Carta 74: Sobre a Virtude como Refúgio de Distrações Mundanas

Na carta 74 Sêneca fala longamente sobre a Virtude e porque ela é o bem absoluto. Diz que não devemos depender da fortuna, pois aquilo que ela nos dá também retira e compara as dádivas da Fortuna com as moedas atiradas ao público nos jogos de gladiadores:

“O homem mais sensato, portanto, assim que vê a oferenda sendo trazida, sai do local; pois ele sabe que se paga um alto preço por pequenos favores.” (LXXIV, 7)

Ele usa a imagem do círculo para explicar a virtude é suficiente, mesmo na falta de um objeto externo onde se manifestar:

“Se você desenhar um círculo maior ou menor, seu tamanho afeta sua área, não sua forma. …. O que é reto não é julgado pelo seu tamanho, nem pelo seu número, nem pela sua duração; não pode ser mais longo do que pode ser feito mais curto. Reduza a vida honrosa dos cem anos completos a um único dia; é igualmente honrada.” (LXXIV, 27)

Ou seja, a felicidade está centrada em um lugar, na própria mente, in ipsa mente:

“Pois a felicidade tem sua morada em um só lugar, ou seja, na própria mente, e é nobre, firme e calma;” (LXXIV, 29)

Conclui a carta voltando novamente ao ensinamento de reduzir a ansiedade com relação ao futuro:

“O homem a quem foi dito que terá de suportar a tortura daqui a cinquenta anos não fica perturbado, a menos que tenha saltado ao longo dos anos que se passaram e se projetado no problema no qual está destinado a chegar uma geração mais tarde.” (LXXIV, 34)

Imagem,  Pollice Verso por Jean-Léon Gérôme.


LXXIV. Sobre a Virtude como Refúgio de Distrações Mundanas

Saudações de Sêneca a Lucílio.

  1. Sua carta me deu prazer, e despertou-me de letargia. Também despertou minha memória, que tem estado por algum tempo indolente e sem energia. Você tem, naturalmente, razão meu caro Lucílio, ao considerar que o principal meio de alcançar a vida feliz consiste em acreditar que o único bem está naquilo que é honroso. Pois quem julga que outras coisas são boas, se coloca sob o poder da Fortuna e passa ao controle de outro; mas aquele que em todos os casos definiu o Bem pelo honroso, está feliz com uma felicidade interior.
  2. Um homem se entristece quando seus filhos morrem; outro fica ansioso quando adoece; um terceiro é amargurado quando faz algo vergonhoso, ou sofre uma mácula em sua reputação. Um homem, você observará, é torturado pela paixão pela esposa de seu vizinho, outro pela paixão por si mesmo. Você vai encontrar homens que ficam completamente chateados por falhar em ganhar uma eleição, e outros que são realmente atormentados pelos postos que ganharam.
  3. Mas a maior multidão de homens infelizes entre o exército dos mortais é aquela que a expectativa da morte, que os ameaça continuamente, desespera. Pois não há um canto do qual a morte não possa aproximar. Assim, como os soldados que patrulham no país do inimigo, devem olhar em todas as direções e virar a cabeça em cada som; a menos que o peito se livre desse medo, vive-se com um coração palpitante.
  4. Você se lembrará prontamente daqueles que foram levados ao exílio e despojados de suas propriedades. Você também se lembrará (e este é o tipo mais grave de destituição) daqueles que são pobres no meio de suas riquezas. Você recordará dos homens que sofreram um naufrágio, ou daqueles cujos sofrimentos se assemelham ao naufrágio; pois eles estavam tranquilos e sossegados, quando a raiva ou talvez a inveja da população – um míssil mais mortal para os que estão em lugares altos – os desmantelaram como uma tempestade que costuma surgir quando alguém está mais confiante de uma calma contínua, ou como um súbito golpe de relâmpago que faz com que a região ao seu redor trema. Pois bem como qualquer um que está perto do relâmpago é atordoado e se assemelha a um que é atingido, assim nestes surtos súbitos e violentos, embora apenas uma pessoa seja esmagada pelo desastre, o resto é dominado pelo medo, e a possibilidade de que possam sofrer os faz tão abatidos como o sofredor real.
  5. Todo homem é perturbado em espírito por males que vêm de repente sobre o seu próximo. Como os pássaros, que se acovardam mesmo ao zunir de uma funda vazia, somos distraídos por meros sons, bem como por golpes. Nenhum homem, portanto, pode ser feliz se ele se rende a tais fantasias tolas. Pois nada traz felicidade a menos que também traga a calma; é um tipo ruim de existência aquela que é gasta em apreensão.
  6. Quem se entregou em grande parte ao poder da Fortuna fez para si mesmo uma enorme rede de inquietação, da qual não pode se libertar; se alguém pudesse ganhar um caminho para a segurança, não há senão um único caminho – desprezar os externos e contentar-se com o que é honroso. Para aqueles que consideram qualquer coisa melhor do que a virtude, ou acreditam que há algum bem, exceto a virtude, estão abrindo seus braços para reunir aquilo que a Fortuna lança ao exterior, e estão esperando ansiosamente seus favores.
  7. Imagine agora para si mesmo que a Fortuna está realizando uma festa, e está jogando honras, riquezas e influência sobre esta multidão de mortais; alguns destes presentes já foram retirados das mãos daqueles que tentam lhes arrebatar, outros foram divididos por parcerias traiçoeiras, e outros ainda foram apreendidos para o grande detrimento daqueles em cuja posse eles chegaram. Alguns desses favores caíram sobre os homens enquanto estavam distraídos; outros foram perdidos por seus perseguidores porque estavam arrebatando muito ansiosamente por eles, e, apenas porque eles foram avidamente tomados, foram derrubados de suas mãos. No entanto, entre todos eles não há um homem, nem mesmo aquele que teve sorte no espólio que recebeu, cuja alegria por seu saque durou até o dia seguinte. O homem mais sensato, portanto, assim que vê a oferenda sendo trazida[1], sai do local; pois ele sabe que se paga um alto preço por pequenos favores. Ninguém vai lutar com ele no caminho para fora, ou golpeá-lo ao seu partir; a disputa ocorre onde os prêmios estão.
  8. Da mesma forma, com os presentes que a Fortuna lança para nós; desgraçados que somos, ficamos excitados, ficamos despedaçados, desejamos ter muitas mãos, agora olhamos para trás nessa direção e agora naquela. Tudo muito lentamente, como nos parece, os presentes são jogados em nossa direção; eles apenas excitam nossos anseios, já que somente podem chegar a poucos e são esperados por todos.
  9. Estamos ansiosos por interceptá-los ao caírem. Nós nos regozijamos se tivermos segurado alguma coisa; e alguns são zombados pela esperança vazia de conseguir algo; nós pagamos um preço alto pelo ganho sem valor com alguma desvantagem para nós mesmos, ou então somos defraudados e ficamos à ruína. Vamos, portanto, retirar-nos de um jogo como este, e dar lugar à ralé gananciosa; deixe-os procurar tais “bens”, que penduram suspenso acima deles, e ficarem eles mesmos ainda mais em ansiedade.
  10. Quem se decidir a ser feliz deve concluir que o bem consiste apenas no que é honroso. Pois, se ele considera qualquer outra coisa como boa, ele está, em primeiro lugar, passando um julgamento desfavorável sobre a Providência por causa do fato de que os homens honrados muitas vezes sofrem desgraças, e que o tempo que nos é atribuído é curto e escasso, se comparado com a eternidade que é atribuída ao universo.
  11. É resultado de queixas como essas que não somos gratos em nossos comentários aos presentes do céu; queixamos porque eles nem sempre são concedidos a nós, porque eles são poucos e incertos e fugazes. Portanto, não temos a vontade nem de viver nem de morrer; somos possuídos pelo ódio à vida e pelo medo da morte. Nossos planos estão todos ao mar, e nenhuma quantidade de prosperidade pode nos satisfazer. E a razão para tudo isso é que ainda não atingimos esse bem que é imensurável e insuperável, no qual todos os desejos de nossa parte devem cessar, porque não há lugar além do mais alto.
  12. Você pergunta por que a virtude não precisa de nada? Porque está satisfeita com o que tem, e não cobiça o que não tem. O que é suficiente é abundante aos olhos da virtude. Divirja deste julgamento, e dever e lealdade não permanecerão. Pois aquele que deseja exibir estas duas qualidades deve suportar muito que o mundo chama de mal; devemos sacrificar muitas coisas às quais somos viciados, pensando que são bens.
  13. A coragem desaparece, pois deve ser continuamente testada. Desaparece a grandeza da alma, que não pode se destacar claramente a menos que tenha aprendido a desprezar como trivial tudo o que a multidão cobiça como supremamente importante; e desparece a bondade e a retribuição da bondade, se temermos o trabalho, se tivermos reconhecido algo como mais precioso do que a lealdade, se os nossos olhos estão fixos em qualquer coisa que não seja o melhor.
  14. Mas para ultrapassar estas perguntas: ou esses chamados bens não são bens, ou então o homem é mais afortunado do que Deus, porque Deus não usufrui das coisas que nos são dadas. Pois a luxúria não pertence a Deus, nem banquetes elegantes, nem riquezas, nem nenhuma das coisas que atraem a humanidade e a conduzem pela via do prazer degradante. Portanto, não é incrível que haja bens que Deus não possua, senão que o próprio fato de que Deus não os possua é em si mesmo uma prova de que essas coisas não são bens.
  15. Além disso, muitas coisas que costumam ser consideradas como bens são concedidas aos animais em maior quantidade do que aos homens. Os animais comem o seu alimento com melhor apetite, não são em mesmo grau enfraquecidos pela indulgência sexual, e têm uma constância maior e mais uniforme em sua força. Consequentemente, eles são muito mais afortunados que o homem. Porque não há maldade, nem ofensa a si mesmos, no seu modo de viver. Eles desfrutam de seus prazeres e os aproveitam com mais frequência e facilidade, sem qualquer medo que resulte da vergonha ou do arrependimento.
  16. Assim sendo, você deve considerar se alguém tem o direito de chamar qualquer coisa boa naquilo em que Deus é superado pelo homem. Limitemos o Bem Supremo à alma; ela perde o seu significado se for tirada da melhor parte de nós e aplicada ao pior, ou seja, se for transferida para os sentidos; pois os sentidos são mais ativos em criaturas estupidas. A soma total de nossa felicidade não deve ser colocada na carne; os bens verdadeiros são aqueles que a razão concede, substanciais e eternos; eles não podem decair, nem podem decrescer ou serem diminuído.
  17. As outras coisas são bens de acordo com a opinião, e embora sejam chamadas pelo mesmo nome dos bens verdadeiros, a essência da bondade não está nelas. Vamos chama-las, portanto, de “vantagens”, e, para usar nosso termo técnico, “coisas preferidas”. Reconheçamos, contudo, que elas são nossa mobília, não partes de nós mesmos; e deixe-nos tê-las em nossa posse, mas tome cuidado para lembrar que elas estão fora de nós. Mesmo que elas estejam em nossa posse, elas devem ser contadas como coisas subordinadas e insignificantes, cuja posse não dá a ninguém o direito de se gabar. Pois o que é mais tolo do que ser autocomplacente sobre algo que não foi realizado por seus próprios esforços?
  18. Que tudo isso seja acrescentado a nós, mas não nos apeguemos, para que, se for retirado, possa ir embora sem rasgar qualquer parte de nós. Vamos usar essas coisas, mas não nos gloriemos delas, e vamos usá-las com moderação, como se fossem dadas para guarda e sabendo que serão retiradas. Qualquer um que não empregar a razão em sua posse dessas coisas nunca as mantém por longo tempo; porque a prosperidade, se não controlada pela razão, se sobrepõe. Se alguém depositar sua confiança em bens que são fugazes, logo é privado deles, e, para evitar ser privado, sofre angústia. Poucos homens têm a sorte de deixar a prosperidade suavemente. Todos os demais caem, juntamente com as coisas com as quais se tornaram eminentes, e são atormentados pelas mesmas coisas que antes os exaltaram.
  19. Por esta razão, a previsão deve ser posta em prática, para insistir num limite ou na frugalidade no uso dessas coisas, uma vez que o uso desmedido subverte e destrói sua própria abundância. Aquilo que não tem limite nunca resistiu, a menos que a razão, que estabelece limites, tenha mantido o controle. O destino de muitas cidades provará a verdade disto; sua influência cessou no auge porque foram dadas ao luxo, e o excesso arruinou tudo o que havia sido ganhado pela virtude. Devemos nos fortalecer contra tais calamidades. Mas nenhum muro pode ser erguido contra a Fortuna que ela não possa tomar por tempestade; fortaleçamos nossas defesas internas. Se a parte interna estiver segura, o homem pode ser atacado, mas nunca capturado. Você quer saber qual é essa arma de defesa?
  20. É a capacidade de evitar se desgastar por tudo o que acontece a você, de saber que os próprios agentes que parecem trazer prejuízo estão trabalhando para a preservação do mundo e fazem parte do esquema para levar à realização da ordem do universo e suas funções. Que o homem esteja satisfeito com tudo o que agrada a Deus; que se maravilhe de si mesmo e de seus próprios recursos, por esta mesma razão, que não pode ser vencida, que tem os poderes do mal sujeitos a seu controle e que traz à sujeição o acaso, a dor e o mal por meio daquele mais forte dos poderes – a razão.
  21. Ame a razão! O amor à razão o armará contra as maiores dificuldades. Animais selvagens se arremessam contra a lança do caçador pelo amor a seus filhotes, e é a sua selvageria e sua investida sem premeditação que os impedem de serem domados; muitas vezes um desejo de glória tem despertado a mente da juventude para desprezar a espada e a estaca; a mera visão e aparência da virtude impelem certos homens a uma morte auto imposta. Na proporção em que a razão é mais firme e constante do que aliada as emoções, tanto mais fortemente ela trilhará seu caminho através de terrores e perigos.
  22. Os homens nos dizem: “Você está enganado se você sustenta que nada é um bem exceto o que é honroso, uma apologia como esta não vai fazer você seguro contra a Fortuna e livre de seus assaltos. Pois você defende que um país bem governado e bons pais, devem ser considerados como bens, mas você não pode ver esses objetos queridos em perigo e ainda estar você mesmo à vontade. Sua calma será perturbada por um cerco conduzido contra o seu país, pela morte de suas crianças, ou pela escravização de seus pais.”
  23. Em primeiro lugar, declararei o que os estoicos costumam responder a esses objetores, e então acrescentarei uma resposta adicional, que na minha opinião, deve ser dada. A situação é inteiramente diferente no caso de bens cuja perda implica em alguma dificuldade substituída em seu lugar; por exemplo, quando uma boa saúde é prejudicada há uma mudança para a má saúde; quando o olho é furado, somos visitados pela cegueira; não só perdemos nossa velocidade quando os músculos das pernas são cortados, mas a fraqueza toma o lugar da velocidade. Mas esse perigo não está envolvido no caso dos bens a que nos referimos há pouco. E por que se eu perdi um bom amigo, não tenho nenhum falso amigo que deva aturar em seu lugar; nem se eu enterrei um filho obediente, devo enfrentar em troca a conduta malcomportada.
  24. Em segundo lugar, isto não significa para mim o afastamento de um amigo ou de uma criança; é o mero decolar de seus corpos. Mas um bem pode ser perdido de uma só maneira, mudando para o que é ruim; e isso é impossível de acordo com a lei da natureza, porque toda virtude, e toda obra de virtude, permanece incorruptível. Novamente, mesmo se os amigos tiverem perecido, ou filhos de bondade comprovada, há algo que pode preencher seu lugar. Você pergunta o que é isso? É o que os fez bons em primeiro lugar, ou seja, a virtude.
  25. A virtude não preenche nenhum espaço em nós para ser desocupado; ela toma posse de toda a alma e remove todo sentimento de perda. Só isso é suficiente; pois a força e o princípio de todos os bens existem na própria virtude. O que importa se a água corrente é cortada, desde que a fonte de onde nasce esteja ilesa? Você não vai sustentar que a vida de um homem é mais justa se seus filhos são ilesos do que se eles morreram, nem ainda melhor empregado, nem mais inteligente, nem mais honrado; portanto, não melhor, tampouco. O acréscimo de amigos não torna mais sábio, nem o seu afastamento torna-o mais tolo; portanto, nem mais felizes nem mais miseráveis. Enquanto a sua virtude estiver ilesa, você não sentirá a perda de nada que tenha sido retirado de você.
  26. Você pode dizer: “Convenhamos, não é um homem mais feliz quando se ajeita com uma grande companhia de amigos e crianças?” Por que isso deveria ser assim? Pois o bem supremo não é prejudicado nem aumentado; ele permanece dentro de seus próprios limites, não importa como a Fortuna se conduziu. Se uma longa velhice cai na sua fortuna, ou se o fim vem deste lado da velhice – a medida do Bem Supremo é invariável, apesar da diferença de anos.
  27. Se você desenhar um círculo maior ou menor, seu tamanho afeta sua área, não sua forma. Um círculo pode permanecer como é por um longo tempo, enquanto você pode contrair o outro imediatamente, ou mesmo fundi-lo completamente com a areia em que foi desenhado, mas cada círculo teve a mesma forma. O que é reto não é julgado pelo seu tamanho, nem pelo seu número, nem pela sua duração; não pode ser mais longo do que pode ser feito mais curto. Reduza a vida honrosa dos cem anos completos a um único dia; é igualmente honrada.
  28. Às vezes a virtude é generalizada, governando reinos, cidades e províncias, criando leis, desenvolvendo amizades e regulando os deveres que mantêm bem entre parentes e filhos; Outras vezes é limitada pelos estreitos limites da pobreza, do exílio ou da privação. Mas não é menor quando é reduzida de alturas mais orgulhosas a uma estação individual, de um palácio real a uma habitação humilde, ou quando de uma jurisdição geral e ampla é recolhida aos limites estreitos de uma casa particular ou de um canto minúsculo.
  29. A virtude é igualmente grande, mesmo quando recua dentro de si mesma e está bloqueada por todos os lados. Pois seu espírito não é menos grande e reto, sua sagacidade não menos completa, sua justiça não menos inflexível. É, portanto, igualmente feliz. Pois a felicidade tem sua morada em um só lugar, ou seja, na própria mente, e é nobre, firme e calma; e esse estado não pode ser alcançado sem um conhecimento das coisas divinas e humanas.
  30. A outra resposta, que prometi fazer à sua objeção, decorre desse raciocínio. O homem sábio não se aflige com a perda de filhos ou de amigos. Pois ele sofre a morte no mesmo espírito em que espera a sua própria. E ele teme um tão pouco quanto chora pelo outro. Pois o princípio subjacente à virtude é a sujeição; todas as obras da virtude estão em harmonia e concordância com a própria virtude. Mas esta harmonia se perde se a alma, que deve ser elevada, é derrubada pelo sofrimento ou por uma sensação de perda. É sempre uma desonra para um homem estar perturbado e preocupado, estar entorpecido quando há qualquer chamado para a ação. Pois o que é honrado é despreocupado e sem entraves, é destemido, e está pronto para agir.
  31. “O que”, perguntará, “o sábio não experimentará nenhuma emoção como perturbação de espírito?” Suas feições não mudarão de cor, seu semblante não será agitado, e seus membros não ficarão frios? E há outras coisas que fazemos, não sob a influência da vontade, mas inconscientemente e como resultado de uma espécie de impulso natural”. Eu admito que isso é verdade; mas o sábio vai manter a firme crença de que nenhuma dessas coisas é má, ou importante o suficiente para fazer uma mente saudável quebrar.
  32. Tudo o que resta a ser feito, a virtude pode fazer com coragem e prontidão. Pois qualquer um admitiria que é uma marca de tolice fazer em espírito preguiçoso e rebelde qualquer coisa que se tenha de fazer, ou dirigir o corpo em uma direção e a mente em outra, e assim ser dividido entre emoções totalmente conflitantes. Pois a insensatez é desprezada precisamente por causa das coisas pelas quais ela se vangloria e admira, e ela não faz com prazer nem mesmo aquelas coisas em que se orgulha. Mas se a insensatez teme algum mal, está sobrecarregada por ele no mesmo momento em que espera, como se tal mal realmente tivesse chegado, já sofrendo em apreensão qualquer coisa que teme que possa vir a sofrer somente no futuro.
  33. Assim como no corpo, os sintomas não manifestos de saúde ruim precedem a doença – há, por exemplo, uma certa fraqueza lenta, uma lassitude que não é o resultado de qualquer trabalho, um tremor e um calafrio que permeia os membros, – assim, o espírito fraco é abalado por seus males muito tempo antes de ser superado por eles. Antecipa-os, e cambaleia antes de seu tempo. Mas o que é maior loucura do que ser torturado pelo futuro e não guardar sua força para o sofrimento real, mas convidar e provocar a miséria? Se você não pode se livrar dela, você deve pelo menos adiá-la.
  34. Você não acredita que nenhum homem deve ser atormentado pelo futuro? O homem a quem foi dito que terá de suportar a tortura daqui a cinquenta anos não fica perturbado, a menos que tenha saltado ao longo dos anos que se passaram e se projetado no problema no qual está destinado a chegar uma geração mais tarde. Da mesma forma, as almas que gostam de estar doentes e que se aproveitam de desculpas para tristeza ficam tristes com os acontecimentos passados e apagados dos registros. Passado e futuro estão ambos ausentes; não sentimos nenhum deles. Mas não pode haver dor exceto como resultado do que você sente.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] Distribuição de moedas, etc., nos jogos públicos. A comida também era distribuída para a população em ocasiões similares.

