quem o funcionário dele empurra da estrada. Se você exerce uma atividade lucrativa para si mesmo, e prejudicial a ninguém, limpe suas próprias falhas do caminho.

61. Há muitos que atearam fogo às cidades, que atacaram guarnições que permaneceram inexpugnáveis por gerações e seguras por várias eras, que criam montes tão altos como as paredes que são sitiando, que com aríetes e catapultas destroem torres que foram criadas em uma altura maravilhosa. Há muitos que podem enviar suas colunas à frente e pressionar destrutivamente sobre a parte de trás do inimigo, que pode alcançar o Grande Mar gotejando com o sangue das nações; mas mesmo esses homens, antes que pudessem conquistar seu inimigo, foram conquistados por sua própria ganância. Ninguém suportou seu ataque; mas eles mesmos não podiam suportar o desejo de poder e o impulso à crueldade; no momento em que pareciam estar perseguindo outros, eles próprios estavam sendo perseguidos.

62. Alexandre foi perseguido ao infortúnio e despachado para países desconhecidos por um desejo louco de destruir o território de outros homens. Você acredita que o homem estava em seus sentidos tanto que começou pela Grécia a devastação, a terra onde ele recebeu sua educação? Aquele que arrancou o mais caro tesouro de cada nação, exigindo que os espartanos fossem escravos, e que os atenienses ficassem quietos? Não contente com a ruína de todos os estados que Filepe havia conquistado ou subornado a escravidão, derrubou várias comunas em diversos lugares e carregou suas armas em todo o mundo; sua crueldade estava cansada, mas nunca cessou – como uma besta selvagem que rasga em pedaços mais do que sua fome demanda.

63. Ele juntou muitos reinos em um único reino; gregos e persas temem o mesmo senhor; as nações que Dário tinha deixado livre se submeteram ao jugo: ainda assim ele passa além do oceano e do sol, julgando vergonhoso que ele desvie seu curso de vitória dos caminhos que Hercules e Baco haviam pisado; ele ameaça a própria violência da natureza. Ele não deseja ir; mas ele não pode ficar; ele é como um peso que cai de cabeça, seu percurso acaba apenas quando chega ao chão.

64. Não foi virtude ou razão que persuadiu Cneu Pompeu a participar de guerras estrangeiras e civis; era o desejo louco de sua glória irreal. Ora ele atacava a Hispânia e a facção de Sertório; depois se retirava para acorrentar os piratas e subjugar os mares. Estas eram apenas desculpas e pretextos para ampliar seu poder.

65. O que o atraiu para a África, para o Norte, contra Mitrídates, para a Armênia e todos os cantos da Ásia? Certamente era o desejo ilimitado de poder; pois apenas em seus próprios olhos ainda não era suficientemente grande. E o que levou Júlio César à destruição combinada de si mesmo e do estado? Fama, egoísmo, e a definição de nenhum limite para a primazia sobre todos os outros homens. Ele não podia permitir que uma única pessoa o ultrapassasse, embora o estado permitisse que dois homens ficassem à cabeça.

66. Você acha que Caio Mario, que já foi cônsul (ele recebeu este cago em uma ocasião, e o roubou em todas as outras) cortejou todos os seus perigos por inspiração da virtude quando matava os Teutos e os Cimbros, e perseguindo Jugurta através das regiões selvagens da África? Mario comandou exércitos, mas quem comandava Mário era a ambição.

67. Quando homens como esses estavam perturbando o mundo, eram eles mesmos perturbados – como os ciclones que turbilhonam o que tomaram, mas que primeiro se turbilhonam a sim mesmos e podem por isso se atirar com toda a força, totalmente sem controle; portanto, depois de causar tal destruição para os outros, eles sentem em seu próprio corpo a força ruinosa que lhes permitiu causar estragos para muitos. Não pense que alguém pode ser feliz à custa da infelicidade dos outros.

68. Devemos desvendar todos os casos que são forçados diante de nossos olhos e amontoados em nossos ouvidos; devemos limpar nossos corações, pois eles estão cheios de conversa maligna. A virtude deve ser conduzida no lugar que estas ocuparam, – uma espécie de virtude que pode erradicar a falsidade e as doutrinas que transgridam a verdade, ou possa nos separar da multidão, na qual confiamos demais e possa nos restaurar para a fruição de opiniões sólidas. Pois esta é a sabedoria – um retorno à Natureza e uma restauração à condição a qual os erros do homem nos conduziram.

69. É uma grande parte da saúde ter abandonado os conselheiros da loucura e ter fugido para longe de uma companhia que é mutuamente prejudicial. Para que você possa conhecer a verdade da minha observação, veja como é diferente a vida de cada indivíduo perante o público daquela de seu eu interior. Uma vida tranquila não dá, por si só, lições de conduta correta; o campo não ensina uma vida simples; não, mas quando testemunhas e espectadores são removidos, as falhas que amadurecem em público calam fundo.

70. Quem veste o manto púrpura para exibi-lo aos olhos de ninguém? Quem usa peitoral de ouro quando janta sozinho? Quem, enquanto se deita sob a sombra de uma árvore do campo, mostra na solidão o esplendor de seu luxo? Ninguém se torna elegante apenas para sua própria visão, ou mesmo para a admiração de alguns amigos ou parentes. Em vez disso, ele espalha seus vícios bem providos em proporção ao tamanho da multidão admiradora.

71. É assim: claquistas e testemunhas são agentes irritantes de todas as nossas fraquezas. Você pode nos fazer cessar de desejar, se apenas nos faz deixar de nos exibir. A ambição, o luxo e o capricho precisam de um palco para agir; você vai curar todos esses males se você procurar o isolamento.

72. Portanto, se a nossa morada estiver situada no meio de uma cidade, deve haver um conselheiro que esteja perto de nós. Quando os homens louvam grandes rendas, ele deve louvar a pessoa que pode ser rica com um patrimônio pequeno e que meça sua riqueza pelo uso que faz dela. Em face daqueles que glorificam a influência e o poder, deve, por sua própria vontade, recomendar um tempo dedicado ao estudo, e uma alma que abandonou o externo e se encontrou.

73. Ele deve apontar pessoas, felizes na estimativa popular, que cambaleiam em suas invejadas alturas de poder, mas que estão consternadas e mantêm uma opinião muito diferente de si do que os outros detêm. O que outros acreditam ser elevado, é para eles um precipício completo. Por isso, eles estão assustados e agitados sempre que olham para baixo o abrupto íngreme de sua grandeza. Pois eles refletem que existem várias maneiras de cair e que o ponto mais alto é o mais escorregadio.

74. Então eles temem aquilo para o qual se esforçaram, e a boa fortuna que os fez importantes aos olhos dos outros pesa mais sobre si mesmos. Então eles louvam o lazer banal e independência; eles odeiam o glamour e tentam escapar enquanto suas fortunas ainda não são prejudicadas. Então, finalmente, você pode vê-los estudando filosofia em meio ao seu medo, e caçando conselhos de qualidade quando suas fortunas dão errado. Por estas duas coisas estão, por assim dizer, em polos opostos – boa fortuna e bom senso; é por isso que somos mais sábios quando estamos em meio à adversidade. É a prosperidade que nos afasta do caminho íntegro.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.


[1] Isto é a praecepta, a moral prática, que ministra conselhos, por oposição à moral teórica que estabelece os princípios básicos, decreta.

[2] Aríston de Quios (em grego: Ἀρίστων ὁ Χίος; fl. c. 260 a.C.) foi discípulo de Zenão. Esboçou um sistema de filosofia estoica que esteve, em muitos aspectos, mais próximo da anterior filosofia cínica.

[3] Humorismo, ou humoralismo, foi uma teoria sobre a constituição e funcionamento do corpo humano adotada pelos médicos e filósofos gregos e romanos. Essencialmente, essa teoria afirmava que o corpo humano era preenchido com quatro substâncias básicas, chamadas de os quatro humores, ou humores, o quais estão balanceados quando a pessoa está saudável. Todas as doenças e inaptidões resultavam do excesso ou da deficiência de um desses quatro humores. Os quatro humores eram identificados como bílis negra, bílis amarela, fleuma e sangue. Os gregos e os romanos, e os estabelecimentos médicos posteriores da Europa Ocidental que adotavam e adaptavam a filosofia médica clássica, acreditavam que cada um desses humores poderia aumentar e diminuir no corpo, dependendo da dieta e da atividade.

