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Com o lançamento da tradução das Meditações por Aldo Dinucci a resvista Veja publicou uma resenha e pequena entrevista. Segue entrevista:
Meditações é daqueles livros que se tornaram um best-seller atemporal e universal. A que o senhor atribui tamanho êxito? O diário de Marco Aurélio permaneceu praticamente perdido por séculos e séculos, com esparsas notícias ao longo da Antiguidade Tardia e da Idade Média, sendo publicado na Europa apenas no século XVI, com inúmeras edições em línguas modernas a partir de então. No seu libelo, Marco dialoga consigo mesmo, de modo similar ao que fazem amigos íntimos ao trocarem impressões entre si sobre temas relativos à vida. Esse sentimento de intimidade é muito evidente no texto, razão pela qual costuma ser lido por algumas pessoas dezenas de vezes, estabelecendo-se assim laços afetivos de amizade entre o leitor vivo e o filósofo que há muito se foi. A extraordinária sensibilidade de Marco ilumina temas que concernem à humanidade como um todo, como a reflexão sobre o que é a vida plena, sobre a fraternidade humana, sobre a morte, sobre o lugar do humano no Cosmos, tudo isso entre belíssimas imagens da natureza e da nossa vida cotidiana.
O diário de Nos últimos anos, tivemos o lançamento de muitos livros que beberam, de forma evidente ou nem tanto, de lições do estoicismo para promover discursos de autoajuda ou do tipo “como vencer na vida”. O senhor acredita que, muito embora ajudem a popularizar essa corrente filosófica, eles também possam deturpar ideias e intenções caras à escola estoica? O mercado cultural afeta hoje quase todos os aspectos de nossa vida: vestuário, cinema, música, alimentação, religião… Tudo acaba se transformando em mercadoria para consumidores cada vez mais existencialmente vazios. Essas mercadorias são niveladas por baixo no que se refere ao aspecto cultural propriamente dito, razão pela qual muitos dizem haver acabado a boa música, o bom cinema, a boa literatura. Isso ocorre porque o mercado cultural almeja não a qualidade de seus produtos, mas meramente a quantidade de consumidores e de renda arrecadada.
O estoicismo, assim como tudo mais, acabou sendo transformado em produto nesse contexto do capitalismo tardio em que vivemos, apresentado por meio de simplificações grosseiras e evidentes deturpações, mais ou menos como a teologia da prosperidade o faz em relação ao cristianismo. A filosofia do Pórtico (como é também conhecido o estoicismo), na Antiguidade, jamais foi uma técnica individualista para buscar o sucesso pessoal, mas sempre se tratou de uma doutrina de amor à humanidade que busca conectar os humanos entre si por sentimentos fraternos e reconectar o humano ao Cosmos, exortando seus seguidores a ações que concorram não para o sucesso individual, mas para o bem comum, como Marco não se cansa de repetir em seu diário.
Que mensagem do livro de Marco Aurélio o senhor julga a mais preciosa para estes tempos pós-modernos, pós-pandêmicos, regidos pela tal pós-verdade? Cada vez mais, estamos, humanos das ruas, fartos do dogmatismo e do cinismo de certos filósofos e intelectuais modernos e contemporâneos: ou temos aqueles que se creem donos da verdade e querem nos fazer passar essa suposta verdade goela abaixo, ou temos os cínicos no pior sentido do termo, os que não creem em nada e se resignam a uma atitude irreverente e malévola diante das vicissitudes humanas. Marco não vai nem por um caminho nem por outro. Nosso imperador não é jamais dogmático, mas se questiona frequentemente quanto aos mais centrais princípios filosóficos, como quando, por exemplo, se indaga se há providência divina (a tese estoica) ou apenas átomos (a tese atomista e epicurista), refletindo e nos fazendo refletir simultaneamente sobre as duas possibilidades.
Sua ideia mais importante (e menos conhecida) é que a humanidade é uma grande fraternidade, e que devemos alimentar em nós esse pensamento para que possamos agir visando ao bem comum, seja o de nossa comunidade imediata, seja o da humanidade como um todo, seja o do Cosmos. Para Marco, o humano é um animal racional e político, que só pode alcançar seu fim (quer dizer, sua plenitude e sua realização) agindo de forma comunitária por meio da interpretação adequada dos papéis que lhe cabem na sociedade e no Cosmos, tais como os de ser racional, filho ou filha, irmã ou irmão, pai, mãe, vizinho, político, entre tantos personagens que são atribuídos a nós, humanos, em nossas breves existências.
Tivemos a honra de receber do professor Aldo Dinucci, maior especialista em Epicteto do Brasil, suas traduções direto do grego das Diatribes (Livro I) e do Encherídion.
Sem dúvida estas são as melhores traduções de Epicteto para o Português.
Assim como nas religiões, as escolas filosóficas foram desenvolvidas ao longo dos séculos e constituem uma doutrina coerente e completa. Tanto o estoicismo e epicurismo são filosofias que nos ensinam a arte de viver bem.
Apesar de terem o mesmo objetivo, suas práticas e ideias são bastante antagônicas, assim será uma péssima ideia tentar escolher e conciliar os pontos que gostamos em cada uma delas e ignorar os pontos que não gostamos.
Não funciona, vira um Frankenstein eclético, algo assim:
Artigo de David Fideler e Cristian Pătrășconi para o Antigone Journal
“Nos últimos 2.000 anos nosso mundo evoluiu muito em termos de tecnologia. Mas quando você lê Sêneca, percebe que os humanos não mudaram no aspecto psicológico. Somos, psicologicamente, exatamente iguais às pessoas de Roma há 2.000 anos. Sofremos dos mesmos tipos de esperanças, medos, ganância, ambição e vícios que os antigos romanos experimentavam. Também temos o mesmo desejo de nos tornarmos pessoas melhores e mais excelentes. Sêneca explora tudo isso.”
Last year, philosopher David Fideler published Breakfast with Seneca: A Stoic Guide to the Art of Living (W.W. Norton, New York, 2022), a guide to Seneca’s core ideas written for a general audience. In this dialogue with the Romanian journalist and political scientist Cristian Pătrășconiu, Fideler discusses Seneca’s enduring popularity and what we can learn from Seneca and the Stoics today.
Cristian Pătrășconiu: What does a perfect morning look like to you?
David Fideler: Many years ago, I started reading the Roman philosopher Seneca (c. 4 BC–AD 65) first thing in the morning, when I woke up, along with a cup of coffee. Over time, that changed a bit. Eventually, I developed a morning ritual, and on a perfect day, I’d go to the gym, work out, and grab a cup of coffee. I’d then have a delicious breakfast, and while eating breakfast, I’d read a letter or two written by Seneca.