Carta 73: Sobre Filósofos e Reis

A carta 73 é especialmente interessante por causa de suas sugestões autobiográficas e sua relação com os próprios esforços de Sêneca para se livrar da vida na corte e buscar o tempo livre de um sábio.

Vemos no início que ele cita o “homem que saiu do senado, da ordem dos advogados e de todos os assuntos do estado, para se aposentar em assuntos mais nobres” uma clara auto referência, visto que o próprio Sêneca renunciou a seu posto no Senado no ano 62, como relata Tácito.

A Carta é uma  defesa da função do estado e do apreço que os filósofos têm, ou deveriam ter, ao estado.   É claro que o estado atualmente é muito maior e mais inchado que no tempo de Sêneca, então qualquer analogia ou comparação deve ser feita cautelosamente.

Sêneca diz que graças aos governantes o sábio pode, em segurança, dedicar-se a filosofia.  Diz que o filósofo sabe valorizar os bens públicos:

“A tola ganância dos mortais faz uma distinção entre posse e propriedade, e acredita que não tem propriedade em nada em que o público em geral tem uma parte. Mas nosso filósofo não considera nada mais verdadeiro que o que ele compartilha em parceria com toda a humanidade”. (LXXIII,7)

Conclui a carta em tom mais religioso que normalmente o faz, e retorna com a afirmação que a única diferença entre o sábio e os deuses é a imortalidade dos últimos (atenção, sábio para Sêneca é um ideal a ser buscado):

“um deus não tem nenhuma vantagem sobre um homem sábio em termos de felicidade, embora tenha uma vantagem em anos. Essa virtude não é maior porque dura mais.”(LXXIII,13)

“Nenhuma mente que não tenha Deus é boa. Sementes divinas estão espalhadas por todos os nossos corpos mortais; se um bom lavrador as recebe, elas brotam na semelhança da sua fonte e em paridade com aquele de onde vieram.” (LXXIII,16)

(imagem Estátua representando Tácito no exterior do edifício do Parlamento Austríaco)


LXXIII. Sobre Filósofos e Reis

Saudações de Sêneca a Lucílio.