[4] G. Licínio Calvo, orador e poeta contemporâneo de César e Cícero, amigo íntimo de Catulo, célebre sobretudo pelos seus discursos contra Vatínio (cf. Catulo 53), ainda lidos e admirados no tempo Tácito e Plínio. Utilizou uma oratória tão refinada que, no julgamento de Vatínio, foi interrompido no meio do discurso por uma frase: “Jurados, pergunto-lhes se irão condenar o suspeito simplesmente pela eloquência do acusador!

[5] Públio Vatínio foi um político da gente Vatínia da República Romana eleito cônsul em 47 a.C.. Depois de terminado seu mandato, Vatínio foi acusado formalmente por Caio Livínio Calvo de aceitar subornos.

[6]Moeda referida também no Novo Testamento (Lucas 12:6) que tem o valor de 1/16 de denário. Quantia insignificante, coisa de pequeno valor.

[7] Texto de Publílio Síro

[8]Provavelmente referência a Fédon de Élis, um filósofo grego. Fédon era nativo de Élis, tendo sido capturado em guerra e vendido como escravo. Veio posteriormente a entrar em contato com Sócrates em Atenas, tendo este o libertado da escravatura.  Mais tarde, regressou a Élis, fundando uma escola filosófica, a Escola de Élis.

[9] Sentença oracular, como as citadas anteriormente.

[10] Frases de Publílio Siro

[11] Frase de Salústio

[12] Esse problema, a saber, se a parenética, ou preceptística, é por si só suficiente para a formação do sábio, está discutido na carta XCV, a próxima.

Carta 90: Sobre o papel da Filosofia no Progresso do Homem

Na intrigante carta 90, Sêneca aborda as origens da humanidade e o papel da filosofia no progresso humano. Vemos que, em sua visão, a humanidade regrediu ao valorizar o luxo e conforto corporal deixando para trás o desenvolvimento espiritual intelectual.

Expõe suas divergências com o filósofo Posidônio e defende o princípio estoico viver de acordo com a natureza, onde explica detalhadamente o significado deste conceito e afirmando que nos primórdios da humanidade isso era praticado:

Sêneca diz:

  • os homens deixam de possuir todas as coisas da natureza no momento em que desejam coisas particulares para si próprios. (XC,3)
  • Qualquer dádiva que a natureza produzia, os homens obtinham tanto prazer em revelá-la a outro como em tê-la descoberto. Não era possível para nenhum homem superar a outro ou ficar atrás dele; tudo o que havia, era dividido entre os amigos sem discussão. O mais forte ainda não havia começado a colocar as mãos sobre os mais fracos; ainda não havia o avarento, escondendo o que estava diante dele, afastando seu vizinho das necessidades da vida; cada um se importava tanto com o próximo quanto com sigo mesmo. (XC, 40)

Estaria Sêneca defendendo o socialismo?

Sêneca está sugerindo que o capitalismo é maligno e que todos deveriam adotar o socialismo? Eu diria “não“. Sêneca reconheceu que esta idílica “Era de Ouro” existiu até que a ganância tomou conta. Ele afirma que porque a ganância entrou na civilização com tanta força, nunca poderemos voltar a como as coisas eram.

Em teoria, a maioria dos sistemas econômicos parecem ser grandes “soluções” para os problemas da sociedade – mas o problema é que a ganância humana acaba corrompendo qualquer um desses sistemas, de modo que eles nunca se revelam tão bons na prática como no papel. Sêneca parece até mesmo dizer que é uma causa perdida tentar voltar a esse modo de vida original:

“… por mais que a vida dos homens daquela época fosse excelente e sem censura, eles não eram homens sábios; pois esse título está reservado para a maior conquista. … Pois a natureza não concede virtude; é uma arte tornar-se bom.” (XC, 44)

O luxo não está realmente ajudando muito nosso mundo físico, mas parece estar prejudicando nossas mentes e nosso senso de moral mais do que imaginamos.

(Imagem: Os romanos em sua decadência por Thomas Couture)


XC. Sobre o papel da Filosofia no Progresso do Homem

Saudações de Sêneca a Lucílio.

1. Quem pode duvidar, meu querido Lucílio, que a vida é a dádiva dos deuses imortais, mas que viver bem é a dádiva da filosofia? Daí a ideia de que nossa dívida com a filosofia é maior do que a nossa dívida com os deuses, na medida em que uma boa vida é mais benéfica do que a mera vida, não fosse a própria filosofia é uma benção que os deuses nos deram. Eles não deram seu conhecimento a ninguém, mas a faculdade de adquiri-lo foi dada a todos.

2. Pois, se tivessem feito a filosofia também um bem geral, e se nós tivéssemos o conhecimento desde nosso nascimento, a sabedoria perderia seu melhor atributo: não ser um dos presentes da Fortuna. Pois, a característica preciosa e nobre da sabedoria é que ela não tenta nos encontrar, que cada um precisa se endividar por ela, e que não a buscamos nas mãos dos outros. O que haveria de digno na filosofia, se ela fosse uma coisa que viesse por doação?

3. Sua única tarefa é descobrir a verdade sobre coisas divinas e coisas humanas. Do seu lado, a religião nunca se afasta, nem o dever, nem a justiça, nem toda a companhia de virtudes que se apegam em comunhão. A filosofia nos ensinou a adorar o que é divino, a amar o que é humano; ela nos disse que com os deuses há autoridade e entre os homens, a camaradagem. Esta camaradagem permaneceu intocada por um longo tempo, até que a avareza rasgou a comunidade e se tornou a causa da pobreza, mesmo no caso daqueles que ela mesma havia enriquecido. Pois os homens deixam de possuir todas as coisas da natureza no momento em que desejam coisas particulares para si próprios.

4. Mas os primeiros humanos e aqueles que surgiram deles, ainda intactos, seguiram a natureza, tendo um homem como seu líder e sua lei, confiando-se ao controle de alguém melhor do que eles. Pois a natureza tem o hábito de sujeitar os mais fracos ao mais forte. Mesmo entre os animais brutos, aqueles que são maiores ou mais ferozes dominam. Não é um touro fraco que lidera o rebanho; é aquele que venceu os outros machos por seu poder e músculos. No caso dos elefantes, o mais alto é o primeiro; entre os homens, o melhor é considerado o superior. É por isso que é pela mente que um governante é designado; e por essa razão a maior felicidade recai sobre aqueles povos entre os quais um homem não pode ser o mais poderoso, a menos que seja o melhor. Pois este homem pode cumprir com segurança o que ele quer, já que pensa que não pode fazer nada exceto o que deva fazer.

5. Por conseguinte, naquela idade que é considerada como a idade de ouro, Posidônio sustenta que o governo estava sob a jurisdição do sábio. Eles mantiveram suas mãos sob controle e protegiam o mais fraco do mais forte. Eles deram conselhos, tanto para fazer quanto para não fazer; eles mostraram o que era útil e o que era inútil. Sua previdência, que a seus súditos nada faltasse; sua bravura afastou os perigos; sua bondade enriqueceu e adornou seus súditos. Pois o governo deles era um serviço, não um exercício de realeza. Nenhum governante pôs à prova seu poder contra aqueles a quem devia o início de seu poder; e ninguém tinha a inclinação, ou a desculpa, para fazer o mal, já que o governante governava bem e o súdito obedecia bem, e o rei não poderia proferir nenhuma ameaça maior contra um súdito desobediente do que seu banimento do reino.