That’s how the title of the book Breakfast with Seneca originated. Reading a bit of Seneca each morning became a great way to start the day, and, over the years, I’ve now read Seneca’s writings many times.
Seneca has been dead for many hundreds of years. But why does a thinker like Seneca continue to live? Why does he still speak to readers today?
I have a PhD in philosophy but only discovered Seneca later in life. What I found so appealing about Seneca is that, aside from being a great writer, he focuses on real-life issues. How do you handle grief when a loved one dies? How do you respond to worries or anxious thoughts, so you can return to living fully and calmly in the present moment? What is real friendship, and why is friendship so important? How can we contribute to society? Everything Seneca writes about is timeless and on our minds today. This makes Seneca seem contemporary. Because he had an incredibly deep level of insight into human psychology, he feels like a wise advisor to many readers.
Over the past 2,000 years, our world has evolved greatly in terms of technology. But when you read Seneca, you realize that human beings have not changed psychologically. We are, psychologically, exactly the same as people in Rome 2,000 years ago. We suffer from the same kinds of hopes, fears, greed, ambition, and addictions the ancient Romans experienced. We also have the same desire to become better, more excellent people. Seneca explores all of this.
Seneca has been called “the most compelling and elegant of the Stoic writers”. Where does such appreciation come from? Wasn’t Marcus Aurelius also a very elegant and persuasive writer?
Seneca was an expert in rhetoric, which makes him a compelling writer. In addition, he has a unique literary style, which was imitated by others, stretching from the Italian Renaissance to Ralph Waldo Emerson. This engaging style makes Seneca a pleasure to read, and his work is full of little epigrams – sayings like, “When someone doesn’t know what port he’s sailing for, no wind is favorable” (Epistulae71.3).
Of course, I agree with you that Marcus Aurelius was an elegant writer. But Marcus Aurelius was only writing for himself in his private notebooks. Those were never meant to be published, and it’s a miracle that they survived and have come down to us.
By contrast, everything that Seneca wrote was addressed to one of his friends or family members. That’s because he thought philosophy should help real people in the real world. Seneca also believed that his works would be read by “future generations”, to use his phrase, which turned out to be true. So while Marcus Aurelius was writing notes and observations for himself, Seneca was writing for us.
Could we say that Seneca is “the Stoic par excellence”?
That would be a difficult judgment to make since it would be based on personal taste. But Seneca was the Stoic par excellence historically speaking. For example, the humanists who created the early Italian Renaissance had access to all of Seneca’s writings in Latin, and they were deeply influenced them. In terms of ethics, Stoicism was about becoming more virtuous as a person, and it was a remarkably pro-social philosophy. Renaissance humanism was a movement to create a more humane and virtuous society with better leaders. In this way, the writings of Seneca helped to ignite early Renaissance humanism, which was a revival of ancient virtue ethics. The humanists also drew upon the ideas of Cicero, a Stoic-inspired philosopher, whose ideas of civic virtue expanded upon Stoic ideas.
Later in the Renaissance, when the Italian humanists learned to read Greek, the writings of the two major Stoics who followed Seneca – Epictetus and Marcus Aurelius – were published. But they seemed to have had very little impact at that time.
Marcus Aurelius is hugely popular now, but that is a very recent development. He only started to become popular in English in the 19th century, and he’s at peak popularity today. But people have been reading and learning from Seneca for 2,000 years.
If you carefully study Seneca, Epictetus, and Marcus Aurelius, you’ll discover that they were largely expressing the same ideas, but each in their unique way, because they were addressing different audiences. Of course, since they were all Stoics, that’s not surprising. The ideas of Epictetus were recorded by his student Arrian, but even his most famous idea, which people call “the dichotomy of control” today, is found in Seneca’s idea of virtue versus Fortune. Virtue, or our inner character, is “up to us”, while Fortune is “not up to us”.
So which Stoic writer does a reader like the most? In the end, it’s a matter of personal taste. But historically speaking, you can find almost every important Stoic idea in Seneca’s Latin writings and the writings of Cicero, even if you don’t read Marcus Aurelius or Epictetus. That’s why people in the early Renaissance understood Stoicism very well, even when Marcus Aurelius and Epictetus were not yet available.
In any case, Seneca is the Stoic thinker from whom we have the most works. Many texts, especially of Greek Stoicism, have been lost, right? About how many of these – let’s say in percentage terms – do we still have today?
Stoicism originated in Athens around 300 BC and was founded by Zeno of Citium. Zeno, a merchant interested in philosophy, came to Athens from modern-day Cyprus. Eventually he lectured on philosophy at the Stoa Poikilē (ἡ ποικίλη στοά) in Athens – “the Painted Stoa”, which is where the school obtained its name.
Zeno and his followers, the early Greek Stoics, wrote a huge number of works in Ancient Greek, but those works never came down to us. We have long lists of their titles, so we know at least what those were about. We also have some very short quotations from the Greek Stoics, but the original writings were lost. What we have from the Greek Stoics is less than one per cent of what they wrote. That’s why the writings of Seneca and the other Roman Stoics are so important, even if they are from a later time, since they had access to Greek sources that no longer exist. Seneca left us hundreds of pages about Stoicism. So yes, he’s the largest single source.
Is Seneca a thinker easier to understand in youth or maturity or, better, in old age?
That’s very hard to say since everyone’s tastes are different. In the United States, people of all ages are interested in Stoicism, and there’s huge interest among young people. Everyone interested in Stoicism has a favorite Stoic, and for some people that is Seneca. Others prefer Marcus Aurelius or Epictetus.
Seneca, at one point, became one of the richest men in the world. But isn’t immense wealth inconsistent with Stoic philosophy?
Seneca’s wealth was partly due to his talent, but also due to chance, luck, or “Fortune”, as he would say. But being wealthy doesn’t go against the principles of Stoicism, especially if someone makes good use of wealth. Seneca addressed that question at the end of his essay De vita beata (On the Happy Life).
Seneca was born in Spain and, when he was very young, his father took him to study in Rome. He started studying Stoicism as a teenager in Rome. Later in life, Seneca rose to the peak of Roman society and became a Roman senator. He then became elected consul, the highest political office anyone could hold. So his career mirrored, in some ways, that of Cicero.
In terms of his wealth, Seneca experienced good fortune. But he had a lot of bad luck too. First, he was a senator under Caligula (r. 37–41), who reportedly wanted to kill him. Then he was a senator under Claudius (r. 41–54), who exiled him, under false charges, to the island of Corsica. Seneca was finally called back to Rome eight years later to become the tutor to Nero (r. 54–68), when Nero was only eleven years old.