  1. Parece-me errôneo acreditar que aqueles que se dedicaram à filosofia são insolentes e rebeldes, escarnecedores de magistrados ou reis ou daqueles que controlam a administração dos assuntos públicos. Pois, pelo contrário, nenhuma classe de homem é tão popular com o filósofo como o governante é; e com razão, porque os governantes não concedem a nenhum homem um privilégio maior do que sobre aqueles que têm permissão para desfrutar da paz e do ócio.
  2. Portanto, aqueles que se beneficiam grandemente, no que se refere ao seu propósito de viver corretamente, pela segurança do Estado[1], devem ter como pai o autor deste bem; muito mais, pelo menos, do que aquelas pessoas inquietas que estão sempre à vista do público, que devem muito ao governante, mas também esperam muito dele e nunca são tão generosamente agraciados de favores que seus anseios, que crescem por serem atendidos, estão completamente satisfeitos. E ainda aquele cujos pensamentos nos benefícios vindouros os faz esquecer os benefícios já recebidos; e não há mal maior na cobiça do que na ingratidão.
  3. Além disso, nenhum homem na vida pública pensa nos muitos que ele superou; ele pensa antes naqueles por quem é superado. E esses homens acham menos agradável ver muitos atrás deles do que irritante ver alguém à frente deles. Esse é o problema com toda espécie de ambição; não olha para trás. Não é só a ambição que é inconstante, mas também todo tipo de desejo, porque sempre começa onde deveria terminar.
  4. Mas aquele outro homem, reto e puro, que saiu do senado[2], da ordem dos advogados e de todos os assuntos do estado, para se aposentar em assuntos mais nobres, aprecia aqueles que lhe permitiram fazer isso em segurança; ele é a única pessoa que retorna espontaneamente graças a eles, a única pessoa que lhes deve uma grande dívida sem o seu conhecimento. Assim como um homem honra e reverencia seus professores, por cuja ajuda ele encontrou a libertação de seus primeiros desvios, assim o sábio homenageia esses homens, também, sob cuja tutela ele pode colocar suas boas teorias em prática.
  5. Mas você responde: “Outros homens também são protegidos pelo poder pessoal de um rei.” Perfeitamente verdadeiro. Mas, assim como, de um número de pessoas que se beneficiaram do mesmo período de tempo calmo, um homem considera que sua dívida com Netuno é maior se sua carga durante essa viagem foi mais extensa e valiosa, e assim como a promessa é paga com mais vontade pelo mercador do que pelo passageiro, e assim como, entre os próprios mercadores, são dadas graças mais cordiais pelo mercador de especiarias, tecidos tingidos e objetos que valem seu peso em ouro, do que por aquele que atua com mercadorias baratas que não seriam nada além de lastro para seu navio; da mesma forma, os benefícios desta paz, que se estende a todos, são mais profundamente apreciados por aqueles que fazem bom uso dela.
  6. Porque para muitos dos nossos cidadãos togados a paz traz mais problemas do que a guerra. Ou esses, você acredita, devem tanto quanto nós pela paz que desfrutam, que a gastam em embriaguez, em luxúria ou em outros vícios que valeria a pena até mesmo uma guerra para interromper? Não, a menos que você pense que o homem sábio é tão injusto a ponto de acreditar que, como indivíduo, ele não deve nada em troca das vantagens que ele desfruta com todos os outros. Tenho uma grande dívida com o sol e com a lua; e, no entanto, eles não se levantam para mim apenas. Estou pessoalmente em dívida com as estações do ano e com o Deus que as controla, embora em nenhum caso elas tenham sido separadas para meu benefício exclusivo.
  7. A tola ganância dos mortais faz uma distinção entre posse e propriedade, e acredita que não tem propriedade em nada em que o público em geral tem uma parte. Mas nosso filósofo não considera nada mais verdadeiro que o que ele compartilha em parceria com toda a humanidade. Pois essas coisas não seriam propriedade comum, como de fato são, a menos que cada indivíduo tivesse sua quota; mesmo um interesse comum baseado na menor parte faz um sócio.
  8. Novamente, os bens grandes e verdadeiros não são divididos de tal maneira que cada um tenha apenas um ligeiro interesse; eles pertencem em sua totalidade a cada indivíduo. Em uma distribuição de grãos, os homens recebem apenas o montante que foi prometido a cada pessoa; o banquete e a carne, ou tudo o mais que um homem pode levar consigo, são divididos em partes[3]. Estes bens, contudo, são indivisíveis, isto é, paz e liberdade, e pertencem inteiramente a todos os homens, tanto quanto pertencem a cada indivíduo.
  9. Portanto, o filósofo pensa na pessoa que lhe permite usar e gozar dessas coisas, da pessoa que o isenta quando a necessidade extrema do estado envolve as armas, o dever de sentinela, a defesa das muralhas e as múltiplas exigências da guerra; e ele dá graças ao timoneiro de seu estado. Isto é o que a filosofia ensina acima de tudo, honrosamente para confessar a dívida dos benefícios recebidos e honrosamente para pagá-los; por vezes, no entanto, o próprio reconhecimento constitui um pagamento.
  10. Nosso filósofo, portanto, reconhece que tem uma grande dívida para com o governante que torna possível, por sua gestão e previsão, que ele desfrute de rico tempo livre, controle seu próprio tempo, e de uma tranquilidade não interrompida por empregos públicos.
    Meliboee, deus nobis haec otia fecit :Namque erit ille mihi semper deus.[4]
  11. E se esse mesmo ócio que nosso poeta deve grandemente ao seu autor, embora sua maior benção seja esta:
    Ille meas errare boves, ut cernis, et ipsumLudere quae vellem calamo permisit agresti.[5]Quão altamente devemos valorizar este ócio do filósofo, que é gasto entre os deuses, e nos faz deuses?
  12. Sim, é isso que quero dizer, Lucílio; e eu convido você para o céu por um atalho. Séxtio[6] costumava dizer que Júpiter não tinha mais poder do que o homem bom. É claro que Júpiter tem mais dons que pode oferecer à humanidade; mas quando você está escolhendo entre dois homens bons, o mais rico não é necessariamente o melhor, não mais do que, no caso de dois timoneiros da mesma habilidade em controlar o leme, você o chamaria de melhor aquele cujo navio é maior e mais imponente?
  13. A esse respeito é Júpiter superior ao nosso bom homem? Sua bondade dura mais; mas o homem sábio não estabelece um valor inferior sobre si mesmo, apenas porque suas virtudes são limitadas por um período mais breve. Ou tome dois sábios; aquele que morreu em uma idade maior não é mais feliz do que aquele cuja virtude se limitou a menos anos: da mesma forma, um deus não tem nenhuma vantagem sobre um homem sábio em termos de felicidade, embora tenha uma vantagem em anos. Essa virtude não é maior porque dura mais.
  14. Júpiter possui todas as coisas, mas ele certamente lançou a posse delas para os outros; o único uso delas que pertence a ele é este: ele é a causa de seu uso por todos os homens. O homem sábio examina e despreza todas as posses dos outros com a mesma tranquilidade com que Júpiter, e se considera com maior estima porque, enquanto Júpiter não pode usá-las, ele, o sábio, não deseja fazê-lo.
  15. Acreditemos portanto em Séxtio, quando nos mostra o caminho da beleza perfeita e clama: “Este é o caminho para as estrelas”, e é assim que se observa a frugalidade, a contenção e a coragem! Os deuses não são desdenhosos ou invejosos; eles abrem a porta para você; eles dão uma mão enquanto você escala.
  16. Você se maravilha que o homem vá aos deuses? Deus vem aos homens; ele se aproxima – ele vem para dentro dos homens. Nenhuma mente que não tenha Deus é boa. Sementes divinas estão espalhadas por todos os nossos corpos mortais; se um bom lavrador as recebe, elas brotam na semelhança da sua fonte e em paridade com aquele de onde vieram. Se, no entanto, o lavrador for mal, como um solo estéril ou pantanoso, ele mata as sementes e faz com que o joio cresça em vez de trigo.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] Sêneca refere-se à estabilidade política e econômica bem como a segurança pública trazida pelo Estado.

[2] A saída do Senado, foi o que Sêneca fez a partir de 62, para o que achou por bem ter uma longa conversa com Nero a fim de lhe dar conta da sua resolução; veja a narração do caso em Tácito, Ann., XIV, 52-56.

[3] Durante certos festivais, a carne cozida ou crua era distribuída entre as pessoas.

[4] “Ó Melibez! Um deus que este ócio me deu, Pois ele será meu deus eternamente.”
Trecho de As Éclogas de Virgílio. Virgílio deve uma dívida ao Imperador, e considera-o como um “deus” por causa da doação da felicidade terrena; Quão grande é a dívida do filósofo, que tem a oportunidade de estudar coisas celestiais!

[5]Como tu podes ver, Ele me deixou transformar o meu gado em alimento, E jogar o que a fantasia agradou no junco rústico;”
Trecho de As Éclogas de Virgílio.

[6] Quinto Sextio o Velho (em latim: Quinti Sextii Patris – c. 70 a.C.) foi um filósofo cujas ideias combinavam o pitagorismo com o estoicismo.


MontecristoEditora lançou a versão FÍSICA das cartas de Sêneca.

Carta 71: Sobre o Bem Supremo

Depois férias de Natal e reveillon, O Estoico volta às resenhas das cartas de Sêneca, iniciando o ano com um texto excelente.

Na carta 71 Sêneca explica a Lucílio qual deve ser o objetivo do estudante de filosofia, o que ele chama de Bem Supremo.

Diz que devemos considerar a vida como um o todo, e não suas partes isoladamente. Alerta que quem não tem um objetivo não consegue encontrar um caminho:

“A razão pela qual cometemos erros é porque consideramos as partes da vida, mas nunca a vida como um todo. O arqueiro deve saber o que ele está tentando atingir; então deve apontar e controlar a arma por sua habilidade. Nossos planos malogram porque não têm objetivo. Quando um homem não sabe a qual porto ele está indo, nenhum vento é o vento certo.” (LXXI, 2-3)

Aborda em detalhe e com exemplos o conceito estoico de indiferente, ou seja, que a maioria das coisas não tem valor em si mesmo.  Ganhar ou perder uma eleição assim como participar de um banquete ou ser torturado pode ser algo honrado ou vergonhoso, dependendo das circunstâncias. Para Sêneca o Bem Supremo é a razão/virtude.

Além de falar de Catão e Cineu Pompeu, cita Sócrates:

“Portanto, a honrosa morte de Catão não foi menos boa do que sua vida honrada, já que a virtude não admite nenhum estiramento. Sócrates costumava dizer que a verdade e a virtude eram idênticas. Assim como a verdade não cresce, assim também a virtude não cresce; pois têm suas corretas proporções e são completas.” (LXXI,16)

O Bem Supremo é a virtude! e a define assim: “A virtude é o único bem, ao menos não há bem sem virtude, e a própria virtude está situada em nossa parte mais nobre, isto é, a parte racional. E o que será essa virtude? Um julgamento verdadeiro e nunca divergente.” (LXXI, 32)

Imagem (A morte de Catão, por Pierre Bouillon)


LXXI. Sobre o Bem Supremo

Saudações de Sêneca a Lucílio.