6. Mas, uma vez que o vício foi introduzido e os reinados se transformaram em tiranias, surgiu a necessidade de leis e essas mesmas leis foram, por sua vez, moldadas pelos sábios. Sólon[1], que estabeleceu Atenas em bases firmes por leis justas, foi um dos sete homens[2] reconhecidos por sua sabedoria. Se Licurgo[3] vivesse no mesmo período, um oitavo teria sido adicionado a esse sagrado número sete. As leis de Zaleuco[4] e Carondas são louvadas; não estava no fórum ou nos escritórios de conselheiros qualificados, mas no silencioso e santo retiro de Pitágoras, que esses dois homens aprenderam os princípios de justiça que deveriam estabelecer na Sicília (que na época era próspera) e ao longo de toda Itália grega.

7. Até este ponto, concordo com Posidônio; mas que essa filosofia descobriu as artes úteis à vida em sua ronda diária eu me recuso a admitir. Também não atribuo a ela uma glória de artesão. Posidônio diz: “Quando os homens estavam espalhados pela terra, protegidos pelas cavernas ou pelo abrigo escavado em um penhasco ou pelo tronco de uma árvore oca, foi a filosofia que os ensinou a construir casas”. Mas eu, por minha parte, não considero que essa filosofia concebeu essas habitações astutamente inventadas que se levantam a andar sobre andar, onde as multidões da cidade se apinham, não mais do que tenha inventado as conservas de peixe, que são preparadas com o propósito de poupar a gula dos homens de ter que correr o risco de tempestades, e para que, por mais que o mar esteja furioso, o luxo possa ter seus portos seguros para engordar raças extravagantes de peixe.

8. O que! Foi filosofia que ensinou o uso de chaves e fechaduras? Não, o que foi, exceto dar uma dica para a avareza? Foi a filosofia que construiu todos esses edifícios altos, tão perigosos para as pessoas que habitam neles? Não seria suficiente para o homem proporcionar-se um teto de qualquer possibilidade de cobertura e inventar para si algum retiro natural sem a ajuda da arte e sem problemas? Acredite, essa era uma época feliz, antes dos dias dos arquitetos, antes dos dias dos construtores!

9. Todo esse tipo de coisa nasceu quando o luxo nasceu – essa questão de cortar madeira e criar uma viga com mão inflexível enquanto a serra passa pela linha marcada.

O homem primitivo com cunhas dividiu sua madeira branda.Nam primi cuneis scindebant fissile lignum.[5]

Porque eles não estavam preparando um telhado para um futuro salão de banquete; nem para tal uso, eles carregavam os pinheiros ou os abetos ao longo das ruas trêmulas com uma longa fileira de carroças – apenas para pendurar sobre eles tetos com painéis pesados de ouro.

10. Os mastros bifurcados erguidos em ambas as extremidades apoiam suas casas. Com ramos fechados e com folhas amontoadas e inclinadas, eles conseguiam uma drenagem para as chuvas mais pesadas. Sob essas moradias, moravam, mas moravam em paz. Um telhado de palha cobria um homem livre; sob o mármore e o ouro habita a escravidão.

11. Em outro ponto também eu discordo de Posidônio, quando ele sustenta que ferramentas mecânicas são a invenção dos homens sábios. Pois nessa base, pode-se sustentar que esses eram sábios que ensinavam as artes:

de colocação de armadilhas para caça e galhos de arapuca para os pássaros, e encerrando de matilhas os vales.Tunc laqueis captare feras et fallere visco Inventum et magnos canibus circumdare saltus.[6]

Foi a engenhosidade do homem, não sua sabedoria, que descobriu todos esses dispositivos.

12. E eu também me distancio dele quando diz que homens sábios descobriram nossas minas de ferro e cobre, “quando a terra, queimada por incêndios florestais, derreteu as veias de minério que se encontravam perto da superfície e provocavam o jorro do metal.” Não, o tipo de homem que descobre essas coisas é o tipo de homem que está ocupado com elas.

13. Também não considero essa questão tão sutil quanto Posidônio pensa, ou seja, se o martelo ou a tenaz foi a primeira a entrar em uso. Ambos foram inventados por algum homem cuja mente era ágil e afiada, mas não grande ou elevada; e o mesmo vale para qualquer outra descoberta que só pode ser feita por meio de um corpo curvado e de uma mente cujo olhar está no chão. O homem sábio era simples em sua maneira de viver. E porque não? Mesmo em nossos tempos, ele prefere ser o mais desimpedido possível.

14. Como, pergunto, você pode admirar tanto Diógenes[7] quanto Dédalo[8]? Qual desses dois parece ser um homem sábio – aquele que inventou a serra, ou aquele que, ao ver um menino beber água do oco de sua mão, imediatamente tirou o copo da carteira e quebrou-o, repreendendo-se com estas palavras: “Louco que eu sou, ter transportado bagagem supérflua todo esse tempo!” E então enrolou-se em seu barril e deitou-se para dormir?

15. Nestes nossos tempos, qual homem, lhe pergunto, julga o mais sábio – aquele que inventa um processo para pulverizar perfumes de açafrão a uma altura tremenda por tubos escondidos, que preenche ou esvazia canais por uma súbita onda de águas, quem constrói tão habilmente uma sala de jantar com um teto de painéis móveis que apresenta um padrão após o outro, o telhado mudando tão frequentemente quanto os pratos, ou aquele que prova aos outros, bem como a si mesmo, que a natureza colocou sobre nós nenhuma lei severa e difícil quando ela nos diz que podemos viver sem o cortador de mármore e o engenheiro, que podemos nos vestir sem o uso de tecidos de seda, que podemos ter tudo o que é indispensável para o nosso uso, desde que nós apenas estejamos contentes com o que a Terra colocou em sua superfície? Se a humanidade estivesse disposta a ouvir esse sábio, ela saberia que o cozinheiro é tão supérfluo quanto o soldado.

16. Aqueles eram sábios, ou pelo menos como os sábios, que descobriram que o cuidado do corpo um problema fácil de resolver. As coisas indispensáveis não exigem esforços elaborados para a aquisição; são apenas os luxos que exigem trabalho. Siga a natureza, e você não precisará de artesãos qualificados. A natureza não queria que fôssemos “especialistas”. Pois para tudo o que coagiu contra nós, ela nos equipou. “Mas o frio não pode ser suportado pelo corpo nu”. O que então? Não há peles de feras selvagens e outros animais, que podem nos proteger bem o suficiente, e mais do que o suficiente, do frio? Muitas tribos não cobrem seus corpos com a casca de árvores? Não são as penas de pássaros costuradas para servir roupas? Mesmo hoje, não existe uma grande porção da tribo Cítia em peles de raposas e camundongos, macia ao toque e impermeável aos ventos?

17. “Por tudo isso, os homens devem ter uma proteção mais espessa do que a pele, para evitar o calor do sol no verão”. O que então? A antiguidade não produziu muitos refúgios que, criados pela erosão pelo tempo ou por qualquer outra ocorrência, abriu em cavernas? O que então? Os antigos não pegaram galhos e os teceram à mão em tapetes de vime, esfregando-os com lama comum e, em seguida, com restolho e outras gramas selvagens construíram um telhado, e assim passavam seus invernos seguros, as chuvas escoadas por meio de espigões inclinados? O que então? Os povos que estão à beira do golfo de Sirte não habitam em casas escavadas e, de fato, todas as tribos que, por causa do brilho feroz do sol, não possuem proteção suficiente para evitar o calor, exceto o próprio solo ressequido?

18. A natureza não foi tão hostil ao homem que, quando deu a todos os outros animais um papel fácil na vida, tornou impossível para ele sozinho viver sem todos esses artifícios. Nada disso foi imposto por ela; nenhum deles deve ser buscado com dificuldade para que nossas vidas pudessem ser prolongadas. Todas as coisas estão prontas para nós no nosso nascimento; somos nós que tornamos tudo difícil para nós mesmos, através do nosso desdém pelo que é fácil. Casas, abrigo, conforto material, comida e tudo o que agora se tornou a fonte de grandes problemas, estavam prontos, livres de tudo e alcançáveis por pequeno esforço. Pois o limite em todos os lugares corresponde à necessidade; somos nós que fizemos todas essas coisas valiosas, nós que as fizemos admiráveis, nós que as fizemos ser procuradas por dispositivos extensivos e múltiplos.