Of course, being associated with Nero turned out to be bad luck, too, but no one could have known that at the time, since Nero was only eleven. He became emperor just before he turned seventeen, and it’s thought Seneca and Burrus, the head of the Praetorian Guard, ran the Roman empire for the first five years, when Nero was so young.
Like some wealthy people today, Seneca attracted a few enemies simply because he was rich. While wealth has obvious benefits, Seneca wrote about its dangers. For example, he explored how great wealth can make some people psychologically unbalanced. When it came to wealth and its misuse, Seneca “had seen it all”, as we say, including greed and extravagance at the highest levels of Roman society. He concluded, “The poor person is not someone who has too little, but someone who always craves more” (Epistulae2.6).
Seneca wrote extensively about the problems associated with wealth, and he believed that living a life of voluntary simplicity was psychologically beneficial. In Breakfast with Seneca, there is an entire chapter about Seneca’s views on money, voluntary simplicity, and using wealth wisely. It’s entitled “The Battle Against Fortune: How to Survive Poverty and Extreme Wealth.”
Can we say that the Covid-19 pandemic worked as an accelerator? In other words, can we say that that it was good for Stoicism and, in particular, for Seneca?
That’s true because interest in Stoicism surged during the pandemic. When people were in lockdown, the writings of Seneca and Marcus Aurelius skyrocketed in sales. It’s easy to understand why this happened because a central idea of Stoicism is that things that happen in the world are rarely “up to us”.
The Stoic view is that we can’t control things that happen to us but we can control how we respond to them. So Stoicism is a perfect philosophy for a pandemic – or for a time when there is a great deal of uncertainty about the future. If we don’t let our minds race ahead and become anxious, we can respond to things rationally, just as we do in the present moment, without worry. The Stoics remind us that when the future finally does arrive, we will be able to respond to all future situations calmly and rationally, just as we do today. That is because “the future” will have become the present moment, which is free from worry.
A question that follows from the previous one: is Stoicism more useful in times of austerity, in times of crisis, than it is in happy or bright times?
On the surface, it might seem that Stoicism is more helpful in times of crisis, but I don’t believe that’s true. Seneca was especially mindful of the cyclical nature of human experience. He would frequently point out that when things are going very well and people are flying high psychologically, they must be cautious and prepare for a decline. Because once you reach the absolute peak, you can only go down. As Seneca said, “The high places are the ones hit by lightning” (Epistulae19.9).
Similarly, when things go poorly, or someone hits bottom, they will often improve. He wrote, “After a shipwreck, sailors try the sea again… If we were forced to give up everything that causes trouble, life itself would stop moving forward” (Epistulae81.2).
What, in your view, is the central message of the teachings we received from Seneca?
Seneca believed that we should always work on trying to improve our character. Each day, he thought, we should try to make a little bit of progress to become better or more virtuous. For human beings, to be virtuous means to be rational, and a rational person will embody the four cardinal virtues: practical wisdom, courage, moderation, and justice. But, in the Stoic view, these virtues can only become realized by practising them. So it involves working on the process every day, which includes self-reflection.
Another attractive Stoic idea is the belief that we can live a life that is truly worth living under any conditions. Again, Seneca writes about this at great length. He writes about how we can make progress each day and live a joyful life.
From another point of view, is Seneca a great guide for life or a great guide for death?
Both – because going back to Socrates, it was said that “philosophy is a preparation for death” (Plato, Phaedo81a). According to Seneca, how we face death, when it finally arrives, is the ultimate test of our character. For many people, death is the supreme fear, and Seneca wrote about how to overcome that anxiety.
For the Stoics, there is nothing dreadful or fearful about death; it’s just a natural part of life, which everyone will encounter. All the Roman Stoics said that someone on their deathbed, who developed a good character during life, should not be sad or filled with regret at death. Instead, they should be grateful for the life and experiences the universe has given them.
What was philosophy for Seneca – an academic, vanity game, or did it have a major existential stake? And could we still understand today that, in antiquity, philosophy was closely related to friendship?
Seneca is quite clear about that: he believed that friendship and philosophy go together. He wrote, “The first promise of real philosophy is a feeling of fellowship, sympathy, and community with others” (Epistulae5.4). In ancient times, the philosophy was a joint undertaking. Seneca believed we should pursue it with others in a spirit of friendship and common inquiry.
Seneca was also critical about what philosophy had become. Even in his own time, it had become a mere “academic pursuit” for some people – or, as you put it very nicely, “a vanity game”. Seneca criticized those who reduced philosophy to empty, unconvincing arguments or to mere “word games”. Like earlier philosophers, he thought philosophy was a way of life – and an “art” or skill designed to improve human life and reduce suffering. As the Greeks had called it earlier, philosophy is “the art of living”.
What are the kinds of philosophical exercises the Stoics used and wrote about, and what, from your point of view, are the most essential exercises?
The Stoics had an entire group of philosophical or psychological exercises, many of which relate to modern cognitive psychology. In other words, these “philosophical exercises” are very close to practices recommended by cognitive therapists today. This connection exists for a reason: the Stoics invented what is now called “the cognitive theory of emotion”. In fact, the modern founders of cognitive behavioral therapy (CBT) read the Stoics, and they drew upon Stoic ideas when creating CBT.
The central idea behind cognitive therapy is that “It’s not things that upset us, but our beliefs about things,” which was taken directly from the Encheiridion of Epictetus (Encheiridion5). What is fascinating is that the Stoics described psychological techniques that only were given names by psychologists very recently.
I can tell you about my three favorite Stoic exercises. These are simple exercises that anyone can use, and they are very worthwhile.
The first exercise is Socratic questioning, which involves taking a serious look at the beliefs or opinions you have that are causing you to react emotionally in a certain way. Socrates said, “The unexamined life is not worth living” (Plato, Apology38). If we extend that thought to today, we must try and understand our underlying assumptions and the outcomes those beliefs lead to.
The second exercise I call take a step back, which psychologists call “cognitive distancing”. For example, if you feel anger coming on, Seneca says “the greatest cure for anger is delay” – so take a step back (De ira2.29.1). For Seneca, becoming angry is a three-step process that involves making certain judgments. The only problem is that it can happen so quickly. So, according to Seneca, we need to step back and slow down the process, to delay the onset of anger. That delay gives us time to think things over. Hopefully it provides a space to deconstruct the anger before it fully takes hold.