  1. Você está continuamente remetendo perguntas especiais para mim, esquecendo que um vasto trecho de mar nos separa. Como, no entanto, o valor do conselho depende principalmente do momento em que é dado, deve necessariamente resultar que, quando a minha opinião sobre certos assuntos chegar a você, a opinião oposta seja a melhor. Pois conselhos estão em conformidade com as circunstâncias; e nossas circunstâncias são carregadas ao vento, ou turbilhonadas ao vento. Consequentemente, um parecer deve ser elaborado a curto prazo; e até mesmo assim é tarde demais; deve “crescer enquanto é trabalhado”, como diz o ditado. E eu proponho mostrar como você pode descobrir o método.
  2. Sempre que você quiser saber o que deve ser evitado ou o que deve ser buscado, considere sua relação com o Bem Supremo, com o propósito de sua vida. Pois tudo o que fazemos deve estar em harmonia com isso; nenhum homem pode pôr em marcha os detalhes a menos que já tenha colocado diante de si o objetivo principal de sua vida. O artista pode ter suas tintas todas preparadas, mas ele não pode produzir nada a menos que ele já tenha decidido o que quer pintar. A razão pela qual cometemos erros é porque consideramos as partes da vida, mas nunca a vida como um todo.
  3. O arqueiro deve saber o que ele está tentando atingir; então deve apontar e controlar a arma por sua habilidade. Nossos planos malogram porque não têm objetivo. Quando um homem não sabe a qual porto ele está indo, nenhum vento é o vento certo. A fortuna deve necessariamente ter grande influência sobre nossas vidas, porque vivemos por sorte.
  4. É o caso de certos homens, entretanto, que não sabem que sabem certas coisas. Assim como frequentemente procuramos aqueles que já estão ao nosso lado, também estamos aptos a esquecer que o objetivo do Bem Supremo está perto de nós. Para inferir a natureza desse Bem Supremo, não se precisa de muitas palavras ou discussões circulares; deve ser apontado com o dedo indicador, por assim dizer, e não estar dissipado em muitas partes. Pois que bem há em quebrá-lo em pequenos pedaços, quando você pode dizer: o Bem Supremo é aquilo que é honrado? Além disso (e você pode estar ainda mais surpreso com isso), o que é honroso é o único bem; todos os outros bens são impuros e degradados.
  5. Se uma vez você se convencer disso, e se vier a amar a virtude devotadamente (porque o mero amor não é suficiente), tudo o que foi tocado pela virtude será repleto de bênção e prosperidade para você, não importa como seja considerado pelos outros. Tortura, se apenas, ao sofre-la você estiver mais calmo em mente do que seu próprio torturador; enfermidade, se você não amaldiçoar a Fortuna e não ceder à doença – em suma, todas aquelas coisas que os outros consideram como doenças tornar-se-ão manejáveis e terminarão bem, se você tiver sucesso em subir acima delas. Que isto seja claro, que não há nada de bom senão o que é honroso, e todas as dificuldades terão um rótulo com o justo nome de “bens”, uma vez que a virtude as tenha tornado honrosas.
  6. Muitos pensam que nós estoicos estamos mantendo expectativas maiores do que a nossa sina humana admite; e eles têm o direito de pensar assim. Pois eles só têm respeito ao corpo. Mas voltemos para a alma, e logo medirão o homem pela régua de Deus. Desperte-se, ó excelente Lucílio, e abandone todo este jogo de palavras dos filósofos, que reduzem um assunto glorioso a uma questão de sílabas, e abaixam e desgastam a alma ensinando fragmentos; então você se tornará como os homens que descobriram estes preceitos, em vez daqueles que por seus ensinamentos dão o melhor para fazer a filosofia parecer difícil ao invés de grande.
  7. Sócrates, que revogou toda a filosofia às regras de conduta e afirmou que a sabedoria suprema consistia em distinguir entre o bem e o mal, disse: “Siga estas regras, se minhas palavras fizerem sentido a você, para que você possa ser feliz; e deixe que alguns homens pensem que você é um tolo. Permita que qualquer homem que assim o deseje o insultar e menosprezar, mas se apenas a virtude mora com você, você não sofrerá nada. Se você deseja ser feliz, se você gostaria de boa-fé ser um bom homem permita que uma pessoa ou outra despreze você.” Nenhum homem pode fazer isso a menos que tenha chegado a considerar todos os bens como iguais, porque nenhum bem existe sem o que é honroso, e o que é honroso é em todos os casos igual.
  8. Você pode dizer: “O que, então? Não há diferença entre o fato de Catão ser eleito pretor e seu fracasso nas eleições, ou se Catão é conquistado ou conquistador na frente de batalha de Farsália? E se Catão não pudesse ser derrotado, apesar de sua facção ter encontrado a derrota, não seria esse bem igual ao que teria sido dele se tivesse voltado vitorioso para sua terra natal e providenciado a paz?” Claro que seria; pois é pela mesma virtude que a fortuna maligna é superada e a boa fortuna é controlada. No entanto, a virtude não pode ser aumentada ou diminuída; sua estatura é uniforme.
  9. “Mas,” objetará, “Cineo Pompeu perderá o seu exército, os patrícios, os mais nobres padrões da criação do Estado, e os primeiros homens do partido de Pompeu, um senado sob as armas, serão encaminhados a uma única batalha. As ruínas daquela grande oligarquia estarão espalhadas por todo o mundo, uma divisão cairá no Egito, outra na África e outra na Espanha… E o pobre Estado não terá nem o privilégio de ser arruinado de uma vez por todas!”
  10. Sim, tudo isso pode acontecer; a familiaridade de Juba com todas as localizações de seu próprio reino pode ser inútil para ele, de nada serve a bravura resoluta de seu povo ao lutar por seu rei; mesmo os homens de Utica, esmagados por seus problemas, podem vacilar em sua lealdade; e a boa fortuna que sempre assistiu homens do nome de Cipião, pode desertar Cipião na África. Mas há muito tempo o destino fez com que Catão não encontrasse a nenhum mal.
  11. “Ele foi conquistado apesar de tudo!” Bem, você pode incluir isso entre os “fracassos” de Catão; Catão suportará com um coração igualmente forte qualquer coisa que o frustre de sua vitória, como ele suportou aquela que o frustrou de sua posição de pretor. O dia em que perdeu a eleição, ele passou em jogo; a noite em que pretendia morrer, passou lendo. Ele considerava, sob a mesma luz, a perda de pretoriado e a perda de sua vida; ele se convenceu de que deveria suportar qualquer coisa que pudesse acontecer.
  12. Por que ele não deveria sofrer, bravamente e calmamente, uma mudança no governo? Pois o que é livre do risco de mudança? Nem a terra, nem o céu, nem todo o tecido do nosso universo, embora sejam controlados pela mão de Deus. Não preservarão sempre sua ordem atual; serão desestabilizados em dias futuros.
  13. Todas as coisas se movem de acordo com os tempos designados; elas estão destinadas a nascer, a crescer e a serem destruídas. As estrelas que você vê se movendo acima de nós, e esta terra aparentemente imóvel à qual nos apegamos e sobre a qual estamos posicionados, serão consumidas e deixarão de existir. Não há nada que não tenha sua velhice; os intervalos são meramente desiguais em que a Natureza envia todas essas coisas para o mesmo fim. O que quer que seja cessará de ser, e, no entanto, não perecerá, mas será transformado em seus elementos.
  14. Para nossas mentes, este processo significa perecer, pois só vemos o que está mais próximo; nossa mente lenta, sob lealdade ao corpo, não penetra a fronteiras além. Se não fosse assim, a mente suportaria com maior coragem o seu próprio fim e o de suas posses, se ao menos pudesse esperar que a vida e a morte, como todo o universo que nos rodeia, se alterna, que tudo o que foi quebrado é reunido novamente, e que a habilidade eterna de Deus, que controla todas as coisas, está trabalhando nessa tarefa.
  15. Portanto, o sábio dirá exatamente o que um Marco Catão diria, depois de revisar sua vida passada: “Toda a raça humana, tanto os que estão como os que virão, está condenada a morrer. Todas as cidades que tem dominado o mundo, e todos os que foram os esplêndidos ornamentos de impérios, os homens um dia perguntarão onde estão, e eles serão varridos por destruições de várias espécies, alguns serão arruinados por guerras, outros serão desperdiçados pela inatividade e pelo tipo de paz que termina na preguiça, ou por esse vício que é repleto de destruição, mesmo para poderosas dinastias, – o luxo. Todas estas planícies férteis serão enterradas por um repentino transbordamento do mar, ou pelo deslizamento de terra, à medida que o solo se instala a níveis mais baixos. Por que então eu deveria estar com raiva ou sentir tristeza, se eu anteceder a destruição geral por um pequeno intervalo de tempo?”
  16. Que grandes almas cumpram os desejos de Deus e sofram sem hesitação o destino que a lei do universo ordena; pois a alma na morte ou é enviada para uma vida melhor, destinada a habitar com a divindade em meio a uma maior radiação e calma, ou então, pelo menos, sem sofrer nenhum dano a si mesma, ela será misturada com a natureza novamente e voltará o universo. Portanto, a honrosa morte de Catão não foi menos boa do que sua vida honrada, já que a virtude não admite nenhum estiramento. Sócrates costumava dizer que a verdade e a virtude eram idênticas. Assim como a verdade não cresce, assim também a virtude não cresce; pois têm suas corretas proporções e são completas.
  17. Você não precisa, portanto, se perguntar se os bens são iguais, tanto aqueles que devem ser deliberadamente escolhidos, como aqueles que as circunstâncias impuseram. Pois se uma vez adotar a visão de que são desiguais, considerando, por exemplo, a resistência corajosa da tortura como entre os bens menores, você estará a incluindo entre os males também; você definirá como infeliz Sócrates em sua prisão, Catão infeliz ao reabrir suas feridas, e Régulo o mais mal condecorado de todos quando pagou o preço por manter a sua palavra, mesmo frente a seus inimigos. E, no entanto, nenhum homem, nem mesmo a pessoa mais fraca do mundo, se atreveu a manter essa opinião. Pois, embora tais pessoas neguem que um homem como Régulo seja feliz, contudo, elas também negam que ele seja miserável.
  18. Os primeiros acadêmicos[1] admitem de fato que um homem é feliz mesmo em meio a tais torturas, mas não admitem que está completamente ou totalmente feliz. Com esta visão não podemos de modo algum concordar; pois, a menos que um homem seja feliz, não alcançou o bem supremo; e o bem que é supremo não admite um grau mais elevado, se somente a virtude existe dentro deste homem, e se a adversidade não prejudicar sua virtude, e se, embora o corpo seja ferido, a virtude permaneça ilesa. E permanece. Pois eu entendo que a virtude é corajosa e elevada, de modo que ela é despertada por qualquer coisa que a moleste.
  19. Esse espírito, que os jovens de nobre criação frequentemente assumem, quando são tão profundamente agitados pela beleza de algum objeto honrado que desprezam todos os caprichos do acaso, é seguramente infundido em nós e comunicado pela sabedoria. A sabedoria trará a convicção de que só há um bem – o que é honroso; que não pode ser encurtado nem estendido, não mais do que a régua de um carpinteiro, com que as linhas retas são testadas, pode ser dobrada. Qualquer mudança na régua significa estragar a linha reta.
  20. Aplicando, portanto, esta mesma figura à virtude, diremos: a virtude também é reta, e não admite dobra. O que pode ser feito mais tenso do que uma coisa que já é rígida? Tal é a virtude, que julga tudo, mas nada julga a virtude. E se esta régua, a virtude, não pode ser feita mais reta, tampouco as coisas criadas pela virtude podem ser em um caso mais retas e em outras menos. Pois elas devem corresponder necessariamente à virtude; portanto, elas são iguais.
  21. “O quê?”, você diz, “você considera sentar-se em um banquete e se submeter a tortura igualmente bom?” Isso lhe parece surpreendente? Você pode estar ainda mais surpreso com o seguinte, – que sentar-se em um banquete é um mal, enquanto se submetido à tortura é um bem, se o primeiro ato é feito vergonhosamente, e o último de maneira honrosa. Não é o material que torna essas ações boas ou más; É a virtude. Todos os atos em que a virtude se revela são da mesma medida e valor.
  22. Neste momento o homem que mede as almas de todos os homens pela sua própria está agitando o punho na minha cara porque eu considero que há uma paridade entre os bens envolvidos no caso de quem passa sentença honrosamente, e de quem sofre a pena honrosamente; Ou porque eu considero que há uma paridade entre os bens de quem celebra um triunfo, e de quem, não derrotado em espírito, é levado frente ao carro do vencedor. Pois tais críticos pensam que o que eles mesmos não podem fazer, não é feito; eles julgam a virtude à luz de suas próprias fraquezas.
  23. Por que você se maravilha se é de ajuda a um homem, e em ocasiões até lhe agrada, ser queimado, ferido, morto ou preso? Para um homem luxuoso, uma vida simples é uma penalidade; para um homem preguiçoso, o trabalho é castigo; o fanfarrão tem pena do homem diligente; para os preguiçosos, os estudos são tortura. Da mesma forma, consideramos essas coisas com que todos nós somos deficientes de disposição, tão duros e além da resistência, esquecendo que tormento é para muitos homens absterem-se de beber vinho ou serem arrancados de suas camas ao amanhecer. Essas ações não são essencialmente difíceis; somos nós mesmos que somos macios e flácidos.
  24. Devemos julgar grandes coisas com grandeza de alma; caso contrário, o que é realmente nossa culpa parece ser culpa dos outros. Assim é, que certos objetos que são perfeitamente retos, quando afundado em água aparecem ao espectador como dobrados ou quebrados[2]. Não importa apenas o que você vê, mas com que olhos você o vê; nossas almas são muito fracas de visão para perceber a verdade.
  25. Mas dê-me um jovem imaculado e robusto; ele pronunciará mais afortunado aquele que sustenta nos ombros inflexíveis todo o peso da adversidade, aquele que se destaca superior à Fortuna. Não é motivo de admiração que alguém não se agite quando o tempo está calmo; Reserve o seu assombro para casos onde um homem mantem-se erguido quando todos os outros afundam, e mantém-se em pé quando todos os outros estão prostrados.
  26. Que elemento do mal há na tortura e nas outras coisas que chamamos de dificuldades? Parece-me que há esse mal, que a mente afunda, se dobra e desmorona. Mas nenhuma dessas coisas pode acontecer ao sábio; Ele fica ereto sob qualquer carga. Nada pode subjugá-lo; nada que deva ser suportado o irrita. Pois ele não se queixa de ter sido atingido pelo que pode atacar qualquer homem. Ele conhece sua própria força; Ele sabe que ele nasceu para suportar cargas.
  27. Eu não retiro o homem sábio da categoria dos homens, nem lhe nego o sentido da dor como se ele fosse uma rocha que não tem nenhum sentimento. Eu me lembro que ele é composto de duas partes: a uma parte é irracional, – é isso que pode ser mordido, queimado ou ferido; A outra parte é racional, – é isso que resiste resolutamente às opiniões, é corajosa e inconquistável. Nesta última está situado o Bem Supremo do homem. Antes que isso seja completamente alcançado, a mente vacila na incerteza; somente quando é totalmente alcançado a mente torna-se fixa e estável.
  28. E assim, quando alguém acaba de começar, ou está a caminho das alturas e está cultivando a virtude, ou mesmo se alguém está se aproximando do bem perfeito, mas ainda não colocou o toque final sobre ele, este alguém ainda vai retroceder as vezes e haverá um certo afrouxamento do esforço mental. Porque tal homem ainda não atravessou o terreno duvidoso; Ele ainda está em lugares escorregadios. Mas o homem feliz, cuja virtude é completa, ama-se sobretudo quando sua bravura é submetida à mais severa prova, e quando ele não só, suporta, mas acolhe o que todos os outros homens consideram com medo, se é o preço que deve pagar pelo cumprimento de um dever que a honra impõe, e ele prefere que os homens digam dele: “quão nobre!” Em vez de “como tem fortuna!”
  29. E agora cheguei ao ponto em que sua espera paciente me convoca. Você não deve pensar que nossa virtude humana transcende a natureza; o homem sábio vai tremer, vai sentir dor, vai ficar pálido, pois tudo isso são sensações do corpo. Onde, então, é a morada da angústia total, daquilo que é verdadeiramente um mal? Na outra parte de nós, sem dúvida, se é a mente que essas provações arrastam para baixo, forçam uma confissão de sua servidão, e causam a lamentar a sua existência.
  30. O sábio, de fato, vence a Fortuna por sua virtude, mas muitos que professam a sabedoria às vezes são assustados pelas ameaças mais insubstanciais. E nesta fase é um erro de nossa parte fazer as mesmas exigências sobre o homem sábio e sobre o aprendiz. Ainda me exorto a fazer o que recomendo; mas as minhas exortações ainda não foram seguidas. E mesmo se fosse esse o caso, não deveria eu ter esses princípios tão prontos à prática, ou tão bem treinados, que eles iriam surgir em minha assistência em todas as crises.
  31. Assim como a lã absorve certas cores imediatamente, enquanto há outras que nunca absorverá, a menos que seja embebida e mergulhada nelas muitas vezes; de modo que outros sistemas de doutrina podem ser aplicados imediatamente pela mente dos homens depois de terem sido aceitos, mas este sistema do qual falo, a não ser que tenha ido fundo e se tenha afundado há muito tempo e não tenha apenas colorido mas completamente permeado a alma, não cumpre nenhuma de suas promessas.
  32. O assunto pode ser transmitido rapidamente e em poucas palavras: “A virtude é o único bem, ao menos não há bem sem virtude, e a própria virtude está situada em nossa parte mais nobre, isto é, a parte racional”. E o que será essa virtude? Um julgamento verdadeiro e nunca divergente. Pois dele brotarão todos os impulsos mentais, e por seu meio será esclarecida toda aparência externa que desperte nossos impulsos.
  33. Será de acordo com este conceito julgar todas as coisas que foram coradas pela virtude como bens e como bens iguais. Os bens corporais são, com certeza, bons para o corpo; mas eles não são absolutamente bons. Haverá certamente algum valor neles; mas eles não terão mérito genuíno, pois eles serão muito diferentes; alguns serão menores, outros maiores.
  34. E somos constrangidos a reconhecer que há grandes diferenças entre os próprios seguidores da sabedoria. Um homem já fez tantos progressos que ousou levantar os olhos e olhar a Fortuna no rosto, mas não persistentemente, pois seus olhos logo se abaixam, deslumbrados por seu esplendor irresistível; outro já progrediu tanto que é capaz de encara-la de frente, isto é, que já tenha alcançado o ápice e esteja cheio de confiança.
  35. O que ainda não é perfeito deve necessariamente ser instável, uma vez progredindo, outra vez deslizando; e certamente escorregará para trás, a menos que continue lutando a frente; pois se um homem se afrouxa em zelo e aplicação fiel, ele deve retroceder. Ninguém pode retomar seu progresso no ponto em que parou.
  36. Portanto, sigamos e perseveremos. Resta muito mais da estrada do que colocamos atrás de nós; mas a maior parte do progresso é o desejo de progredir. Compreendo perfeitamente o que é esta tarefa. É uma coisa que desejo, e a desejo de todo o meu coração. Eu vejo que você também foi despertado e está se apressando com grande zelo para a beleza infinita. Vamos, então, apressar; somente nestes termos a vida será uma bênção para nós; caso contrário, haverá atraso, e até mesmo atraso vergonhoso, enquanto nos ocupamos com coisas repugnantes. Vamos cuidar para que todo o tempo pertença a nós. Isso, no entanto, não pode acontecer, a menos que, em primeiro lugar, nossos próprios seres comecem a pertencer a nós.
  37. E quando será nosso privilégio desprezar ambos os tipos de fortuna? Quando será o nosso privilégio, depois que todas as paixões forem subjugadas e trazidas sob nosso próprio controle, pronunciar as palavras “Eu conquistei”? Você me pergunta quem eu conquistei? Nem os Persas, nem os remotos Medos,[3] nem qualquer raça guerreira que se encontre além do Dahae[4]; não estes, mas a ganância, a ambição e o medo da morte que conquistou os conquistadores do mundo.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] Membros da Academia de Platão