19. A natureza é suficiente para o que exige. O luxo virou as costas para a natureza; cada dia ele se expande, em todas as épocas ele vem acumulando força e por sua sagacidade promovendo os vícios. No início, o luxo começou a cobiçar o que a natureza considerava supérfluo, então, o que era contrário à natureza; E, finalmente, fez da alma um fiador ao corpo, e pediu que fosse uma escrava total das luxúrias do corpo. Todas essas astúcias pelas quais a cidade é patrulhada – ou devo dizer mantida em tumulto – estão envolvidas no negócio do corpo; há tempo todas as coisas eram oferecidas ao corpo tanto quanto a um escravo, mas agora elas são preparadas para o corpo como para um soberano. Consequentemente, daí vieram as oficinas das tecelãs e dos carpinteiros; daí o saboroso cheiro dos cozinheiros profissionais; daí a despreocupação daqueles que ensinam danças sensuais e cantos lascivos e afetados. Pois essa moderação que a natureza prescreve, que limita nossos desejos por recursos restritos a nossas necessidades, abandonou o campo; agora chegou a isso – querer apenas o que é suficiente é um sinal de grosseria e de absoluta pobreza.

20. É difícil de acreditar, meu querido Lucílio, com que facilidade o encanto da eloquência cativa, mesmo grandes homens, para longe da verdade. Tomemos, por exemplo, Posidônio – que, na minha opinião, é do time daqueles que mais contribuíram para a filosofia – quando deseja descrever a arte de tecer. Ele diz como, primeiro, alguns fios são torcidos e alguns tirados da suave e frouxa massa de lã; Em seguida, como a urdidura[9] vertical mantém os fios esticados por meio de pesos pendurados; Então, como a linha inserida da estrutura, que suaviza a textura dura da teia que a segura de cada lado, é forçada pelo batente para fazer uma união compacta com a urdidura. Ele sustenta que mesmo a arte do tecelão foi descoberta por homens sábios, esquecendo que a arte mais complicada que ele descreveu foi inventada nos últimos dias – a arte em que

A trama é presa a moldura; distante agora O pente separa a urdidura. Entre as fibras é atirada a textura pelas lançadeiras carregadas; Os dentes bem entalhados do pente largo, em seguida conduzem.Tela iugo vincta est, stamen secernit harundo, Inseritur medium radiis subtemen acutis, Quod lato paviunt insecti pectine dentes.[10]

Suponhamos ter tido a oportunidade de ver o tear do nosso próprio dia, o que produz as vestes que não esconderão nada, a roupa que proporciona – não vou dizer nenhuma proteção ao corpo, mas nem mesmo a modéstia!

21. Posidônio passa para o fazendeiro. Com menos eloquência, ele descreve o solo que é revolvido e cruzado novamente pelo arado, para que a terra, assim afrouxada, possa permitir um desenvolvimento mais livre das raízes; então a semente é espalhada, e as ervas daninhas arrancam à mão, para que nenhum crescimento casual ou planta selvagem desenvolva e estrague a cultura. Este ofício também, ele declara, é a criação do sábio – como se os cultivadores do solo não estivessem neste momento, descobrindo inúmeros novos métodos para aumentar a fertilidade do solo!

22. Além disso, não limitando sua atenção a essas artes, ele até degrada o homem sábio enviando-o para o moinho. Pois ele nos diz como o sábio, ao imitar os processos da natureza, começou a fazer pão. “O grão”, diz ele, “uma vez que é levado na boca, é esmagado pelos dentes íngremes, que se encontram em um encontro hostil, e qualquer que seja o grão que deslize na língua volta para os mesmos dentes. Então é misturado em uma massa, para que possa mais facilmente passar pela garganta escorregadia. Quando isso chega ao estômago, é digerido pelo calor uniforme do estômago, então, e só então, é assimilado pelo corpo”.

23. Seguindo esse padrão, ele continua, “alguém colocou duas pedras ásperas, uma sobre a outra, imitando os dentes, um dos quais está parado e aguarda o movimento do outro conjunto. Então, ao esfregar a pedra uma contra a outra, o grão é esmagado e trazido de volta uma e outra vez, até por fricção frequentemente é reduzido a pó. Então este homem polvilhou o repasto com água, e com a manipulação contínua subjugou a massa e moldou o pão. Esta lâmina foi, no início, cozida por cinzas quentes ou por um vaso de barro em brasa; mais tarde, fornos foram gradualmente descobertos e os outros dispositivos cujo calor presta obediência à vontade do sábio”. Posidônio chegou muito perto de declarar que mesmo o ofício do sapateiro era a descoberta do homem sábio.

24. A razão, de fato, inventou todas essas coisas, mas não era razão correta. Foi o homem, mas não o sábio, que as descobriu; Assim como eles inventaram navios, nos quais atravessamos rios e mares – navios equipados com velas com a finalidade de pegar a força dos ventos, navios com lemes adicionados na popa para girar o curso do navio em uma direção ou outra. O modelo seguido foi o peixe, que se dirige por sua cauda, e por seu menor movimento desse ou daquele lado desvia seu curso rapidamente.

25. “Mas”, diz Posidônio, “o homem sábio realmente descobriu todas essas coisas, mas elas eram muito insignificantes para que ele próprio lidasse, e ele as confiou a seus mais desprezíveis assistentes”. Não foi assim; estas invenções iniciais não foram pensadas por nenhuma outra classe de homens senão aqueles que as têm sob comando hoje. Sabemos que certos dispositivos surgiram apenas em nossa própria memória – como o uso de janelas que admitem a luz através de telhas transparentes e, como os banhos instalados em estufas, com canos em suas paredes para difundir o calor que mantém a uma temperatura uniforme seus mais baixos, bem como seus mais altos espaços. Por que preciso mencionar o mármore com o qual nossos templos e nossas casas particulares são resplandecentes? Ou as massas arredondadas e polidas de pedra pelo qual erguemos colunatas e edifícios espaçosos o suficiente para multidões? Ou nossos sinais para palavras inteiras[11], que nos permite anotar um discurso, por mais rapidamente pronunciado, combinando a velocidade da língua com a velocidade da mão? Todo esse tipo de coisa foi planejado pela mais vil categoria de escravos.

26. O lugar da sabedoria é mais alto; ela não treina as mãos, mas é a amante das nossas mentes. Você saberia o que a sabedoria trouxe à luz, o que ela realizou? Não são as poses graciosas do corpo, nem as variadas notas produzidas por corneta e flauta, por qual a respiração é recebida e, à medida que vaza ou passa, é transformada em voz. Não é sabedoria que inventa armas, erguer muralhas ou instrumentos úteis à guerra; a voz dela é para a paz, e ela convoca toda a humanidade para a concórdia.

27. Não é ela, eu mantenho, quem é a artesã de nossos instrumentos indispensáveis ao uso diário. Por que você atribui a ela coisas insignificantes? Você vê nela a especialista em artesanato da vida. As outras artes, é verdade, a sabedoria tem sob seu controle; pois aquele a quem vida serve é servido também pelas coisas que equipam a vida. Mas o curso da sabedoria é para o estado de felicidade; de lá ela nos guia, e abre o caminho para nós.

28. Ela nos mostra quais coisas são do mal e o que é aparentemente mau; ela tira nossas mentes de ilusão vã. Ela nos confere uma grandeza que é substancial, mas ela reprime a grandeza que é orgulhosa, e que é vistosa, mas cheia de vazio; e ela não nos permite ignorar a diferença entre o que é ótimo e o que é nada, senão inchado; além disso, ela nos entrega o conhecimento de toda a natureza e de sua própria natureza. Ela nos revela o que são os deuses e de que qualidade eles são; quais são os deuses inferiores, as divindades domésticas e os espíritos protetores; quais são as almas que foram dotadas de vida duradoura e foram admitidas na segunda classe de divindades, onde é a sua morada e quais são suas atividades, poderes e vontade. Tais são os ritos de iniciação da sabedoria, por meio dos quais é destrancado, não um santuário de aldeia, mas o vasto templo de todos os deuses – o próprio universo, cujas aparições verdadeiras e aspectos verdadeiros ela oferece ao olhar de nossas mentes, já que nossa visão não alcança um tão grandioso espetáculo!