My third and favorite Stoic technique, though, is just to suspend judgment before all the facts are in, and that’s another practice recommended by Seneca. Doing this keeps people from jumping to premature and incorrect conclusions, which I often see happening. Of course, everyone has done this. For example, you’ll send someone an important email and never hear back. Then it’s easy to imagine, “Oh, that person hates me”, or “They have ghosted me”, without a single piece of evidence. It’s just an assumption, and there’s no hard evidence to back up any of those beliefs. It might just be that the person never received your email.
Even when there is ‘evidence’, it might not be sufficient. We’ve now seen many cases of people on the internet making premature judgments about a video clip or a news item based on incomplete information or false assumptions, which turned out to be incorrect. So I always avoid making those kinds of snap judgments until all the facts are in, which can sometimes take a very long time.
As we grow up during childhood and beyond, we absorb many bad mental habits and beliefs from society, and the Stoics knew that too. So they would like us to understand those bad habits; and once we can see them, the Stoics invite us to replace those bad habits with better ones.
David Fideler is a philosopher who writes about how Classical and Renaissance ideas can contribute to today’s world. His book Breakfast with Seneca: A Stoic Guide to the Art of Living has now appeared in sixteen languages. He’s also the editor of theStoic Insightswebsite and the Living Ideas Journal, and the author of the article “How Philosophy Changed the World”, which documents how Seneca, Cicero, and Stoic ideas inspired the early Renaissance humanists.
Cristian Pătrășconiu is a political scientist, essayist, and journalist in Romania. He is the author of several books and a frequent contributor to the weekly magazine România Literară, published in Bucharest.
Traduzido para o português pelo Dr. Marcus Resende
David Fideler, autor de vários livros, entre os quais Um café com Sêneca: Um Guia Estoico Para a Arte de Viver, trabalhou como professor universitário, editor e diretor de um centro de humanidades. Estudou filosofia grega clássica e religiões mediterrâneas na Universidade da Pensilvânia e é PhD em filosofia. Nascido nos Estados Unidos, ele vive atualmente em Saraievo, com sua esposa e filho. Ele é o editor do website Stoic Insights e um conselheiro do Centro da Academia de Platão em Atenas. Recentemente, David foi entrevistado por Michael Nevradakis para a revista grega Orthos Logos sobre “Porque a Filosofia Clássica importa hoje”. Essa é a versão da entrevista em português.
Michael Nevradakis (MN): Sua história de vida tem sido interessante, percorrendo seu caminho para a Bósnia, especificamente para Saraievo, saindo do oeste de Michigan. Conte-nos sobre essa trajetória e sobre o que trouxe você para esta parte do mundo.
David Fideler (DF): Essa é uma pergunta interessante, e há muitas dimensões para ela. Uma parte dela é que minha esposa é daqui. Mas outra razão para eu ter vindo para cá se deve à longa história de pluralismo espiritual em Saraievo, onde nós vivemos. Quando os judeus foram expulsos da Espanha, em 1492, muitos vieram para cá, e aqui nós temos um dos maiores cemitérios judaicos antigos em toda a Europa. Eles gostaram da vida em Saraievo e a chamaram de “Pequena Jerusalém” da Europa. E eles viveram pacificamente com mulçumanos, cristãos ortodoxos e católicos.
Hoje, a coisa incrível para nós é que todos esses grupos religiosos se deram bem e viveram em harmonia, em Saraievo, por cerca de 500 anos, até a guerra da Bósnia nos anos 90. Por exemplo, a mesquita principal está praticamente em frente a uma sinagoga antiga. E estes dois prédios estão a três minutos de caminhada da Antiga Igreja Ortodoxa e da Catedral Católica. Então, há essa pequena área, na qual todos esses prédios religiosos, de diferentes confissões, estão localizados.
Saraievo é também incrível por ser o ponto de encontro de muitas culturas diferentes, que você pode ver refletidas na arquitetura. É a fronteira sul do Império Austro-Húngaro, a fronteira norte do Império Otomano, a fronteira leste da Igreja Católica, e a fronteira oeste da Igreja Ortodoxa. Em um momento você pode caminhar através de uma área com arquitetura Austro-Húngara e, de repente, entrar em uma área com arquitetura Otomana.
MN: O que primeiro motivou você a se dedicar, neste momento e com essa idade, à filosofia grega clássica e aos escritos de Platão e dos estoicos?
DF: Quando eu era adolescente, eu fiquei interessado em Platão e Pitágoras. Então, eu comecei a ler esses tipos de textos, incluindo os diálogos de Platão, ainda na adolescência. Eu também estava interessado nas religiões gregas, incluindo as religiões de mistério e como elas influenciaram o desenvolvimento do cristianismo. Ao longo dos anos, eu trabalhei em muitas diferentes áreas e tópicos relacionados a filosofias e religiões antigas, e meu interesse nunca diminuiu, embora tenha se expandido para outras áreas. Por exemplo, eu também estudei a história da ciência e a redescoberta do conhecimento clássico no renascimento italiano.
MN: O que é o estoicismo e a filosofia estoica?
DF: O estoicismo é uma escola filosófica que teve sua origem em Atenas, em torno do ano 300 AEC. Foi fundada por Zenão de Cítio, que falava na Stoa Poikile, ou “Stoa Pintada”, na ágora. Zenão e seus seguidores, em Atenas, produziram dezenas, ou mesmo centenas de escritos, mas, infelizmente, nenhum destes sobreviveu ao tempo em forma completa. E a Stoa Pintada é, hoje, apenas uma ruína sem atrativos.
Dito isso, existem muitos relatos sobre o pensamento estoico, muito influenciados por Sócrates. Alguns escritores antigos até chamavam os primeiros estoicos de “socráticos.”
Os estoicos seguiram Sócrates ao acreditar que “virtude é o único bem verdadeiro”. Quanto a isso, eles queriam dizer que as pessoas devem desenvolver um excelente caráter interior. Então, a partir disso, tudo que fazemos deve ser caracterizado pela excelência.
Eles também acreditavam que a natureza estava permeada pelo logos ou a racionalidade. Zenão dizia que, se um ser humano deseja encontrar a felicidade ou a eudaimonia, deve “viver em acordo com a natureza.” Isso significa que os seres humanos devem desenvolver sua própria natureza racional, ou a centelha do logos que temos em nós. Isso nos permitiria aceitar as leis da natureza e nos conduzir a vidas felizes e tranquilas.
Enquanto os primeiros estoicos gregos se concentraram no estudo da natureza (física), lógica e ética, os estoicos romanos se concentraram mais na ética – como viver uma vida boa e feliz.
