Extra: Carta 107: Espera por tudo / tradução de Aldo Dinucci

Temos uma excelente novidade! Um pouco de variação.
Quem acompanha o blog sabe que publicamos 99 cartas de Sêneca, traduzidas do inglês por Alexandre Vieira.

Recentemente o professor Aldo Dinucci lançou livro com tradução direto do latim de Cartas Selecionadas. Ao ler irão perceber estilo muito mais conciso e próximo do original de Sêneca. Não irei comentar a carta, mas trazer a pequena introdução que Aldo nos enviou:

Pessoal, pretendi fazer um manual de Sêneca com a minha tradução destas nove cartas do Latim. Sêneca me ajudou muito em um período muito difícil de minha vida. Esse livro é minha homenagem a quem considero um dos mais poderosos intelectuais (filósofo, dramaturgo, poeta, humorista, político) de todos os tempos. Meu objetivo é que seu pensamento continue ajudando quantas pessoas dele necessitarem. Saudações a todos.
Aldo Dinucci.

Professor Doutor em Logica & Filosofia – Universidade Federal de Sergipe

Cartas Selecionadas está disponível em papel e formato digital.

(imagem Boulanger Gustaveo mercado de escravos)


Carta CVII – Espera por tudo (Omnia Exspecta)

Sêneca saúda seu amigo Lucílio.

(1) Onde está aquela tua prudência? Onde está a sagacidade nas coisas que se devem discernir? Onde está a grandeza de alma? Já as pequenas coisas te afligem? Teus servos viram, em tuas ocupações, a oportunidade para a fuga. Se os amigos te enganaram, que tenham então este nome, o qual nosso erro lhes colocou de modo impensado. E que sejam assim chamados, para que seja mais vergonhoso não o serem. Pois bem, há algo a menos dentre as tuas coisas: aqueles amigos, que agora te faltam, são aqueles que destruíam a tua obra e te consideravam molesto aos demais.

(2) Nenhuma destas coisas é insólita, nenhuma inesperada. Ofender-te com estas coisas é tão ridículo quanto te queixares porque caíste em público ou porque te sujaste na lama. A mesma condição tem a vida, o banho público, a multidão, a viagem: algumas coisas serão atiradas em ti, algumas coisas acontecerão. Não é coisa delicada viver. A uma longa viagem vieste e é necessário que escorregues, que tropeces, que caias, que te canses e que exclames: “Ó Morte!”, isto é, é necessário que mintas. Num lugar, deixarás para trás um companheiro; noutro, sepultarás um; noutro ainda, terás medo; deste modo, por entre ferimentos, é necessário atravessar esta difícil viagem. (3) Deseja alguém morrer? Que seu espírito esteja preparado contra todas as coisas; que saiba, por si mesmo, que chegou onde estronda o trovão. Que saiba por si mesmo que chegou onde…

Perdas e Vingança estabeleceram seus quartéis de governo
E pálidas e tristes doenças e a velhice habitam[1].

Nesta morada, é necessário gastar a vida. Escapar dela não podes, desprezá-la podes. (4) Desprezarás, porém, se muitas vezes pensares e conjecturares as coisas futuras. Todos mais corajosamente atravessam aquilo para o que durante muito tempo se prepararam, e, do mesmo modo, resistem se previamente refletem sobre os obstáculos. Por outro lado, teme-se muito aquilo contra o que não se preparou, mesmo as coisas fúteis.  Isto é necessário fazer: que nada seja para nós inesperado. E, porque todas as coisas são mais graves por <serem> novidades, a reflexão constante te defenderá disso – assim, peço-te que, de modo algum, ajas como um mau recruta.

(5) “Os servos me deixaram”. A outro roubaram, a outro falsamente acusaram, a outro assassinaram, a outro traíram, a outro esmagaram, a outro envenenaram, a outro atingiram com falsa acusação: o que quer que digas, aconteceu a muitos. Em seguida, <é preciso que saibas que> muitos e variados dardos há e são dirigidos a nós. Alguns estão fixados em nós, alguns são lançados e chegam com força máxima, (6) alguns, que vão atingir outros, resvalam em nós.

(6) Em nada nos admiremos destes <dardos>, para os quais nascemos; os quais, por esta razão, de modo algum devem ser lamentados, porque são pátria para todos. Assim, digo que são iguais <para todos>, pois também se pode sofrer daquilo do que se escapa. Além disso, uma lei equitativa é o que é estabelecido para todos, não o que ocorre para todos. Que seja prescrita equidade ao espírito e que paguemos, sem queixas, os tributos de nossa condição mortal.

(7) O inverno faz vir o frio: é necessário gelar. O tempo traz de novo o calor: é necessário arder. A intempérie do céu provoca a saúde: é necessário adoecer. Uma fera em algum lugar se aproximará de nós, e também um homem mais pernicioso que todas as feras. Algo a água, algo o fogo retirar-nos-á. Esta condição das coisas não podemos mudar. Mas isto podemos <fazer>: adotar um espírito elevado e digno do homem nobre para (8) que corajosamente suportemos as coisas fortuitas e nos harmonizemos com a Natureza. A Natureza tempera este reino que vês com as mutações: o céu sereno sucede ao coberto de nuvens; agitam-se os mares com a condição de que se acalmem; parte do céu se ergue, parte imerge. A eternidade das coisas consiste nos contrários.

(9) É necessário que nosso espírito se adapte a esta lei; é necessário que siga esta lei, que a obedeça. E, o que quer que aconteça, é necessário que pense ter devido acontecer e que não deseje repreender a natureza, que siga a Divindade, da qual todas as coisas provêm.

Mau soldado é quem (10) segue gemendo o comandante. Portanto, cheios de ardor e diligentes, recebamos as ordens e não desertemos o curso desta belíssima obra à qual foi entrelaçada o que quer que teremos de suportar. E deste modo, exortemos a Júpiter, cujo governo é ornador dessa imensidade, da mesma maneira que nosso Cleantes o exorta através de versos mais que eloquentes, versos os quais me é permitido traduzir para o nosso idioma, a exemplo de Cícero, mais eloquente dos homens. Se te agradarem, aprová-los-á, se te desagradarem, saberás que aqui segui o exemplo de Cícero:

(11) Conduz-me, ó Pai Excelso e Senhor do Mundo,
Para onde quer que queiras, nenhum obstáculo impedir-me-á de seguir-te.
Diligente, estarei junto a ti. E, caso eu não o queira fazer
o que é possível ao intrépido, ainda assim seguir-te-ei, gemendo e infeliz.
O Destino conduz quem lhe obedece e arrasta a quem lhe opõe resistência.

(12) Que vivamos assim, que falemos assim; que o destino nos encontre prontos e diligentes. Eis o espírito elevado que confiou a si mesmo ao destino. E, em oposição a ele, o fraco e degenerado, que luta contra e julga mal a ordem do mundo e prefere corrigir os Deuses que a si mesmo.

Adeus.


[1] Virgílio, Eneida, vi, 274 ss.