29. Então ela volta ao começo das coisas, à razão eterna que foi transmitida ao todo, e à força que é inerente a todas as sementes das coisas, dando-lhes o poder de modelar cada coisa de acordo com seu tipo. Então a sabedoria começa a indagar sobre a alma, de onde ela vem, onde ela habita, quanto tempo ela permanece, quantas divisões ela tem. Finalmente, ela volta sua atenção do corpóreo para o incorpóreo, e examina de perto a verdade e as marcas pelas quais a verdade é conhecida, investigando o seguinte, como aquilo que é ambíguo pode ser distinguido da verdade, seja na vida ou na linguagem; pois ambos são elementos do falso misturado com o verdadeiro.

30. É minha opinião que o homem sábio não se retirou, como Posidônio pensa, das artes que estávamos discutindo, mas que ele nunca as tomou. Pois ele teria julgado que nada vale a pena descobrir que não julgasse valer a pena sempre usar. Ele não aceitaria hoje coisas que devessem ser descartadas amanhã.

31. “Mas Anacársis[12]“, diz Posidônio, “inventou a roda do oleiro, cujo turbilhão dá forma aos vasos”. Então, como a roda do oleiro é mencionada por Homero, as pessoas preferem acreditar que os versos de Homero são falsos e não a história de Posidônio! Mas eu sustento que Anacársis não foi o criador desta roda; e mesmo que ele fosse, embora fosse um homem sábio quando o inventou, ainda assim ele não inventou isso como “homem sábio” – assim como há muitas coisas que os homens sábios fazem como homens e não como homens sábios. Suponhamos, por exemplo, que um homem sábio seja muito rápido nos pés; ele superará todos os corredores da competição em virtude de ser ligeiro, não em virtude de sua sabedoria. Gostaria de mostrar a Posidônio um soprador de vidro que, por sua respiração, molda o copo em múltiplas formas que mal poderiam ser feitas pela mão mais hábil. Mais que isso, essas descobertas foram feitas desde que nós os homens deixamos de descobrir a sabedoria.

32. Mas Posidônio novamente observa. “Dizem que Demócrito descobriu o arco de abóboda[13], cujo efeito foi que a linha curva de pedras, que gradualmente se inclinam uma para a outra, é unida pela pedra angular”. Estou disposto a pronunciar esta declaração falsa. Pois deveria haver, antes de Demócrito, pontes e portais em que a curvatura não começou até o topo.

33. Parece ter fugido de sua memória que este mesmo Demócrito descobriu como o marfim poderia ser amolecido por fervura, como um calhau poderia ser transformado em esmeralda, – o mesmo processo usado até hoje para colorir pedras que são submissas a este tratamento! Pode ter sido um homem sábio que descobriu todas essas coisas, mas não as descobriu por ser sábio; pois ele fez muitas coisas que vemos feitas tão bem, ou mesmo com mais habilidade e destreza, por homens totalmente deficientes de sabedoria.

34. Você pergunta o que, então, o sábio descobriu e o que ele trouxe à luz? Antes de tudo, a verdade a respeito da natureza; e a natureza ele não seguiu como fazem os outros animais, com os olhos muito entorpecidos para perceber o divino nela. Em segundo lugar, existe a lei da vida e a vida que ele fez para se adequar aos princípios universais; e ele nos ensinou, não apenas a conhecer os deuses, mas a segui-los e a receber as dádivas do acaso exatamente como se fossem comandos divinos. Ele nos proibiu de prestar atenção a opiniões falsas e ponderou o valor de cada coisa por um verdadeiro padrão de avaliação. Ele condenou os prazeres com os quais o remorso se mistura e elogiou os bens que sempre satisfazem; E ele explicitou a verdade que é mais feliz aquele que não precisa de felicidade, e que é mais poderoso aquele que tem poder sobre si mesmo.

35. Não falo dessa filosofia que coloca o cidadão fora de sua comunidade e os deuses fora do universo, e que aceita haver virtude no prazer[14], mas sim daquela filosofia que não dá valor a nada, exceto o que é honorável, uma que não pode ser persuadida pelos presentes, tanto do homem como da fortuna, uma cujo valor é que não pode ser comprada por qualquer valor[15]. Que esta filosofia tenha existido em uma época tão bruta, quando as artes e ofícios ainda eram desconhecidos e quando as coisas úteis só podiam ser aprendidas pela prática – isso eu me recuso a acreditar.

36. Em seguida, veio o período favorecido pela fortuna, quando as recompensas da natureza se abriram a todos, para o uso indiscriminado dos homens, antes que a avareza e o luxo quebrassem os laços que mantinham os mortais juntos, e eles, abandonando sua existência comunal, se separaram e se tornaram saqueadores. Os homens da segunda era não eram homens sábios, mesmo que fizessem o que os homens sábios deveriam fazer.

37. Na verdade, não há outra condição da raça humana que alguém considere mais altamente; e se Deus ordenasse a um homem para criar criaturas terrestres e conferir instituições aos povos, esse homem não aprovaria nenhum outro sistema que fosse distinto daquele dos homens dessa época, quando

Nenhum lavrador cultivou o solo, nem estava certo repartir ou delimitar a propriedade. Os homens compartilharam seus ganhos, e a Terra entregava mais livremente Suas riquezas para os filhos que não as procuravam.Nulli subigebant arva coloni, Ne signare quidem aut partiri limite campum Fas erat; in medium quaerebant, ipsaque tellus Omnia liberius nullo poscente ferebat.[16]

38. Que raça de homens foi mais bem-aventurada do que aquela raça? Eles gozavam de toda a natureza em parceria. A natureza era uma mãe para eles, agora a tutora, assim como antes era a mãe, de todos; e este seu presente consistia na posse garantida de cada homem dos recursos comuns. Por que eu não poderia chamar essa raça a mais rica entre os mortais, já que não conseguiria encontrar uma pessoa pobre entre eles? Mas a avareza invadiu uma situação tão felizmente organizada, e, por sua ânsia por tirar algo e transformá-lo em seu próprio uso privado, fez de tudo a propriedade dos outros e reduziu riquezas ilimitadas a uma carestia desmedida. Foi a avareza que introduziu a pobreza e, por desejar muito, perdeu tudo.

39. E, por isso, embora ela tente compensar a perda, embora ela adicione uma propriedade a outra, expulsando um vizinho tanto comprando-o ou prejudicando-o, embora ela estenda suas mansões ao tamanho das províncias e defina propriedade como significando uma extensa viagem através da própria propriedade, – apesar de todos esses esforços dela, nenhuma ampliação de nossas fronteiras nos trará de volta à condição de onde partimos.

40. O próprio solo era mais produtivo quando se não dividido e produzia mais do que o suficiente para os povos que se abstinham de despojar uns aos outros. Qualquer dádiva que a natureza produzia, os homens obtinham tanto prazer em revelá-la a outro como em tê-la descoberto. Não era possível para nenhum homem superar a outro ou ficar atrás dele; tudo o que havia, era dividido entre os amigos sem discussão. O mais forte ainda não havia começado a colocar as mãos sobre os mais fracos; ainda não havia o avarento, escondendo o que estava diante dele, afastando seu vizinho das necessidades da vida; cada um se importava tanto com o próximo quanto com sigo mesmo.

41. A armadura não era usada e a mão, não manchada pelo sangue humano, direcionava todo seu ódio contra animais selvagens. Os homens daquele dia, que haviam encontrado em uma proteção densa do bosque contra o sol, e a segurança contra o rigor do inverno ou da chuva em seus pobres esconderijos, passavam suas vidas sob os ramos das árvores e passavam noites tranquilas sem um suspiro. O luxo nos irrita em nossas vestes púrpuras, e nos afasta de nossas camas com as mais afiadas aguilhoadas; mas quão suave era o sono que a terra dura concedia aos homens daquele dia! Quando não há mais que possamos fazer, devemos possuir muito; mas antes nós possuíamos o mundo inteiro!