Os estoicos acreditavam que algumas coisas estão “sob nosso controle”, especialmente desenvolver um bom caráter, enquanto muitas outras coisas não estão sob nosso controle. Eles também acreditavam que muitos tipos de emoções se baseiam em juízos mentais. Uma afirmação estoica muito famosa é: “não são as coisas que nos afetam, mas o nosso juízo sobre as coisas”. Hoje isso é chamado de teoria cognitiva da emoção, que os estoicos descobriram, e forma a base da moderna Terapia Cognitiva Comportamental (TCC).
MN: É dito que o estoicismo foi a filosofia mais influente do império romano. Como ela impactou o mundo durante e depois dessa época da história?
DF: Os três mais famosos estoicos romanos foram Sêneca (4 AEC – 65 EC), Epicteto (50-135 EC), e Marco Aurélio (121 – 180 EC). E, diferente dos primeiros estoicos gregos, a maior parte de seus escritos nos chegaram.
Os escritos de Sêneca somam centenas de páginas, e são a mais compreensiva descrição da filosofia estoica que temos em qualquer escrito remanescente. Epicteto era um escravo grego que se tornou liberto, e que fundou sua própria escola de filosofia estoica em Roma, depois da morte de Sêneca. E, Marco Aurélio, certamente, era tanto um estudante da filosofia estoica quanto um imperador romano. Suas Meditações atualmente vendem mais de 100.000 cópias em inglês por ano. No que se refere à influência do estoicismo, podemos ver que ele foi aceito pelas pessoas, desde um escravo até um imperador romano. E sua influência continua hoje.
O estoicismo entrou em declínio depois de Marco Aurélio, mas foi muito influente durante o Renascimento italiano. Na verdade, Petrarca, o fundador do humanismo renascentista, lia um pouco de Sêneca todos os dias, o qual é um hábito que eu também desenvolvi.
Há cerca de uma década, ou um pouco mais, o interesse pelo estoicismo tem renascido no mundo de língua inglesa. Eu acho que isso acontece porque o nosso tempo se assemelha muito ao período helenístico e ao início do Império Romano. Em outras palavras, o nosso mundo se sente cada vez mais fora do controle. Esse foi o sentimento antes do Covid e antes da guerra na Ucrânia, e agora este mundo se sente ainda mais fora do controle. Um dos atrativos do estoicismo, penso eu, é que ele ensina às pessoas como viver uma vida boa, recompensadora e tranquila, independente do que esteja acontecendo no mundo, de forma geral. Outro aspecto que é atraente sobre o estoicismo é que algumas pessoas o veem como algo que se assemelha a uma forma de budismo ocidental.
O crescimento do interesse pelo estoicismo, porém, não está limitado apenas ao mundo de língua inglesa. Meu livro Café da Manhã com Sêneca, que é um guia para as ideias de Sêneca, dirigido a uma audiência geral, já foi impresso mundialmente em dezesseis línguas.
MN: Você é também reconhecido como um especialista na escola pitagórica e no pitagorismo. O que esta filosofia e escola de pensamento nos ensina hoje?
DF: De acordo com antigas descrições, Pitágoras foi o primeiro a se autodeclarar filósofo ou “amante da sabedoria”. Ele foi o primeiro a chamar o universo de kosmos, “uma boa ordem”. Apesar de não termos nenhum dos escritos originais de Pitágoras, eu acredito que nós temos acesso às suas mais importantes ideias, as quais podemos encontrar em Platão e em outros escritores, relacionadas a número, kosmos e harmonia.
Os pitagóricos acreditavam que o mundo tem uma estrutura matemática. Hoje, nós podemos ver isso nas proporções matemáticas da natureza e das coisas vivas, e nas leis matemáticas que nós descobrimos na natureza. Pitágoras disse que o universo é um kosmos, ou uma boa ordem, mas o motivo do porque é uma boa ordem, deve-se à harmonia e à proporção matemática. As partes de um ser vivo, ou de um prédio bem projetado, se harmonizam para criar o equilíbrio de toda a estrutura.
MN: Como esse tipo de pensamento filosófico é relevante e aplicável nos dias de hoje, no aspecto individual e no coletivo?
DF: Harmonia significa “encaixar”, e o próprio mundo, assim como os seres vivos, consistem da relação entre o todo e as partes. Harmonia dá origem ao equilíbrio. Porém, sem harmonia, a vida em si não existiria, porque a vida depende desses tipos de relacionamento. Isso torna o princípio da harmonia muito relevante.
Harmonia é também essencial para criar coisas bonitas, como edifícios. Os gregos e romanos eram muito conscientes desses princípios, os quais foram redescobertos na Renascença. Podemos usar a harmonia para entendermos muitas coisas sobre as obras da natureza. Mas nós também podemos usar a harmonia, do mesmo jeito que eles fizeram na Renascença, para criar um mundo que é equilibrado, satisfatório, e no qual vale a pena viver. O arquiteto renascentista Leon Battista Alberti entendeu a harmonia muito bem, e a descreveu dessa maneira: “Eu defino beleza como a harmonia de todas as partes […] encaixadas com tal proporção e conexão que nada pode ser acrescentado, diminuído ou alterado, exceto para pior”.
MN: Qual é o seu ponto de vista sobre o significado da vida?
DF: Eu entendo que o significado da vida não é uma teoria ou um conceito, mas uma experiência que nos ocorre quando nossas vidas fazem sentido. E a vida das pessoas faz sentido quando elas têm uma profunda conexão com uma realidade que vai além de nossa limitada individualidade. Essa realidade pode ser a sua família ou outras pessoas. Pode ser também a sociedade. Pode ser identificada em uma atitude de ajudar outras pessoas. Pode ser a natureza. Pode ser o universo como um todo. Para pessoas religiosas, a realidade pode ser Deus ou a dimensão espiritual dela mesma. Ou pode ser todas essas coisas juntas.
Fazer sentido significa que nós precisamos sentir uma conexão com uma realidade maior, que vai além da nossa limitada individualidade, porque se nós estamos isolados, não percebemos o significado – sentimos solidão. Este sentido de significado depende também de um tipo de harmonia. Como disse Sêneca: “A amizade cria entre nós uma parceria em todas as coisas […] Você deve viver para o outro se quiser viver para si mesmo”.
DF: Há cerca de doze anos eu comecei a ler Sêneca e desenvolvi um pequeno ritual de leitura de ler uma de suas cartas, matinalmente, durante o café da manhã.
A ideia da filosofia como uma arte de viver é um retorno a Sócrates, e Sêneca faz parte dessa tradição. Hoje, a filosofia se tornou muito especializada, muito intelectual e muito dissociada da vida diária. Sêneca, por sua vez, foca no lado prático da filosofia, ou em como a filosofia pode nos ajudar a lidar com importantes problemas da vida diária: em como superar emoções negativas como preocupação, ansiedade e ira; em como desenvolver um melhor caráter pessoal; em como lidar com contratempos e adversidades; em como entender a si mesmo e viver com autenticidade; e em muitos outros tópicos.