[2] Um remo submerso, apesar de reto, apresenta aparência de estar dobrado.

[3] Os Medos foram uma das tribos de origem ariana que migraram da Ásia Central para o planalto Iraniano durante a Antiguidade. No final do século VII a.C. fundaram o Império Medo centrado na cidade de Ecbátana.

[4] Atual Turcomenistão

Carta 70: Sobre o momento adequado para fazer a derradeira viagem

A carta 70 é uma de minha favoritas. Não só pelo tema e solução apresentada, mas também porque ilustra vivamente o cotidiano de Roma, narrando episódios da vida de nobres, escravos e gladiadores.

A carta, provavelmente escrita no ano 63 AD, começa comentando uma visita recente de Sêneca a Pompeia, terra natal de Lucílio.  Mal sabia Sêneca que em pouco mais de uma década a cidade seria completamente destruída, soterrada por cinzas e lava na erupção do Vesúvio em 79 AD.

O assunto é o suicídio.  Ao contrário das doutrinas contemporâneas que consideram o assunto taboo ou pecado grave, o estoicismo defende a prática, sob certas circunstâncias. Segundo Sêneca, o sábio:

… viverá o tempo que for necessário, não tanto quanto puder.
Ele vai lembrar em que lugar, com quem, e como deve conduzir a sua existência, e o que está prestes a fazer. Ele sempre reflete sobre a qualidade, e não sobre a quantidade, de sua vida.” (LXX, 4-5).

E justifica esta saída como alternativa a tortura, pois entende que “morrer bem significa escapar do perigo de viver mal”.  A eutanásia também é permitida e justificada:

Devo aguardar a crueldade da doença ou do homem, quando eu posso partir em meio à tortura e livrar-me de meus problemas? Esta é a única razão pela qual não podemos nos queixar da vida; ela não segura ninguém contra a sua vontade. A humanidade está bem situada, porque nenhum homem é infeliz, exceto por sua própria culpa. Viva, se assim desejar; se não, você pode retornar ao lugar de onde veio. (LXX,15)

Conclui a carta com exemplos de suícidos nobre, como de Catão, de nobre corruptos e por fim de escravos e criminosos condenados aos jogos de gladiadores.  Exemplos vividos e muito gráficos:

“Durante o segundo ato, em um simulacro de luta marítima, um dos bárbaros enfiou profundamente em sua própria garganta uma lança que lhe fora dada para uso contra seu inimigo. (…)  Ele disse: “Por que eu deveria estar armado e ainda esperar a morte vir?” Esta apresentação foi ainda mais notável por causa da lição que os homens aprenderam de que morrer é mais honroso do que matar. (LXX,26)

Aproveitem a carta.

Ilustração: O martírio de Dirce, pintura de Henryk Siemieradzki.


LXX. Sobre o momento adequado para fazer a derradeira viagem

Saudações de Sêneca a Lucílio.