42. Nenhuma preocupação constante ou tetos luxuosos pendiam sobre eles, mas quando se deitavam debaixo do céu aberto, as estrelas deslizavam silenciosamente acima deles, e o firmamento, o nobre desfile noturno, marchava rapidamente, conduzindo sua poderosa tarefa em silêncio. Pois eles tinham, ao dia, assim como a noite, as visões desta morada mais gloriosa, livre e aberta. Era sua alegria observar as constelações enquanto se afundavam do meio do céu e outras, novamente, quando se levantavam de suas casas escondidas.

43. O que mais, além da alegria, poderia ser vagar entre as maravilhas que pontilhavam os céus em toda parte? Mas você, da época atual, estremece a cada som que sua casa faz, e enquanto se senta entre seus afrescos, o menor chiado o faz encolher de terror. Eles não tinham casas tão grandes quanto cidades. O ar, brisas soprando livremente através dos espaços abertos, a sombra flutuante do penhasco ou da árvore, água cristalinas e córregos não estragadas pelo trabalho do homem, seja por tubulações ou por qualquer confinamento, mas correndo à vontade, e prados lindos sem o uso da arte, – em meio a essas cenas estavam suas casas rudes, adornadas com mão rústica. Tal moradia estava em conformidade com a natureza; nesse lugar havia alegria de viver, sem temer a própria residência nem por sua segurança. Hoje, no entanto, nossas casas constituem uma grande parte do nosso medo.

44. Mas, por mais que a vida dos homens daquela época fosse excelente e sem censura, eles não eram homens sábios; pois esse título está reservado para a maior conquista. Ainda assim, eu não negaria que eles eram homens de espírito elevado e – eu posso usar a frase – recente entregue pelos deuses. Pois não há dúvida de que o mundo produziu uma descendência melhor antes de ser esgotado. No entanto, nem todos foram dotados de faculdades mentais de maior perfeição, embora em todos os casos seus poderes inatos fossem mais vigorosos do que os nossos e mais adequados para o trabalho. Pois a natureza não concede virtude; é uma arte tornar-se bom.

45. Eles, pelo menos, não procuraram na mais baixa escória da terra por ouro, nem ainda por prata ou pedras transparentes; e eles ainda eram misericordiosos mesmo com os animais brutos – tão longe era essa época do costume de matar o homem pelo homem, não com raiva ou com medo, mas apenas para fazer um show[17]! Ainda não tinham roupas bordadas nem teciam um pano de ouro; o ouro ainda não era minerado.

46. Qual é, então, a conclusão do assunto? Foi devido sua ignorância das coisas que os homens daqueles dias eram inocentes; e faz uma grande diferença se queremos pecar ou se não temos conhecimento para pecar. A justiça era desconhecida, a prudência desconhecida, desconhecidos também eram o autocontrole e a bravura; mas sua vida rude possuía certas qualidades parecidas com todas essas virtudes. A virtude não é concedida a uma alma, a menos que essa alma tenha sido treinada e ensinada, e pela prática incessante, trazida à perfeição. Para a obtenção desta benção, mas não na posse dela, nós nascemos; e mesmo no melhor dos homens, antes da iniciação filosófica, se pode haver matéria-prima para a virtude, não existe ainda a virtude.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.


[1] Sólon (grego Σόλων, translit. Sólōn; (Atenas, 638 a.C. – 558 a.C.) foi um estadista, legislador e poeta grego antigo. Foi considerado pelos gregos como um dos sete sábios da Grécia antiga e, como poeta, compôs elegias morais-filosóficas. Em 594 a.C., iniciou uma reforma das estruturas social, política e econômica da pólis ateniense.

[2] No texto atribuído a Caio Higino, os sete sábios são: Pítaco de Mitilene, Periandro de Corinto, Tales de Mileto, Sólon de Atenas, Quílon de Esparta, Cleóbulo de Lindos e Bias de Priene. Plutarco lista os sete sábios como Tales, Bias, Pítaco, Sólon, Quílon, Cleóbulo e Anacarses. Platão, no diálogo intitulado Protágoras, expõe a seguinte lista: Tales, Pítacos, Bias, Sólon, Cleóbulo, Mison e Quílon.

[3] Licurgo foi um lendário legislador da pólis de Esparta. Nada se sabe seguramente sobre a existência deste personagem. Heródoto fala dele em meados do século V a.C., mas a vida do legislador deve ter decorrido no século VIII a.C., mas a sua memória seria correntemente mencionada na Esparta do século V, pois os seus habitantes nessa época sentiam a necessidade de atribuir a organização estatal que os regia a um ser humano, e não ao acaso. A organização estatal atribuída a Licurgo se compunha de rígido regime de formação possuía um caráter de obrigação social e imposição estatal, com o objetivo primordial de treinar cidadãos masculinos à vida militar espartana.

[4] Zaleuco de Locros (Locros, Século VII a.C.), foi um legislador do Período Arcaico da Magna Grécia. Zaleuco, sendo o primeiro legislador conhecido, promulgou c.644 a.C. um código de leis, usualmente designado por Código de Zaleuco.

[5] Trecho de Geórgicas, v. I, 144 de Virgílio.

[6] Trecho de Geórgicas, v. I, 139-140 de Virgílio.

[7] Diógenes de Sinope, também conhecido como Diógenes, o Cínico, foi um filósofo da Grécia Antiga.

[8] Dédalo, na mitologia grega, é um personagem natural de Atenas e descendente de Erecteu. Notável arquiteto e inventor, cuja obra mais famosa é o labirinto que construiu para o rei Minos, de Creta, aprisionar o Minotauro.

[9] Conjunto de fios de mesmo comprimento reunidos paralelamente no tear por entre os quais se faz a trama.

[10] Trecho de Metamorfoses, de Ovídio..

[11] Suetônio nos diz que um certo Ênio, um gramático da era de Augusto, foi o primeiro a desenvolver a estenografia em uma base científica, e que Tiro, o escravo liberto de Cícero, inventou o processo. Ele também menciona Sêneca como a autoridade mais científica e enciclopédica no assunto.

[12] Anacársis foi um filósofo cita que viajou de sua terra natal na costa norte do Mar Negro até Atenas no início do século VI a.C. e causou grande impressão como um “bárbaro” franco, sincero, aparentemente um precursor dos cínicos, embora nenhum de seus trabalhos tenha sobrevivido.

[13] A abóbada é uma construção em forma de arco com a qual se cobrem espaços compreendidos entre muros, pilares ou colunas. Compõe-se de peças lavradas em pedra especialmente para este fim, denominadas aduelas, ou de tijolos apoiados sobre uma estrutura provisória de madeira, o cimbre. Embora de uso generalizado no Império Romano, a construção de abóbadas constituiu o principal problema arquitetônico da Idade Média europeia. O desafio de construí-las foi um dos fatores que impulsionaram a evolução da arquitetura ocidental.

[14] Referência ao Epicurismo

[15] Em oposição, Sêneca apresenta síntese das posições estoicas.

[16] Trecho de Geórgicas, v. I, de Virgílio.

[17] Referência aos jogos de gladiadores.

Carta 89: Sobre as Partes da Filosofia

Esta carta é uma das mais voltadas para o debate teórico da filosofia, em contraste com a maioria das cartas que têm cunho mais prático. Sêneca inicia fazendo uma diferenciação entre sabedoria e filosofia:

A sabedoria é o bem perfeito da mente humana; a filosofia é o amor à sabedoria e o esforço para alcançá-la. A última se esforça para o objetivo que a primeira já alcançou.” (LXXXIX, 4) Ou, de forma mais condensada: “A filosofia o faz caminhar, e a sabedoria é o destino.“(LXXXIX, 6).

A carta cita e comenta posições de Epicuro, Cícero, da escola peripatética e cirenaica sobre as partes da filosofia, chegando ao defendido pelos estoicos, que os principais ramos são ética, física e lógica: A primeira mantém a alma em ordem; a segunda investiga o universo; a terceira desenvolve os significados essenciais das palavras, suas combinações e as provas que impedem que a falsidade se instale e desloque a verdade. (LXXXIX, 9).