Sêneca não era somente um filósofo, era também um tipo de protopsicólogo que escreveu coisas que não eram identificadas até cinquenta anos atrás. Ele estava muito à frente do seu tempo. Ele também acreditava no poder da amizade e das relações pessoais para nos ajudar a nos tornarmos pessoas melhores e nos fazer progredir na vida e na filosofia. Você pode ver como isso era importante para Sêneca, porque cada um dos seus escritos filosóficos foram endereçados a uma pessoa – seja um amigo ou um membro da família.
MN: O que o pensamento clássico e a prática relacionada à política, tal como a República de Platão, nos oferece em termos de soluções para os desafios que o mundo enfrenta hoje?
DF: Um dos objetivos da República de Platão era definir a natureza da justiça, a qual está dentro de nós e na sociedade. Na República, Platão discute as outras virtudes cardinais: sabedoria, coragem e moderação. Estas quatro virtudes eram também essenciais para os estoicos. Se nós pudéssemos realmente entender essas quatro virtudes e colocá-las em prática, eu estou certo de que estaríamos vivendo em um mundo melhor. O objetivo de Platão, ao fundar a Academia, era o mesmo objetivo dos humanistas da Renascença. Ambos queriam criar líderes mais virtuosos para melhorar a sociedade.
MN: Você também escreveu anteriormente, “No mundo antigo, as ideias estoicas sobre a igualdade humana e companheirismo contribuíram para a ideia cristã primitiva da fraternidade universal na humanidade.” Fale-nos sobre essa fraternidade universal da humanidade e até que ponto algo dessa natureza é possível.
DF: Os estoicos acreditavam que todos os seres humanos possuem a faculdade da razão, ou o logos. A ideia de que somos criaturas racionais está também refletida no termo homo sapiens. Por causa dessa centelha de razão que possuímos, nascemos semelhantes uns aos outros, e somos irmãos e irmãs uns dos outros. Isso significa que somos todos membros de uma Cosmópolis, ou “uma comunidade global”.
Certamente, se você acredita que outros seres humanos são seus irmãos ou suas irmãs, você os tratará bem, com amor e respeito. Isso está intimamente relacionado à palavra latina humanitas, que significa, ao mesmo tempo, humanidade, bondade, benevolência, civilização e aprendizado.
Isso pode ser aplicado ao mundo real? Claro que pode. Mas precisamos, primeiro, nos identificar como seres humanos, antes de nos identificar com qualquer outro tipo de grupo, tribo ou nacionalidade. Antes de pensarmos em nossas diferenças, precisamos, primeiro, entender que somos parte de uma humanidade comum que nos une com os demais huma nos.
MN: Há alguns anos atrás você organizou um Simpósio sobre o futuro da educação e das humanidades, em Atenas, e visitou o local da Academia de Platão. Como foi seguir as pegadas de Platão, contemplar e discutir ideias em um lugar tão especial?
DF: Foi, finalmente, fantástico estar lá, porque muito tempo atrás, em 1996, eu fui contratado pela Ross School para escrever uma história da Academia de Platão e das outras escolas que nasceram dela. Isso é algo que muitos filósofos nunca pensaram a respeito: Por que Platão fundou a Academia e o que realmente aconteceu lá? Se você quer, realmente, entender Platão, acho que essas perguntas são essenciais.
Um motivo pelo qual eu me tornei tão interessado na Academia de Platão é porque ela era muito desprezada. O outro motivo é que eu tenho muito interesse pela filosofia da educação, e eu estou sempre insatisfeito com o tipo de sistema educacional que nós temos hoje. Por isso eu queria retornar ao princípio da educação no mundo ocidental e entender o que Platão estava tentando atingir ao estabelecer sua escola. Talvez, penso eu, poderíamos aprender algo de valor dessa experiência para melhorar a educação de hoje.
MN: Da forma que entendo, você, assim como outros estoicos e filósofos, incluindo Donald Robertson (com quem tivemos a oportunidade de conversar no ano passado), estão envolvidos no recém-lançado projeto do Centro da Academia de Platão. O que este projeto significa e o que o inspirou?
DF: Ele é, na verdade, um tipo de milagre, mas o Parque Academus, em Atenas, onde Platão fundou sua escola, sobreviveu por mais de 2.000 anos. Ele está rodeado por um bairro, mas é uma milagre histórico continuar sendo uma parque, e ninguém construiu casas sobre ele por um período de 230 séculos.
Há muito tempo, eu sonhava em oferecer um seminário em Atenas sobre as antigas escolas filosóficas de lá, começando com a Academia de Platão. Mas, então, Donald Robertson mudou-se para Atenas, e veio com essa grande ideia de criar um centro de conferência perto do local da Academia de Platão, o que tornava muito mais viável a possibilidade de fazer as coisas naquele lugar.
O objetivo do Centro Acadêmico de Platão não é reestabelecer a Academia de Platão. Certamente, precisaríamos de um Platão para isso. A ideia é criar um pequeno centro de conferência perto do Parque Academus, o qual irá sediar eventos relacionados à filosofia clássica. Existem, também, planos de criar um centro sobre o questionamento e o diálogo socrático, que foi o mais importante método educacional usado na Academia de Platão. Além de colocar a Academia de Platão “de volta ao mapa”, como eles dizem, as pessoas associadas ao projeto querem preservar o parque e seus sites arqueológicos e melhorar a economia da vizinhança em Atenas.
OL: Você acha que nós podemos usar essas ideias da filosofia clássica para ajudar a resolver os conflitos em nosso mundo muito polarizado de hoje?
DF: Sim, totalmente. Não há como negar que as pessoas são diferentes em muitas maneiras, algo que os filósofos antigos reconheceram: somos uma mistura de semelhanças e diferenças. Mas, no nível mais profundo, somos todos seres humanos, com as mesmas necessidades humanas. Todos nós queremos ter uma boa vida e viver em um mundo onde a justiça e a equidade são maiores do que a corrupção.
No pensamento dos pitagóricos, de Platão e dos estoicos, existia uma importante ênfase sobre a ideia de unidade como um princípio cósmico – e também sobre os tipos de coisas que nos unem, como seres humanos, como a ideia da cosmópolis. Então, deveríamos, primeiro, sempre pensar sobre a nossa humanidade comum e tentar nos engajar em um diálogo com as pessoas que pensam diferentemente, não necessariamente para mudar suas mentes, mas com o propósito de uma compreensão mútua.