  1. Depois de um longo espaço de tempo, eu vi sua amada Pompeia. Fui assim trazido de novo face a face com os dias da minha juventude. E me pareceu que eu ainda podia fazer, não, que tinha feito há pouco tempo atrás, todas as coisas que eu fiz lá quando jovem.
  2. Navegamos ao largo da vida, Lucílio, como se estivéssemos em uma viagem, e como no mar, para citar nosso poeta Virgílio: As terras e as cidades são deixadas para trás.[1] Mesmo assim, nesta jornada onde o tempo voa com a maior velocidade, colocamos abaixo do horizonte primeiro a nossa infância e depois a nossa juventude, e depois o espaço que se situa entre a juventude e a meia-idade e as fronteiras em ambos e, em seguida, os melhores anos da própria velhice. Por fim, começamos a ver a fronteira geral da raça humana.
  3. Tolos que somos, acreditamos que este é um recife perigoso; mas é o porto, onde devemos algum dia atracar, que nunca podemos recusar entrar; e se um homem chegou a este porto em seus primeiros anos, não tem mais direito de reclamar do que um marinheiro que fez uma viagem rápida. Pois alguns marinheiros, como você sabe, são enganados e retidos por ventos fracos, e ficam cansados e doentes da calma letargia; enquanto outros são levados rapidamente para casa por ventos constantes.
  4. Você pode considerar que a mesma coisa nos acontece: a vida levou alguns homens com a maior rapidez para o porto, o porto qual eles eram obrigados a alcançar, mesmo que eles demorassem no caminho, enquanto a outros ela tem afligido e assediado. Pois a essa vida, como você sabe, nem sempre devemos nos apegar. Pois meramente viver não é um bem, mas sim viver bem. Por conseguinte, o sábio viverá o tempo que for necessário, não tanto quanto puder.
  5. Ele vai lembrar em que lugar, com quem, e como deve conduzir a sua existência, e o que está prestes a fazer. Ele sempre reflete sobre a qualidade, e não sobre a quantidade, de sua vida. Assim como há muitos eventos em sua vida que lhe dão problemas e perturbam sua paz de espírito, ele se liberta. E este privilégio é dele, não só quando a crise está sobre ele, mas também quando a Fortuna parece estar o traindo; então ele olha com cuidado e vê se deve ou não deve terminar sua vida por causa disso. Ele sustenta que não faz diferença para ele se sua decolagem é natural ou auto infligida, se ela vem mais tarde ou mais cedo. Ele não a considera com medo, como se fosse uma grande perda; porque nenhum homem pode perder muito quando ainda uma gotícula permanece.
  6. Não se trata de morrer mais cedo ou mais tarde, mas de morrer bem ou mal. E morrer bem significa escapar do perigo de viver mal. É por isso que eu considero as palavras do conhecido Telésforo[2] como as mais covardes. Esta pessoa foi jogada em uma jaula por seu tirano, e alimentado lá como algum animal selvagem. E quando um certo homem o aconselhou a pôr fim à sua vida pelo jejum, ele respondeu: “Um homem pode esperar alguma coisa enquanto tiver vida”.
  7. Isso pode ser verdade; mas a vida não é para ser comprada a qualquer preço. Não importa quão grandes ou garantidas certas recompensas possam ser, não me esforçarei para alcançá-las ao preço de uma vergonhosa confissão de fraqueza. Devo acreditar que a Fortuna tem todo o poder sobre a pessoa que vive, em vez de acreditar que ela não tem poder sobre alguém que sabe como morrer?
  8. No entanto, há momentos em que um homem, ainda que a morte certa paire sobre ele e saiba que a tortura lhe está reservada, irá se abster de dar uma mão à sua própria punição, entretanto, para si, daria uma mão. É loucura morrer por medo de morrer. O carrasco está acerca de você; espere por ele. Por que antecipar ele? Por que assumir a gestão de uma tarefa cruel que pertence a outrem? Você inveja o privilégio de seu carrasco, ou simplesmente o alivia de sua tarefa?
  9. Sócrates poderia ter terminado sua vida jejuando; ele poderia ter morrido por fome em vez de por veneno. Mas, em vez disso, passou trinta dias na prisão esperando a morte, não com a ideia de “tudo pode acontecer”, ou “tão longo intervalo dá espaço para esperanças”, mas para mostrar-se submisso às leis e fazer seus últimos momentos uma edificação para seus amigos. O que teria sido mais tolo do que desprezar a morte, e ainda temer veneno?
  10. Escribonia, uma mulher do tipo severo, era uma tia de Drusus Libo[3]. Este jovem era tão estúpido quanto bem-nascido, com ambições mais elevadas do que qualquer pessoa poderia esperar nessa época, ou de um homem como ele em qualquer época. Quando Libo foi removido do senado em sua liteira, embora certamente com um grupo muito reduzido de seguidores, pois todos os seus parentes o abandonaram, quando ele não era mais um criminoso, mas apenas um corpo, ele começou a considerar se deveria cometer suicídio ou aguardar a morte. Escribonia disse-lhe: “Que prazer você tem em fazer o trabalho do outro?” Mas ele não seguiu seu conselho; ele colocou mãos violentas sobre si mesmo. E estava certo, afinal, pois quando um homem está condenado a morrer em dois ou três dias pelo prazer de seu inimigo, ele estará realmente “fazendo a obra de outro homem” se continuar a viver.
  11. Portanto, não se pode fazer uma declaração geral sobre a questão se, quando um poder além do nosso controle nos ameaça com a morte, devemos antecipar a morte ou esperar por ela. Pois há muitos argumentos para nos puxar em qualquer direção. Se uma morte é acompanhada pela tortura, e a outra é simples e fácil, por que não agarrar a segunda? Assim como seleciono o meu navio quando eu estou prestes a viajar ou minha casa quando me proponho a tomar uma residência, então eu vou escolher a minha morte quando estiver prestes a afastar-me da vida.
  12. Além disso, assim como uma vida prolongada não significa necessariamente uma melhor, uma morte prolongada significa necessariamente uma situação pior. Não há ocasião em que a alma deva estar em melhor disposição do que no momento da morte. Deixe a alma partir ao se sentir impelida a ir; quer procure a espada, ou a forca, ou algum veneno que ataca as veias, deixe-a prosseguir e arrebentar os laços de sua escravidão. Todo homem deve tornar sua vida aceitável para os outros, além de si mesmo, mas sua morte semente para si mesmo. A melhor forma de morte é a que gostamos.
  13. São tolos os que refletem assim: “Uma pessoa dirá que minha conduta não foi corajosa o suficiente, outra, que era demasiado teimoso, um terceiro, que um tipo particular de morte teria demostrado mais espírito”. O que você deve realmente refletir é: “O que tenho em consideração é um propósito com o qual a opinião dos homens não tem nenhuma importância!” Seu único objetivo deve ser escapar da Fortuna o mais rápido possível; caso contrário, não haverá falta de pessoas que vão pensar mal do que você fez.
  14. Você pode encontrar homens que professam a sabedoria e ainda assim defendem que não se deve oferecer violência à própria vida, e consideram anátema para um homem para ser o meio de sua própria destruição; devemos esperar, dizem eles, pelo fim decretado pela natureza. Mas aquele que diz isso não vê que está fechando o caminho para a liberdade. A melhor coisa que a lei divina nos concedeu foi que nos permitiu uma entrada na vida, mas muitas saídas.
  15. Devo aguardar a crueldade da doença ou do homem, quando eu posso partir em meio à tortura e livrar-me de meus problemas? Esta é a única razão pela qual não podemos nos queixar da vida; ela não segura ninguém contra a sua vontade. A humanidade está bem situada, porque nenhum homem é infeliz, exceto por sua própria culpa. Viva, se assim desejar; se não, você pode retornar ao lugar de onde veio.
  16. Muitas vezes você foi medicado para aliviar dores de cabeça. Você teve veias cortadas com a finalidade de reduzir o seu peso. Se você furar seu coração, um ferimento escancarado não é necessário – um bisturi abrirá o caminho para essa grande liberdade, e tranquilidade pode ser comprada ao custo de uma picada de agulha. O que, então, nos torna preguiçosos e indolentes? Nenhum de nós pensa que algum dia deva partir desta casa da vida; exatamente como antigos inquilinos não se mudam por predileção por um lugar particular e por costume, mesmo apesar de maus-tratos.
  17. Você gostaria de estar livre da limitação de seu corpo? Viva nele como se estivesse prestes a deixá-lo. Continue pensando no fato de que algum dia você será privado dessa posse; então você será mais corajoso frente a necessidade de partir. Mas como um homem tomará o pensamento de seu próprio fim, se ele anseia todas as coisas sem fim?
  18. E ainda não há nada tão essencial para considerarmos. Pois nossa formação em outras coisas talvez seja supérflua. Nossas almas foram preparadas para enfrentar a pobreza; mas nossas riquezas têm se mantido firmes. Nós estamos munidos de armas para desprezar a dor; mas tivemos a sorte de possuir corpos sadios e saudáveis, e por isso nunca fomos forçados a pôr essa virtude à prova. Aprendemos a suportar corajosamente a perda daqueles que amamos; mas a Fortuna nos preservou todos a quem amamos.
  19. É nesta única questão que chegará o dia em que precisamos testar nosso treinamento. Não precisa pensar que apenas os grandes homens tiveram a força de romper os laços da servidão humana; você não precisa acreditar que isso não possa ser feito senão por um Catão, – Catão, que com a mão arrancou o espírito que não tinha conseguido liberar pela espada[4]. Não, homens da mais baixa sorte escaparam por um poderoso impulso e, quando não lhes foi permitido morrer por sua própria conveniência, ou se escolher os instrumentos da morte, arrebataram tudo o que estava disposto à mão, e por pura força transformaram objetos que eram por natureza inofensivos em armas próprias.
  20. Por exemplo, ultimamente havia em uma escola de treinamento para gladiadores de animais selvagens um alemão, que estava sendo preparando para a exposição matinal; ele se retirou para se aliviar, – a única coisa que lhe era permitido fazer em segredo e sem a presença de um guarda. Enquanto estava assim ocupado, agarrou uma escova com cabo de madeira, que era devotada aos mais vis usos, e a enfiou, suja como estava, em sua garganta; assim ele bloqueou sua traqueia, e sufocou a respiração de seu corpo. Isso foi verdadeiramente um insulto à morte!
  21. Sim, é verdade, não foi uma maneira muito elegante ou conveniente de morrer; mas o que é mais tolo do que ser minucioso sobre a morte? Que corajoso! Ele certamente merecia ser autorizado a escolher seu destino! Como bravamente ele teria empunhado uma espada! Com que coragem ele teria se atirado nas profundezas do mar, ou em um precipício! Limitado totalmente de recursos, ele ainda encontrou uma maneira de se equipar para a morte. Daí você pode entender que nada, a não ser a vontade pode adiar a morte. Que cada homem julgue a ação deste fervoroso indivíduo como quiser, contanto que estejamos de acordo – que a morte mais horrível é preferível à escravidão mais justa.
  22. Na medida em que comecei com uma ilustração tirada da vida humilde, continuarei com esse tipo de coisa. Pois os homens se exigirão mais, ao verem que a morte pode ser desprezada até pela classe mais desprezada dos homens. Os Catões, os Cipiãos e os outros cujos nomes costumamos ouvir com admiração, consideramos que estão além da esfera da imitação; mas agora vou provar que a virtude de que falo é encontrada tão frequentemente na escola de treinamento dos gladiadores como entre os líderes em uma guerra civil.
  23. Recentemente um gladiador, que tinha sido enviado para a exposição da manhã, estava sendo transportado em uma carroça junto com os outros prisioneiros; balançando a cabeça como se estivesse pesado de sono, deixou cair a cabeça até o ponto em que a prendeu nos raios da roda; então ele manteve seu corpo em posição o tempo suficiente para quebrar seu pescoço pela revolução da roda. Ele escapou fazendo uso do carro que o levava ao seu castigo.
  24. Quando um homem deseja irromper e tomar sua partida, nada se interpõe em seu caminho. É um espaço aberto no qual a natureza nos protege. Quando o nosso apuro é tal que permita, nos devemos olhar ao redor para uma saída fácil. Se você tem muitas oportunidades prontas à mão, por meio das quais pode se libertar, você pode fazer uma seleção e pensar sobre a melhor maneira de ganhar a liberdade; mas se uma chance é difícil de encontrar, em vez da melhor, arrebate o que for próximo ao melhor, mesmo que seja algo inédito, algo novo. Se não faltar a coragem para morrer não faltará a inteligência.
  25. Veja como até mesmo a classe mais baixa de escravo, quando o sofrimento o incentiva, é despertada e descobre uma maneira de enganar até mesmo os guardas mais vigilantes! É realmente grande aquele que não só deu a si mesmo a ordem de morrer, mas também encontrou os meios. Eu prometi, entretanto, mais algumas ilustrações tiradas dos mesmos jogos.
  26. Durante o segundo ato, em um simulacro de luta marítima, um dos bárbaros enfiou profundamente em sua própria garganta uma lança que lhe fora dada para uso contra seu inimigo. “Por que, oh, por que,” ele disse, “há muito tempo não escapei de toda esta tortura e toda esta zombaria? Por que eu deveria estar armado e ainda esperar a morte vir?” Esta apresentação foi ainda mais notável por causa da lição que os homens aprenderam de que morrer é mais honroso do que matar.
  27. O que então? Se tal espírito é possuído por homens depravados e perigosos, não será possuído também por aqueles que se treinaram para enfrentar tais contingências por meditação longa, e pela razão, a senhora de todas as coisas? É a razão que nos ensina que o destino tem várias maneiras de abordar, mas o mesmo fim, e que não faz diferença em que ponto o inevitável evento começa.
  28. A razão também nos aconselha a morrer, se pudermos, segundo nosso gosto; se isso não puder ser, ela nos aconselha a morrer de acordo com nossa capacidade e a aproveitar qualquer meio que se ofereça para cometer violência a nós mesmos. É criminoso “viver por roubo”; mas, por outro lado, é muito nobre “morrer por roubo”.

 

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1]Terraeque urbesque recedunt” Trecho de Eneida de Virgílio.

[2] Telésforo de Rodes, ameaçado pelo tirano Lisímaco, é citado como um exemplo extremo de punição cruel no texto “Sobre a Ira”, mas é usado aqui para ilustrar a covardia de qualquer vítima que não prefere a morte a uma vida desonrada.

[3] Libo, um parente remoto da família imperial, foi acusado de planejar uma conspiração contra Tibério e condenado formalmente à morte. Sua tia Escribonia, a penúltima esposa de Augusto e a mãe de sua única criança Julia, tomou a linha de que o suicídio (como era esperado nessas circunstâncias) seria poupar seu executor a responsabilidade de matá-lo.

[4] Catão tentou o suicídio cortando seu abdômen com sua espada. Não obtendo êxito, arrancou com a própria mão seu intestino.

Carta 67: Sobre a doença e a resistência ao sofrimento

Na carta 67 Sêneca aborda um mal entendido comum em relação ao estoicismo.  A Filosofia não requer ou exige sofrimento ou qualquer dificuldade,  mas apenas diz que estas são situações corriqueiras que devem ser suportadas com tranquilidade,  já que não deveria ser surpresa para ninguém:

“Nem estou tão louco quanto a desejar a doença; mas se eu tiver que sofrer uma doença, desejo que eu não faça nada que mostre falta de contenção, e nada que seja covarde. A conclusão é, não que as dificuldades sejam desejáveis, mas que a virtude é desejável, pois nos permite pacientemente suportar dificuldades.” (LXVII, 4)

Cita os exemplos de conduta estoica como Catão, Rutílio e Régulo que foram testados pela adversidade e souberam suporta-la com sabedoria. Conclui dizendo que uma vida sem sobressaltos e ataques da Fortuna é uma vida insossa:

Se você não tem nada para despertá-lo e levá-lo à ação, nada que irá testar sua resolução por ameaças e hostilidades; se você se reclina em conforto inabalável, não é tranquilidade; é apenas uma calma rasa. “(LXVII,14)

Imagem:  Pintura de Salvator Rosa (1615-1673), A Morte de Régulo. A tortura infligida a Régulo, foi ser rolado morro abaixo dentro de um barril cheio de pregos.


LXVII. Sobre a doença e a resistência ao sofrimento

Saudações de Sêneca a Lucílio.