Imagem: Mosaico Academia de Platão na vila de Siminius Stephanus em Pompeia.


LXXXIX. Sobre as Partes da Filosofia

Saudações de Sêneca a Lucílio.

1. É um fato útil que deseje saber, o que é essencial para aquele que busca a sabedoria – mais precisamente, as partes da filosofia e a divisão de seu todo em membros separados. Pois, ao estudar as partes, podemos ser trazidos com mais facilidade a entender o todo. Só desejo que a filosofia possa estar diante de nossos olhos em toda a sua plenitude, assim como toda a extensão do firmamento se mostra para que o possamos contemplar! Seria uma visão muito parecida com a do firmamento. Pois, certamente, a filosofia arrebataria todos os mortais pelo amor por ela; devemos abandonar todas aquelas coisas que, na nossa ignorância do que é excelente, acreditamos ser excelentes. No entanto, como isso não nos é dado graciosamente, devemos ver a filosofia exatamente como os homens contemplam os segredos do firmamento.

2. A mente do sábio, com certeza, abraça toda a estrutura da filosofia, examinando-a com um olhar não menos rápido do que nossos olhos mortais examinam os céus; nós, no entanto, que devemos atravessar a escuridão, nós, cuja visão falha mesmo para o que está próximo, podemos ser apresentados com maior facilidade a cada objeto em separado, apesar de ainda não sermos capazes de compreender o universo. Portanto, cumpro suas exigências e dividirei a filosofia em partes, mas não em migalhas. Pois é útil que a filosofia seja dividida, mas não cortada em pedaços mínimos. Assim como é difícil compreender o que é demasiadamente grande, também é difícil compreender o que é demasiadamente pequeno.

3. As pessoas são divididas em tribos, o exército em centúrias[1]. Tudo o que cresceu a um tamanho maior é mais facilmente identificado se for dividido em partes; mas as partes, como observei, não devem ser incontáveis em número e em tamanho diminuto. Pois a análise excessiva é defeituosa exatamente da mesma forma que nenhuma análise; o que quer que você corte tão bem que se torne pó é tão bom quanto misturado em uma massa novamente.

4. Em primeiro lugar, portanto, se você aprovar, vou traçar a distinção entre sabedoria e filosofia. A sabedoria é o bem perfeito da mente humana; a filosofia é o amor à sabedoria e o esforço para alcançá-la. A última se esforça para o objetivo que a primeira já alcançou. E é claro por que a filosofia[2] é assim chamada. Pois reconhece por seu próprio nome o objeto de seu amor.

5. Certas pessoas definem a sabedoria como o conhecimento das coisas divinas e das coisas humanas[3]. Outros ainda dizem: “A sabedoria é saber coisas divinas e coisas humanas, e suas causas também[4]”. Esta frase adicionada parece-me supérflua, uma vez que as causas das coisas divinas e as coisas humanas fazem parte do sistema divino. A filosofia também foi definida de várias maneiras; alguns a chamaram de “o estudo da virtude”, outros se referiram a ela como “um estudo sobre o modo de modificar a mente”, e alguns a chamaram de “busca da razão justa”.

6. Uma coisa está praticamente resolvida, que há alguma diferença entre filosofia e sabedoria. Também não é possível que o que é procurado e o que procura sejam idênticos. Como há uma grande diferença entre a avareza e a riqueza, sendo uma sujeito do desejo e a outra seu objeto, assim também entre filosofia e sabedoria. Pois uma é um resultado e uma recompensa da outra. A filosofia o faz caminhar, e a sabedoria é o destino.

7. A sabedoria é aquilo que os gregos chamam de σοφία[5]. Os romanos também costumavam usar essa palavra, sophia, no sentido em que eles agora usam a “filosofia” também. Isso é provado pelas nossas antigas peças de teatro de toga[6], bem como pelo epitáfio que está esculpido no túmulo de Dosseno: “Detenha-se, estranho, e leia de Dosseno a sofia”.[7]

8. Certos de nossa escola, embora a filosofia significasse para eles “o estudo da virtude”, e embora a virtude fosse o objeto buscado e a filosofia o buscador, sustentavam, no entanto, que as duas não podem ser separadas. Pois a filosofia não pode existir sem virtude, nem virtude sem filosofia. A filosofia é o estudo da virtude, por meio, no entanto, da própria virtude; mas a virtude não pode existir sem o estudo de si mesma, nem o estudo da virtude existe sem a própria virtude. Pois não é como tentar atingir um alvo em um longo ponto, onde o atirador e o objeto a ser atingido estão em diferentes lugares. Nem, como estradas que conduzem a uma cidade, nem são as abordagens da virtude situadas fora da própria virtude; o caminho pelo qual se alcança a virtude é por meio da própria virtude; a filosofia e a virtude se mantêm juntas.

9. Os maiores autores e o maior número de autores, sustentaram que existem três divisões de filosofia – moral, natural e lógica[8]. A primeira mantém a alma em ordem; a segunda investiga o universo; a terceira desenvolve os significados essenciais das palavras, suas combinações e as provas que impedem que a falsidade se instale e desloque a verdade. Mas também houve aqueles que dividiram a filosofia, por um lado, em menos divisões, por outro lado, em mais.

10. Certos da escola peripatética adicionaram uma quarta divisão, “filosofia política”, porque aplica-se a uma esfera especial de atividade e está interessada em um assunto diferente. Alguns acrescentaram um departamento para o qual eles usam o termo grego “οικονομία” (economia), a ciência de gerenciar o próprio patrimônio. Ainda outros fizeram um título distinto para os vários tipos de vida. Não há nenhuma dessas subdivisões, no entanto, que não sejam encontradas sob o ramo “moral” da filosofia.

11. Os epicuristas sustentavam que a filosofia era dupla: natural e moral; eles acabaram com o ramo lógico. Então, quando foram compelidos pelos próprios fatos a distinguir entre ideias equívocas e a expor falácias escondidas sob a capa da verdade, eles também introduziram um título para o qual eles dão o nome “forense e reguladora[9]”, que é meramente “lógica” sob outro nome, embora considerem que esta seção é suplementar ao departamento de filosofia “natural”.

12. A Escola Cirenaica[10] aboliu o departamento natural e lógico, e estava contente com o lado moral sozinho; e, no entanto, esses filósofos também incluem sob outro título o que eles rejeitaram. Pois dividem a filosofia moral em cinco partes: (1) O que evitar e o que procurar, (2) As paixões, (3) Ações, (4) Causas, (5) Prova. Agora, as causas das coisas realmente pertencem à divisão “natural”, as provas a “lógica”.

13. Aristo de Quios[11] observou que o natural e a lógica não eram apenas supérfluos, mas também eram contraditórios. Ele até mesmo limitou a “moral”, que era tudo o que lhe restava; pois aboliu esse título que abraçou o conselho, sustentando que era o negócio do pedagogo e não do filósofo – como se o homem sábio fosse outra coisa senão o pedagogo da raça humana!

14. Uma vez que, portanto, a filosofia é tripla, primeiro comecemos a definir o lado moral. Foi acordado que esse deveria ser dividido em três partes. Primeiro, temos a parte reflexiva, que atribui a cada coisa sua função particular e pesa o valor de cada uma; é o mais alto em termos de utilidade. Pois o que é tão indispensável como dar a tudo seu valor adequado? O segundo tem que ver com impulso, o terceiro com ações. Pois o primeiro dever é determinar separadamente o que vale a pena; o segundo, conceber em relação a eles um impulso regulado e ordenado; o terceiro, fazer seu impulso e suas ações se harmonizar, de modo que sob todas essas condições você possa ser consistente consigo mesmo.

15. Se algum dos três estiver com defeito, há confusão no resto também. Pois que benefício há em ter todas as coisas avaliadas, cada uma em suas relações adequadas, se você ultrapassar seus impulsos? Qual o benefício que existe ao ter controlado seus impulsos e em ter seus desejos sob seu próprio controle, se, quando você chegar à ação, você desconhece os horários e as épocas adequadas, e se você não sabe quando, onde e como cada ação deve ser realizada? Uma coisa é entender os méritos e os valores dos fatos, outra coisa conhecer o momento preciso para a ação, e ainda outra refrear os impulsos e prosseguir, em vez de se precipitar, para o que está para ser feito. Por isso, a vida está em harmonia com ela mesma somente quando a ação não abandona o impulso, e quando o impulso para um objeto surge em cada caso do valor do objeto, sendo lânguido ou mais ansioso, conforme o caso, de acordo com os objetos que o despertam valem a pena procurar.