Infelizmente, eu acho que muito da polarização social e política de hoje é dirigida pelos meios de comunicação e mídias sociais, porque esse tipo de polarização é muito lucrativa, mesmo que seja muito prejudicial. As pessoas que encorajam esse tipo de polarização, geralmente apelam para os piores aspectos da natureza humana, então eu quero fazer o oposto e explorar nossa humanidade comum. Eu estou convencido de que superar a polarização e realizar o ideal da unidade e igualdade humana – irmandade – é uma das tarefas mais urgentes de nosso tempo. Como disse Sêneca, “Elimine a comunhão e você irá destruir a unidade da raça humana, da qual nossa vida depende”.
(11) Conduz-me, ó Pai Excelso e Senhor do Mundo, Para onde quer que queiras, nenhum obstáculo impedir-me-á de seguir-te. Diligente, estarei junto a ti. E, caso eu não o queira fazer o que é possível ao intrépido, ainda assim seguir-te-ei, gemendo e infeliz. O Destino conduz quem lhe obedece e arrasta a quem lhe opõe resistência.
Professor Aldo Dinucci escreveu um interessante artigo sobre ostentação e estoicismo, inspirado na controvérsia do momento, o bife de ouro dos jogadores da copa.
Pessoalmente, não acho que o fato tenha muito significado, eu, jamais o comeria, não por virtude, mas por um defeito: Sou muito muquirana. Por mais dinheiro que tivesse, pagar milhares de reais por uma refeição ou vinho me será sempre inaceitável.
Aldo toca um ponto importante, o motivo que leva uma pessoa a pagar fortunas por algo efêmero:
“Assim, você pode até comer seu bife de ouro, mas isso obviamente contraria as recomendações de simplicidade do estoicismo e do cinismo, para os quais a genuína felicidade não advém da luxúria. Além disso, se você comer o tal bife de ouro para se exibir, mostrará que vive em função das opiniões alheias, deixando a si mesmo de lado e vivendo em função dos outros. No primeiro caso, você tornará sua vida mais difícil por se fazer dependente de coisas caras e inúteis. No segundo, será infeliz por fazer sua própria felicidade depender de opiniões alheias e não de seus próprios anseios decorrentes de sua natureza.”
Sêneca aparentemente consideraria a iguaria algo indiferente, ele diz que é sinal de uma alma instável não poder tolerar riquezas:
“Os homens descobrirão que somos diferentes do rebanho comum se olharem de perto. Se eles nos visitam em casa, eles devem nos admirar, ao invés de admirar nossas mobílias. É um grande homem quem usa pratos de barro como se fossem de prata; mas é igualmente grande quem usa prataria como se de barro fosse. É o sinal de uma alma instável não poder tolerar riquezas.”
Ultimamente chamou nossa atenção o restaurante no Qatar no qual peças de carne assada cobertas de ouro são servidas com grande estardalhaço. Mas afinal o que há de errado com bifes cobertos de ouro? Quem tem dinheiro de sobra não tem o direito de ir ao tal restaurante e gastar o quanto quiser? O que diriam os estoicos antigos sobre isso? O que diria o cínico Diógenes, o cão, sobre o caso dos bifes de ouro do Qatar?
O primeiro ponto que eu destaco é a ligação entre o estoicismo e o cinismo que se revela primeiramente pela busca por simplicidade e descomplicação na vida. Diógenes pode ser visto como um Sócrates levado aos extremos, que busca a felicidade apostando literalmente na pobreza. É possível ser feliz com pouco, seria um dos lemas da filosofia de Diógenes. Assim, segundo uma anedota que nos chegou, Diógenes, ao ver um menino tomando água na fonte com as mãos em concha, jogou fora seu copo dizendo que um simples garoto lhe ensinaraque mesmo ele, Diógenes, tinha coisas supérfluas. E coisa semelhante ocorreu ao ver um menino comendo lentilhas sobre um pão ázimo, o que fez o Cão lançar fora seu prato.
O estoico etrusco Musônio Rufo reflete a partir dessas mesmas premissas. Para este filósofo, o luxo nas residências é desprovido de sentido, significando recursos desperdiçados e não representando qualquer ganho seja para o proprietário da casa seja para a comunidade em que vive:
Já que, em razão da proteção, também fazemos as casas, <Musônio> disse que é preciso construí-las tendo em vista a necessidade do uso, como prevenir o frio, o excesso de calor; ser, para os que precisam, proteção contra o sol e contra os ventos. Em geral, é preciso que a casa nos supra o mesmo que uma caverna natural que possua abrigo adequado ao homem pode suprir. E se efetivamente possui <espaço> extra, [19.35] este será uma conveniente dispensa para o alimento próprio aos seres humanos. Para que o peristilo no pátio? Para que as paredes douradas? Para que as abóbadas cobertas de ouro? Para que pedras dispendiosas, umas combinando-se no chão, outras pressionadas nos muros, outras ainda trazidas de bem longe e a grandes expensas? [19.40] Não são todas essas coisas extravagantes e desnecessárias, <coisas> sem as quais se pode tanto viver quanto ser saudável? E que dão muito trabalho, sendo obtidas com muito dinheiro, com o qual alguém poderia ser benfeitor de muitos homens, tanto pública quanto particularmente? (Musônio, Diatribe 19)[1]
Essa reflexão se estende aos utensílios domésticos, que devem também tão somente cumprir as funções para as quais foram originalmente concebidos:
Também consoante e congênere ao caráter dispendioso da casa se figuram as coisas relativas ao mobiliário dela – leitos, mesas, tapeçarias, taças e coisas de tal qualidade, que ultrapassam por completo a precisão e vão além da necessidade. Leitos de marfim e prata ou, por Zeus, dourados; mesas de material semelhante; cobertores de cor púrpura e de outras cores difíceis de achar; taças feitas de ouro e prata, de pedra ou de materiais semelhantes à pedra, que competem quanto ao custo com as feitas de prata e ouro. E todas essas coisas obtidas com esforço! Uma pequena cama não nos oferece <algo> pior do que um leito inclinado de prata ou um leito de marfim. E é mais do que suficiente cobrir-se com um casaco de pele de cabra, de modo que não se precisa de um casaco de cor púrpura ou escarlate. E como não deixar de desejar uma mesa de prata quando nos é possível comer, sem risco, em uma mesa de madeira? E, certamente, por Zeus, é possível beber em copos de barro, pois naturalmente mata-se a sede com eles do mesmo modo que com os de ouro. O vinho nos copos de barro não tem sabor contaminado e possui aroma mais prazeroso que nos copos de ouro ou de prata. (Musônio, Diatribe 20)[2]
Epicteto também fala em termos semelhantes no Manual, ao afirmar que:
A medida das posses para cada um é o corpo, assim como o pé é a medida para a sandália. Se te fixares sobre essa regra, observarás a <justa> medida. Mas, se a violares, serás no fim necessariamente conduzido ao abismo. Do mesmo modo também em relação à sandália: se violares a regra para além do que pede o pé, tornando dourada a sandália, depois púrpura, depois adornada. Pois não há limite para o que uma única vez ultrapassa a medida. (Epicteto, Manual, 39. Excerto de Epicteto, Manual Edição original de 2007 – Tradução dos originais em grego: Aldo Dinucci)
Mas qual limite é ultrapassado aqui? Por que uma vida mais simples seria melhor que uma existência luxuriosa e de ostentação? Por que uma casa ou um utensílio não podem ser adornados indo além daquilo para o que foram originalmente pensados? Não seriam os estoicos e os cínicos muito chatos e sem graça com suas recomendações sobre simplicidade de vida? Por que afinal não seria bom e louvável sair por aí ostentando riqueza, beleza, poder[3]?