  1. Se eu posso começar com uma observação comum, a primavera está se revelando gradualmente; mas embora seja preparação para o verão, quando se esperaria clima quente, está bastante frio, e ainda não se pode ter certeza disso. Pois ela desliza frequentemente para trás para o tempo do inverno. Você deseja saber o quão incerto ainda é? Eu ainda não estou seguro para um banho que pode ser absolutamente frio; mesmo neste momento eu tremo de frio. Você pode dizer que esta não é maneira de mostrar tolerância, quer ao calor ou ao frio; muito verdadeiro, querido Lucílio, mas na minha idade, raramente alguém fica satisfeito com o frio natural. Eu mal posso deixar de ter frio no meio do verão. Assim, eu passo a maior parte do tempo embrulhado;
  2. E agradeço a velhice por me manter preso à minha cama. Por que não devo agradecer à velhice por isso? Aquilo o que eu não deveria querer fazer, não tenho a capacidade de fazer. A maioria das minhas conversas é com livros. Sempre que suas cartas chegam, imagino que estou com você, e tenho a sensação de que estou prestes a falar a minha resposta, em vez de escrevê-la. Portanto, vamos juntos investigar a natureza de seu problema, como se estivéssemos conversando um com o outro.
  3. Você me pergunta se todo bem é desejável. Você diz: “Se é bom ser corajoso sob a tortura, ir à tortura com um coração forte, suportar a doença com resignação; segue-se que essas coisas são desejáveis. Mas não vejo que nenhuma delas valha a pena ser desejada. De qualquer forma, eu ainda não conheço ninguém que tenha feito uma promessa por ter sido cortado em pedaços pela vara, ou retorcido pela gota, ou feito mais alto pela roda de tortura.
  4. Meu caro Lucílio, você deve distinguir entre estes casos; então você compreenderá que há algo neles que é desejável. Eu prefiro estar livre da tortura; mas se chegar o momento em que deva ser suportada, desejo que eu possa conduzir-me com bravura, honra e coragem. É claro que eu prefiro que a guerra não ocorra; mas se a guerra ocorrer, desejo que eu possa suportar nobremente as feridas, a fome e tudo o que a exigência da guerra traz. Nem estou tão louco quanto a desejar a doença; mas se eu tiver que sofrer uma doença, desejo que eu não faça nada que mostre falta de contenção, e nada que seja covarde. A conclusão é, não que as dificuldades sejam desejáveis, mas que a virtude é desejável, pois nos permite pacientemente suportar dificuldades.
  5. Alguns de nossa escola pensam que, de todas essas qualidades, não é desejável uma resistência intrépida, embora não seja desprezada, porque devemos procurar pela oração unicamente o bem que é puro, pacífico e fora do caminho dos problemas. Pessoalmente, eu não concordo com eles. E porque? Primeiro, porque é impossível que qualquer coisa seja boa sem ser também desejável. Porque, novamente, se a virtude é desejável, e se nada que é bom carece de virtude, então tudo o que é bom é desejável. E, finalmente, porque uma resistência corajosa mesmo sob tortura é desejável.
  6. Neste ponto, eu lhe pergunto: a bravura não é desejável? No entanto, a bravura despreza e desafia o perigo. A parte mais bela e admirável da bravura é que ela não se acovarda da tortura, avança para encontrar ferimentos, e às vezes nem evita a lança, mas recebe-a com o peito aberto. Se a bravura é desejável, também é a resistência paciente da tortura; pois isso é uma parte da bravura. Apenas filtre essas coisas, como sugeri; então não haverá nada que possa confundir você. Pois não é a mera resistência à tortura, mas a corajosa resistência, que é desejável. Eu, portanto, desejo a resistência “corajosa”; e isso é virtude.
  7. “Mas,” você diz, “quem desejou tal coisa para si mesmo?” Algumas orações são abertas e sinceras, quando os pedidos são oferecidos especificamente; outras orações são expressas indiretamente, quando incluem muitos pedidos sob um título. Por exemplo, desejo uma vida de honra. Agora, uma vida de honra inclui vários tipos de conduta; pode incluir o barril em que Régulo[1] estava confinado, ou a ferida de Catão que foi rasgada por sua própria mão, ou o exílio de Rutílio, ou a xícara de veneno que removeu Sócrates da prisão para o céu. Consequentemente, ao orar por uma vida de honra, ore também por aquelas coisas sem as quais, em algumas ocasiões, a vida não pode ser honrada.
  8. Oh três vezes e quatro vezes mais
    Quem debaixo das altas muralhas de Tróia
    Conheceu a morte feliz diante dos olhos dos pais![2]
    O que importa se você oferece esta oração para algum indivíduo, ou admite que era desejável no passado?
  9. Décio sacrificou-se pelo Estado; ele esporou seu cavalo e correu para o meio do inimigo, buscando a morte. O segundo Décio, rivalizando com o valor de seu pai, reproduzindo as palavras que se haviam tornado sagradas e familiares, se atirou ao ponto de luta mais pesada, ansioso apenas por que seu sacrifício pudesse trazer um presságio de sucesso, e considerando uma morte nobre como uma coisa a ser desejada. Você duvida, então, se é melhor morrer glorioso e realizar alguma ação de valor?
  10. Quando alguém suporta tortura bravamente, está usando todas as virtudes. A resistência talvez seja a única virtude que está a vista e mais manifesta, mas a bravura está lá também, e resistência e resignação e paciência são seus ramos. Lá, também, há planejamento; pois sem planejamento nenhum projeto pode ser empreendido; é o planejamento que aconselha alguém a suportar tão bravamente como possível as coisas que não pode evitar. Há também firmeza, que não pode ser deslocada de sua posição, que a ferramenta que nenhuma força pode fazer abandonar o seu propósito. Existe toda a inseparável companhia das virtudes; cada ato honrado é a obra de uma só virtude, mas está de acordo com o julgamento de todo o concílio. E o que é aprovado por todas as virtudes, embora pareça ser obra de um só, é desejável.
  11. O quê? Você acha que essas coisas só são desejáveis as quais vêm a nós em meio a prazer e facilidade, e que nós adornamos nossas portas em acolhimento? Há certos bens cujas características são proibitivas. Há certas orações que são oferecidas por uma multidão, não de homens que se alegram, mas de homens que se curvam reverentemente e adoram.
  12. Não foi assim que Régulo orou para que chegasse a Cartago? Vestir-se com a coragem de um herói, e afastar-se das opiniões do homem comum. Forme uma concepção apropriada da imagem da virtude, uma coisa que excede a beleza e a grandeza; esta imagem não deve ser adorada por nós com incenso ou guirlandas, mas com suor e sangue.
  13. Eis que Marcos Catão, deitado sobre o peito santificado, suas mãos sem mancha, e despedaçando as feridas que não foram suficientemente profundas para matá-lo! Que, por favor, deveria dizer a ele: “Espero que tudo seja como você quiser”, e “Estou triste”, ou “Boa fortuna em sua empreitada”?
  14. A este respeito, penso no nosso amigo Demétrio, que chama de existência fácil, não perturbada pelos ataques da Fortuna, um “Mar Morto”. Se você não tem nada para despertá-lo e levá-lo à ação, nada que irá testar sua resolução por suas ameaças e hostilidades; se você se reclina em conforto inabalável, não é tranquilidade; é apenas uma calma rasa.
  15. O estoico Átalo costumava dizer: “Eu prefiro que a Fortuna me mantenha em seu acampamento em vez de no luxo, se sou torturado, mas suporto corajosamente, tudo está bem, se morrer, mas morrer corajosamente, também está bem.” Ouça Epicuro; ele irá dizer-lhe que isso é realmente agradável. Jamais aplicarei uma palavra afeminada a um ato tão honroso e austero. Se eu for para a fogueira, devo ir invicto.
  16. Por que não consideraria isto desejável – não porque o fogo me queime, mas porque não me vença? Nada é mais excelente ou mais belo do que a virtude; tudo o que fazemos em obediência às suas ordens é bom e desejável.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] Marco Atílio Régulo (299 a.C. – 246 a.C.; em latimMarcus Atilius Regulus). Conta a tradição que os cartagineses teriam enviado o ilustre prisioneiro a Roma para que ele convencesse seus concidadãos a cederem à paz. O combinado era que, se ele não conseguisse fazê-lo, deveria retornar a Cartago para ser executado. Régulo, ao invés de defender a paz, revelou aos romanos as condições político-econômicas dos inimigos exortando-os a tentarem um último esforço, pois Cartago não conseguiria resistir à pressão da guerra e seria derrotada. Ao término de seu discurso, honrando a sua palavra, retornou para Cartago e foi torturado e executado. Aparentemente, a tortura infligida a Régulo, que teve as pálpebras cortadas e, foi ser rolado morro abaixo dentro de um barril cheio de pregos.

[2] Trecho de Eneida de Virgílio:

O terque quaterque beati,
Quis ante ora patrura Troiae sub moenibus altis
Contigit oppetere!

Carta 66: Sobre vários aspectos da virtude

Na carta 66, primeira do Volume II,  Sêneca discorre longamente sobre a virtude e suas características. Defende que a virtude é única e representa o ápice. Todas as chamadas virtudes são na realidade o mesmo conceito em sua capacidade máxima:

“A virtude é ilimitada; pois limites dependem de medições definidas. A constância não pode avançar mais do que a fidelidade, a veracidade ou a lealdade. O que pode ser acrescentado ao que é perfeito? Nem se pode acrescentar nada à virtude, pois, se alguma coisa puder ser acrescentada a ela, seria necessária alguma imperfeição.” (LXVI, 9)

Para Sêneca a virtude é sempre um ato voluntário, originado da razão:

“nenhum ato é honrado quando é feito por um agente involuntário, quando é obrigatório. Todo ato honrado é voluntário. Misture-o com relutância, queixas, covardia ou medo, e perde sua melhor característica – auto aprovação. O que não é livre não pode ser honrado; pois medo significa escravidão.” (LXVI, 16)

Novamente retorna ao conceito estoico de coisas indiferentes, e coloca o bem estar, saúde e riqueza na categoria dos indiferentes preferidos:

“todas aquelas coisas sobre as quais a fortuna tem influência, bens materiais, dinheiro, posses, posição; elas são fracas, inconstantes, propensas a perecer, e de posse incerta. Por outro lado, as obras da virtude são livres e insubmissas, nem mais dignas de ser procuradas quando a fortuna as trata com bondade, nem menos digna quando alguma adversidade pesa sobre elas”. (LXVI, 23)

Conclui a carta relembrando a história de Caio Múcio Cévola herói da fundação da República Romana e tema usado para ilustrar essa carta.  (pintura de Matthias StomerMucius Scaevola na presença de Lars Porsenna )


LXVI. Sobre vários aspectos da virtude

Saudações de Sêneca a Lucílio.