16. O lado natural da filosofia é duplo: corporal e não corporal. Cada um é dividido em seus próprios graus de importância, por assim dizer. O tópico sobre os corpos aborda, primeiro, com estas duas classes: o criativo e o criado; e as coisas criadas são os elementos. Agora, esse mesmo tópico dos elementos, de acordo com alguns escritores, é integral; com outros, é dividido em matéria, a causa que move todas as coisas e os elementos.

17. Resta para mim dividir a filosofia lógica em suas partes. Toda a fala é contínua ou dividida entre questionador e respondedor. Foi definido que a primeira deveria ser chamada de ῥητορικὴ (retórica), e a última διαλεκτική (dialética). A retórica trata de palavras, significados e arranjos. A dialética é dividida em duas partes: palavras e seus significados, isto é, nas coisas que são ditas, e as palavras em que são ditas. Então vem uma subdivisão de cada uma – e é de grande extensão. Portanto, eu vou parar neste ponto, e

Percorrer o clímax;Summa sequar fastigia rerum;[12]

Pois, se eu tivesse vontade de dar as subdivisões, minha carta se tornaria o manual de um debatedor!

18. Não estou tentando desencorajá-lo, excelente Lucílio, de ler sobre este assunto, desde que você esteja pronto para praticar tudo o que ler. É sua conduta que você deve manter em controle; você deve despertar o que está dormente em você, tencionar rapidamente o que se tornou relaxado, conquistar o que é obstinado, acossar seus apetites e os apetites da humanidade, tanto quanto você pode; e para aqueles que dizem: “Por quanto tempo essa conversa sem fim continuará?” Responda com as palavras:

19. “Eu é quem deveria estar perguntando: Por quanto tempo esses pecados sem fim continuarão?Você realmente deseja que meus remédios parem antes de seu vício? Mas devo falar mais de meus remédios, e apenas porque você oferece objeções, eu continuarei falando. A medicina começa a fazer o bem no momento em que um toque faz com que o corpo doente arda com dor. Devo pronunciar palavras que ajudarão os homens até mesmo contra a vontade deles. Às vezes, você deve permitir que outras palavras além de elogios atinjam seus ouvidos e se, como indivíduo, você não estiver disposto a ouvir a verdade, ouça coletivamente.

20. Quão longe você estenderá os limites de suas propriedades? Uma fazenda que mantenha uma nação é muito limitada para um único senhor. Até que ponto você avançará seus campos arados – você que não está contente em confinar a medida de suas fazendas mesmo dentro da amplitude das províncias? Você tem rios nobres que atravessam seus terrenos privados; você tem rios poderosos – fronteiras de nações poderosas – sob seu domínio do início ao fim. Isso também é muito pequeno para você, a menos que também envolva mares inteiros com seus estados, a menos que seu administrador mantenha influência do outro lado do mar Adriático, da Jônia e do mar Egeu, a menos que as ilhas, casas de chefes famosos, sejam contadas por você como o mais insignificante dos bens! Espalhe-os tão amplamente quanto você quiser, se puder ter como “fazenda” o que uma vez foi chamado de império; faça seu o que quiser, desde que seja mais do que o do seu vizinho!

21. E agora por uma palavra contigo, cujo luxo se espalha tão amplamente quanto a ganância daqueles a quem acabei de referir. Para você, eu digo: “Este costume continuará até que não haja lago sobre o qual os pináculos de suas casas de campo não atinjam? Até que não haja um rio cujas margens não sejam limitadas por suas estruturas senhoriais? Onde águas quentes possam surgir, onde as margens se curvem em uma baía, você estará pronto para estabelecer fundações e, não contente com nenhuma terra que não tenha sido trabalhada pela engenharia, você irá trazer o mar dentro de seus limites. De cada lado, deixará suas casas brilharem ao sol, agora colocadas em picos nas montanhas, onde elas procuram uma visão extensa sobre o mar e a terra, agora levantadas da planície até o alto das montanhas, construirá suas múltiplas estruturas, suas imensas pilhas, vocês são, no entanto, apenas indivíduos e insignificantes com isso! O que você ganha em ter várias camas? Você dorme em uma. Nenhum lugar é seu, onde você não esteja”.

22. “Em seguida, eu passo para você, você cuja boca insaciável e sem fundo explora, por um lado, os mares, do outro, a terra, com um enorme trabalho, caçando sua presa, agora com anzol, agora com armadilha, agora com redes de vários tipos, nenhum animal tem paz, exceto quando você está empanturrado dele. E quão pequena é uma parte desses banquetes, preparado para você por tantas mãos, que você prova com seu paladar fatigado de prazer! Quão pequena parte de toda essa carne de caça, cuja captura esteve repleta de perigo, o paladar doente e cheio de melindre chega ao estômago? Quão pequena porção de todos os peixes, importados de longe, escorrega para aquela insaciável garganta? Pobres desgraçados, vocês não sabem que seus apetites são maiores que suas barrigas?

23. Fale assim com outros homens, desde que você enquanto falar também escute; escreva assim, desde que, enquanto escreve, lê, lembrando que tudo o que você ouve ou lê, deve ser aplicado para conduzir e para aliviar a fúria da paixão. Estude, não para adicionar nada ao seu conhecimento, mas para melhorar seu conhecimento.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.


[1] Centúria era uma unidade de infantaria do exército romano, que continha oitenta legionários, correspondendo a dez contubérnios (a unidade mínima do exército romano, constituída de oito a dez soldados).

[2] Pitágoras foi, segundo Diógenes de Laércio, o primeiro a utilizar a palavra «filosofia», que é decomposta em duas: filo (amizade) e sofia (saber); o filósofo é, portanto, o amigo ou o amante do saber – esta é a significação com que a palavra aparece também em Sócrates e Platão.

[3] “Θείων τε καὶ ἀνθρωπίνων ἐπιστήμη”, citado por Plutarco, De Plac. Phil. 874 E.

[4] Cicero, De Officiis, “Sobre os Deveres”, II,ii, 5.

[5]sofia” equivalente em grego (Σοφία)

[6] Fabula togata, comédia “de toga”, distingue-se da comédia de imitação grega, “fabula palliata” apenas na atuação, o local e os personagens são romanos, ao contrário do que sucede com a palliata, em que se conservam os nomes gregos e a acão ocorre em locais vários do mundo grego.

[7] Hospes resiste et sophian Dossenni lege.

[8] Também traduzido como ética, física e lógica.

[9] Sêneca usa o termo latino “de iudicio” traduzindo o adjetivo grego δικανικός, “aquilo que tem a ver com os tribunais”, e por “de regula” a palavra κανονικός, “aquilo que tem a ver com regras”, aqui as regras da lógica. Os Epicuristas usavam para a lógica κανονική, em contraste com Aristóteles e seus sucessores, que usaram λογική. No latim, racionalis é uma tradução deste último.

[10] Aristipo de Cirene foi o fundador da Escola Cirenaica de filosofia, assim denominada devido à cidade de Cirene na qual foi fundada, floresceu entre 400 a.C. e 300 a.C., e tinha como a sua característica distintiva principal o hedonismo, ou a doutrina de que o prazer é o bem supremo. Como os cínicos se desenvolveram para os estoicos, assim os cirenaicos se desenvolveram para os Epicuristas.

[11] Aríston ou Aristo de Quios foi um filósofo estoico e discípulo de Zenão de Cítio. Esboçou um sistema de filosofia estoica que esteve, em muitos aspectos, mais próximo da anterior filosofia cínica. Rejeitou o lado lógico e físico da filosofia aprovada por Zenão e enfatizou a ética.

[12] Eneida, I, 342,  de Virgílio.