Podemos refletir sobre isso a partir do sentido da palavra ostentação, que vem do latim ostentare, que significa expor à vista, exibir, mostrar. Ora, podemos dizer que quem ostenta quer obter algum tipo de felicidade por meio da ostentanção, fazendo sua felicidade depender dos juízos alheios sobre sua pessoa. Quem ostenta pensa algo como: Mostrarei minha riqueza e todos me admirarão! E essa admiração me fará feliz! O que Diógenes e os estoicos percebem é que essa ideia é equivocada e parte de uma concepção igualmente equivocada sobre o que é o ser humano, segundo a qual a felicidade dos humanos depende de poder, beleza, riqueza, coisas que, para esses filósofos, são indiferentes, porque podem ser bem ou mal usadas. Assim, a riqueza mal usada trará infelicidade. E o mesmo vale para os outros indiferentes, que nada mais são que materiais a partir dos quais podemos construir nossa felicidade ou nossa infelicidade. Para Diógenes e os estoicos, o que distingue um ser humano dos demais é uma certa sabedoria, sabedoria esta que permite fazer bom uso das coisas indiferentes. Assim, o erro de quem ostenta é achar que será feliz ostentando, que os demais o admirarão, quando, na verdade, colherá em geral inveja e se fará dependente dos juízos alheios, dependência que é, na verdade, a fonte suprema ae infelicidade, pois leva o humano a agir de acordo com o que ele acha que irá agradar os outros e não fazer aquilo que em seu íntimo ele intui que o fará feliz.
Assim, você pode até comer seu bife de ouro, mas isso obviamente contraria as recomendações de simplicidade do estoicismo e do cinismo, para os quais a genuína felicidade não advém da luxúria. Além disso, se você comer o tal bife de ouro para se exibir, mostrará que vive em função das opiniões alheias, deixando a si mesmo de lado e vivendo em função dos outros. No primeiro caso, você tornará sua vida mais difícil por se fazer dependente de coisas caras e inúteis. No segundo, será infeliz por fazer sua própria felicidade depender de opiniões alheias e não de seus próprios anseios decorrentes de sua natureza.
Creio que Diógenes, o Cão, sintetiza magistralmente essa minha reflexão em uma performance cuja notícia nos chegou e que parafraseio assim: Um dia, Diógenes foi convidado para ir à mansão de um homem rico, que ia lhe mostrando os caríssimos objetos de sua residência à medida em que atravessavam os corredores. “Vês essa estátua”, disse o ricaço, “é um bronze de Corinto, não cuspas nela”. “Vês esse tapete”, observou o nababo, “é de confecção caríssima, não cuspas nele”. “Vês esse jarro”, acrescentou o ostentador, “é raro e antiquíssimo. Não cuspas nele por favor”. Então, Diógenes juntou bastante cuspe em sua boca, e quando já tinha uma boa quantidade do pegajoso líquido, cuspiu-o todo bem no meio da cara do milionário, que, estupefato, lhe indagou por que cargas d´água fizera tal coisa. E Diógenes lhe respondeu: “Sua cara foi o lugar mais ordinário que encontrei em sua casa”. Moral da estória: aquele que busca validação exibindo seu poder e sua riqueza mostra que não tem realmente nada de bom em termos humanos a oferecer, tornando-se uma pessoa fútil e patética e perdendo todo o valor para si mesmo e para os demais enquanto ser humano.
Entretanto, há um ponto adicional que deve ser observado e que para mim é o mais importante. Uma coisa é ostentar em um sociedade na qual as pessoas possuem o mínimo para viver. Outra bem diferente é ostentar diante de miseráveis e famintos, como muitos brasileiros abastados fazem costumeiramente no Brasil e alhures. Um dos temas fundamentais do estoicismo é a questão do afeto e da empatia em relação aos demais seres humanos: Hiérocles de Rodes observa que um dos objetivos dessa filosofia é fazer com que o afeto natural que temos por nós mesmos e por nossos familiares e pessoas próximas se estenda aos demais cidadãos de nossa cidade e de nosso país, alcançando em última análise a todos os humanos de modo a serem reconhecidos então como nossos irmãos e irmãs em humanidade[4]. Assim, banquetear-se às vistas de pessoas famintas e ostentar luxúria diante de miseráveis é uma demonstração clara de falta de empatia, de sensibilidade e de humanidade –enfim, em termos estoicos, uma evidente demonstração de profunda ignorância. E alguém poderia indagar: o tanto de dinheiro gasto em um banquete resolveria o problema da fome e da miséria em nosso país? Certamente que não, mas pelo menos quem deixasse de lado essas demonstrações de ostentação, extravagância e luxúria, empregando esses recursos para matar a fome mesmo que fosse de umas poucas pessoas, mostraria que não é totalmente insensível ao sofrimento humano. Essa pessoa mostraria a si mesma e aos demais que a sobrevivência digna daqueles que o circundam também lhe diz respeito e o afeta, e que é capaz de amá-los e vê-los como seus irmãos e irmãs.
Continuando a série sobre frases destacadas pelos leitores do Amazon Kindle, apresentamos a 3° mais destacada, grifada por mais de 1600 leitores do livro Cartas de um Estoico, de Sêneca.
“Nenhuma coisa boa é agradável de possuir, sem amigos para compartilhá-la.”
Esta carta é realmente incrível, uma de minhas prediletas. Gosto muito do final:
“Que progresso, você pergunta, eu fiz? Eu comecei a ser um amigo de mim mesmo.” Isso foi realmente um grande auxílio; tal pessoa nunca pode estar sozinha.