  1. Acabei de ver meu ex-colega de escola, Clarano, pela primeira vez em muitos anos. Você não precisa esperar que acrescente que ele é um homem velho; Mas asseguro-lhe que o encontrei são em espírito e robusto, embora ele esteja lutando com um corpo frágil e fraco. Pois a Natureza agiu de forma injusta quando lhe deu um pobre domicílio para uma alma tão rara; ou talvez fosse porque ela queria nos provar que uma mente absolutamente forte e feliz pode estar escondida sob qualquer exterior. Seja como for, Clarano supera todos esses obstáculos, e por desprezar seu próprio corpo chegou a um estágio onde ele pode desprezar outras coisas também.
  2. O poeta que cantou: Valor mostra mais agradável em uma forma que é justa. [1] está, na minha opinião, enganado. Pois a virtude não precisa de nada para compensá-la; é sua própria glória, e santifica o corpo em que habita. De qualquer modo, comecei a considerar Clarano sob uma luz diferente; ele parece-me simpático, e bem construído tanto em corpo como na mente.
    Valor mostra mais agradável em uma forma que é justa
  3. Um grande homem pode nascer em um casebre; assim pode uma linda e grande alma em um corpo feio e insignificante. Por esta razão a natureza parece criar alguns homens deste selo com a ideia de provar que a virtude nasce em qualquer lugar. Se tivesse sido possível produzir almas sozinhas e nuas, ela o teria feito; como é fato, a natureza faz uma coisa ainda maior, pois ela produz certos homens que, embora impedidos em seus corpos, ainda assim rompem a obstrução.
  4. Creio que Clarano foi produzido como um padrão, para que possamos entender que a alma não é desfigurada pela feiura do corpo, mas pelo contrário, que o corpo é embelezado pela beleza da alma. Agora, apesar de Clarano e eu temos passados muitos poucos dias juntos, tivemos, no entanto, muitas conversas, que vou em seguida verter e transmitir para você.
  5. O primeiro dia investigamos esse problema: como os bens podem ser iguais se forem de três tipos[2]? Pois alguns deles, de acordo com os nossos princípios filosóficos, são primários, como a alegria, a paz e o bem-estar de um país. Outros são de segunda ordem, moldados de um material infeliz, como a resistência ao sofrimento e o autocontrole durante uma doença grave. Rezaremos abertamente pelos bens da primeira classe; para a segunda classe, oraremos somente se a necessidade surgir. Há ainda uma terceira variedade, como, por exemplo, um andar modesto, um semblante calmo e honesto, e um comportamento que se adapte ao homem de sabedoria.
  6. Agora, como podem estas coisas ser iguais quando as comparamos, se você conceder que devemos orar por um e evitar o outro? Se fizermos distinções entre eles, devemos retornar ao Primeiro Bem, e considerar qual é a sua natureza: a alma que olha para a verdade, que é hábil no que deve ser buscado e no que deve ser evitado, estabelecendo padrões de valor não de acordo com a opinião, mas de acordo com a natureza, – a alma que penetra o mundo inteiro e dirige seu olhar contemplativo sobre todos os seus fenômenos, prestando atenção estrita aos pensamentos e ações, igualmente grande e vigorosa, superior às dificuldades e as lisonjas, cedendo a nem dos extremos da fortuna, acima de todas as bênçãos e aflições, absolutamente linda, perfeitamente equipada com graça, bem como com força, saudável e vigorosa, imperturbável, nunca consternada , que nenhuma violência possa destruir, uma que os acaso não podem exaltar nem deprimir – uma alma como esta é a própria virtude.
  7. Lá você tem a sua aparência externa, se nunca deve vir sob um único aspecto e mostrar-se uma vez em toda a sua integridade. Mas há muitos aspectos disso. Desdobram-se de acordo com a vida e ações; mas a própria virtude não se torna menor ou maior. Pois o Bem Supremo não pode diminuir, nem a virtude retroceder; em vez disso, é transformada, agora em uma qualidade e agora em outra, moldando-se de acordo com a função que está a desempenhar.
  8. Tudo o que toca leva à semelhança consigo mesmo, e tinge com sua própria cor. Adorna nossas ações, nossas amizades e, às vezes, casas inteiras que entrou e pôs em ordem. O que seja o que for que tenha tocado imediatamente torna-o amável, notável, admirável. Portanto, o poder e a grandeza da virtude não podem elevar-se a alturas maiores, porque o incremento é negado àquilo que é superlativamente grande. Você não encontrará nada mais reto do que o reto, nada mais verdadeiro do que a verdade, e nada mais temperado do que o que é temperado.
  9. Toda virtude é ilimitada; pois limites dependem de medições definidas. A constância não pode avançar mais do que a fidelidade, a veracidade ou a lealdade. O que pode ser acrescentado ao que é perfeito? Nem se pode acrescentar nada à virtude, pois, se alguma coisa puder ser acrescentada a ela, seria necessária alguma imperfeição. Honra, também, não permite adição; pois é honrado por causa das mesmas qualidades que mencionei. E então? Você acha que a correção, a justiça, a legalidade, também não pertencem ao mesmo tipo, e que elas são mantidas dentro de limites fixos? A capacidade de melhorar é a prova de que uma coisa ainda é imperfeita.
  10. O bem, em todos os casos, está sujeito a essas mesmas leis. A vantagem da situação e do indivíduo estão juntas; na verdade, é tão impossível separá-los quanto separar o louvável do desejável. Portanto, as virtudes são mutuamente iguais; e assim são as obras da virtude, e todos os homens que são tão afortunados de possuir essas virtudes.
  11. Mas, como as virtudes das plantas e dos animais são perecíveis, são também frágeis, passageiras e incertas. Elas brotam, e elas afundam novamente, e por isso não são avaliadas ao mesmo valor; mas às virtudes humanas apenas uma regra se aplica. Pois a razão correta é única e de um só tipo. Nada é mais divino do que o divino, ou mais celestial do que o celestial.
  12. As coisas mortais decaem, caem, são desgastadas, crescem, são esgotadas, e reabastecidas. Assim, no caso delas, em vista da incerteza de sua fortuna, há desigualdade; mas das coisas divinas a natureza é única. A razão, entretanto, não é nada mais do que uma porção do espírito divino colocado em um corpo humano. Se a razão é divina, e o bem nunca carece de razão, então o bem é sempre divino. E além disso, não há distinção entre as coisas divinas; consequentemente também não existe nenhuma entre bens. Daí resulta que a alegria e uma corajosa e obstinada resistência à tortura são bens equivalentes; pois em ambos há a mesma grandeza de alma descontraída e alegre em um caso, no outro um combativo e pronto para a ação.
  13. O quê? Você não acha que a virtude daquele que bravamente ataca a fortaleza do inimigo é igual à daquele que sofre um cerco com a maior paciência? Grande é Cipião quando ele cerca Numância, e constrange e compele as mãos de um inimigo, que ele não poderia conquistar, para lançar mão à sua própria destruição[3]. Grande também são as almas dos defensores – homens que sabem que, enquanto o caminho para a morte está aberto, o cerco não é completo, os homens que respiram até o fim nos braços da liberdade. Do mesmo modo, as outras virtudes também são iguais entre si: tranquilidade, simplicidade, generosidade, constância, equanimidade, resistência. Porque subjacente a todas elas há uma única virtude – o que torna a alma reta e inabalável.
  14. “O que então”, você diz; “Não há diferença entre a alegria e a obstinada resistência à dor?” De forma alguma, não em relação às próprias virtudes; muito grande, no entanto, nas circunstâncias em que uma dessas duas virtudes é exibida. Em um caso, há um relaxamento natural e afrouxamento da alma; no outro há uma dor não natural. Daí que estas circunstâncias, entre as quais uma grande distinção pode ser estabelecida, pertencem à categoria de coisas indiferentes, mas a virtude mostrada em cada caso é igual.
  15. A virtude não é alterada pela questão com a qual trata; se a matéria é dura e teimosa, não piora a virtude; se agradável e alegre, não a torna melhor. Portanto, a virtude permanece necessariamente igual. Pois, em cada caso, o que se faz é feito com igual retidão, com igual sabedoria e com igual honra. Assim, os estados de bondade envolvidos são iguais, e é impossível para um homem ultrapassar esses estados de bondade, por conduzir-se melhor, seja o um homem em sua alegria, ou o outro em meio a seu sofrimento. E dois bens, que nenhum dos quais possa ser melhor que o outro, são iguais.
  16. Pois se as coisas que são extrínsecas à virtude podem diminuir ou aumentar a virtude, então o que é honroso deixa de ser o único bem. Se você aceitar isso, a honra perece completamente. E porque? Deixe-me dizer-lhe: é porque nenhum ato é honrado quando é feito por um agente involuntário, quando é obrigatório. Cada ato honorável é voluntário. Misture-o com relutância, queixas, covardia ou medo, e perde sua melhor característica – auto aprovação. O que não é livre não pode ser honrado; pois medo significa escravidão.
  17. O honorável está totalmente livre da ansiedade e é calmo; se alguma vez objeta, lamenta ou considera qualquer coisa como um mal, torna-se sujeito a perturbação e começa a chafurdar em meio a grande confusão. Pois, de um lado, a aparência de correção o atrai, por outro, a suspeita do mal o arrasta para trás, portanto, quando um homem está prestes a fazer algo honorável, ele não deve considerar quaisquer obstáculos como infortúnios, embora os considere como inconvenientes, mas ele deve querer fazer a ação, e fazê-la de boa vontade. Pois todo ato honorável é feito sem ordens ou coação; é puro e não contém mistura de mal.
  18. Eu sei o que você pode me responder neste momento: “Você está tentando fazer-me acreditar que não importa se um homem sente a alegria, ou se encontra-se sob tortura e esgota seu torturador?” Poderia dizer em resposta: “Epicuro também sustenta que o sábio, embora esteja sendo queimado no touro de Fálaris[4], clamará:” É agradável, e não me preocupa em absoluto. “Por que você precisa se admirar, se eu afirmo que aquele que repousa num banquete e a vítima que resiste firmemente à tortura possuem bens iguais, quando Epicuro mantém uma coisa que é mais difícil de acreditar, ou seja, que é agradável ser assado desta maneira?
  19. Mas a resposta que eu dou, é que há grande diferença entre alegria e dor; se me pedem para escolher, vou procurar a primeira e evitar a última. A primeira está de acordo com a natureza, a segunda é contrária a ela. Enquanto são classificados por este padrão, há um grande abismo entre elas; mas quando se trata de uma questão da virtude envolvida, a virtude em cada caso é a mesma, quer venha através da alegria ou através da tristeza.
  20. A vexação, a dor e outros inconvenientes não têm consequências, pois são vencidos pela virtude. Assim como o brilho do sol escurece todas as luzes menores, assim a virtude, por sua própria grandeza, quebra e abranda todas as dores, aborrecimentos e erros; e onde quer que seu brilho chegue, todas as luzes que brilham sem a ajuda da virtude são extintas; e os inconvenientes, quando entram em contato com a virtude, não desempenham um papel mais importante do que uma nuvem de tempestade no mar.
  21. Isto pode ser provado para você pelo fato que o bom homem apressar-se-á sem hesitação a qualquer ação nobre; mesmo que seja confrontado com o carrasco, o torturador e o pelourinho, ele persistirá, não quanto ao que ele deve sofrer, mas quanto ao que deve fazer; e desempenhará tão prontamente a uma ação honrosa quanto a um homem bom; ele o considerará vantajoso para si mesmo, seguro e propício. E ele manterá o mesmo ponto de vista sobre uma ação honrosa, ainda que seja carregada de tristeza e dificuldades, como sobre um homem bom que é pobre ou desperdiçado no exílio.
  22. Agora, compare um bom homem extremamente rico com um homem que não tem nada, exceto que em si mesmo tem todas as coisas; eles serão igualmente bons, embora experimentem fortuna desigual. Este mesmo padrão, como tenho observado, deve ser aplicado tanto às coisas quanto aos homens; a virtude é tão louvável se ela habita num corpo sadio e livre, como em alguém que está doente ou em escravidão.
  23. Portanto, quanto à sua própria virtude, não a louvará mais, se a fortuna a favorecer, concedendo-lhe um corpo sadio, do que se a fortuna lhe der um corpo que é mutilado em algum membro, pois isso significaria classificar inferiormente um mestre porque ele está vestido como um escravo. Pois todas aquelas coisas sobre as quais a fortuna tem influência, bens materiais, dinheiro, posses, posição; elas são fracas, inconstantes, propensas a perecer, e de posse incerta. Por outro lado, as obras da virtude são livres e insubmissas, nem mais dignas de ser procuradas quando a fortuna as trata com bondade, nem menos digna quando alguma adversidade pesa sobre elas.
  24. A amizade no caso dos homens corresponde à desejabilidade no caso das coisas. Você não gostaria, eu imagino, de amar um bom homem, se ele fosse rico, mais do que se fosse pobre, e não amaria uma pessoa forte e musculosa mais do que uma pessoa delgada e de constituição delicada. Assim, nem procurará nem amará uma coisa boa que seja divertida e tranquila mais do que uma que é cheia de perplexidade e labuta.
  25. Ou, se você fizer isso, você vai, no caso de dois homens igualmente bons, gostar mais de quem é limpo e bem-asseado do que daquele que é sujo e despenteado. Você chegaria ao ponto de se importar mais com um homem bom que é são em todos os seus membros e sem defeito, do que com alguém que é fraco ou cego; e gradualmente sua exigência alcançaria tal ponto que, de dois homens igualmente justos e prudentes, você escolheria aquele que tem cabelos longos e ondulados! Sempre que a virtude em cada um é igual, a desigualdade em seus outros atributos não é aparente. Pois todas as outras coisas não são partes, mas apenas acessórios.
  26. Qualquer homem julgaria seus filhos de modo tão injusto a fim de se preferir mais um filho saudável do que um doente, ou a um filho alto, de estatura incomum, mais do que a outro de pouca ou de baixa estatura? Os animais selvagens não mostram nenhum favoritismo entre sua prole; eles se deitam para amamentar todos igualmente; aves fazem a distribuição justa de seus alimentos. Ulisses apressa-se de volta às rochas de sua Ítaca tão ansiosamente quanto Agamenon acelera até as majestosas muralhas de Micenas. Porque nenhum homem ama a sua terra natal porque é grande; ele a ama porque é sua.
  27. E qual é o propósito de tudo isso? Que você saiba que a virtude considera todas as suas obras sob a mesma luz, como se fossem seus filhos, mostrando a mesma bondade a todos e ainda mais profunda bondade para aqueles que encontram dificuldades; pois mesmo os pais inclinam-se com mais afeição para filhos de quem sentem piedade. A virtude, também, não necessariamente ama mais profundamente aquelas de suas obras que vê em problemas e sob pesados fardos, mas, como bons pais, ela lhes dá mais de seus cuidados de acolhimento.
  28. Por que nenhum bem é maior do que qualquer outro bem? É porque nada pode ser mais apropriado do que aquele que é apropriado, e nada mais nivelado do que aquilo que está nivelado. Você não pode dizer que uma coisa é mais igual a um objeto determinado do que outra coisa; daí também nada é mais honrado do que aquilo que é honroso.
  29. Assim, se todas as virtudes são iguais por natureza, as três variedades de bens são iguais. Isto é o que quero dizer: há uma igualdade entre sentir alegria com autocontrole e sofrer dor com autocontrole. A alegria em um caso não ultrapassa no outro a firmeza da alma que afoga o gemido quando está nas garras do torturador; são desejáveis os bens do primeiro tipo, enquanto os do segundo são dignos de admiração; e, em cada caso, não são menos iguais, porque qualquer inconveniente atribuído a este último é compensado pelas qualidades do bem, que é muito maior.
  30. Qualquer homem que os julgue desiguais está se afastando das próprias virtudes e está examinando meras exterioridades; os bens verdadeiros têm o mesmo peso e a mesma largura. O tipo espúrio contém muito vazio; portanto, quando são pesados, percebemos sua deficiência, embora pareçam imponentes e grandiosos ao olhar.
  31. Sim, meu caro Lucílio, o bem que a verdadeira razão aprova é sólido e eterno; fortalece o espírito e exalta-o, para que ele esteja sempre nas alturas; Mas as coisas que são irrefletidamente elogiadas, e são bens na opinião da multidão meramente nos enchem de alegria vazia. e, novamente, aquelas coisas que são temidas como se fossem males apenas inspiram ansiedade na mente dos homens, pois a mente é perturbada pela aparência do perigo, assim como os animais também o são perturbados.
  32. Portanto, é sem razão que ambas as coisas distraem e picam o espírito; um não é digno de alegria, nem o outro de medo. Somente a razão é imutável e se apega a suas decisões. Pois a razão não é um escrava dos sentidos, mas uma governante sobre eles. A razão é igual à razão, como uma linha reta para outra; portanto, a virtude também é igual à virtude. A virtude não é nada mais do que razão correta. Todas as virtudes são razões. As razões são razões, se são razões certas. Se elas estão certas, elas também são iguais.
  33. Como a razão é, assim também são as ações; portanto, todas as ações são iguais. Pois, uma vez que se assemelham à razão, também se assemelham umas as outras. Além disso, considero que as ações são iguais entre si, na medida em que são ações honradas e corretas. Haverá, naturalmente, grandes diferenças de acordo com a variação do material, como se torna agora mais amplo e agora mais estreito, agora glorioso e agora inferior, agora múltiplo no alcance e agora limitado. No entanto, o que é melhor em todos estes casos é igual; eles são todos honrados.
  34. Da mesma forma, todos os homens bons, na medida em que são bons, são iguais. Há, de fato, diferenças de idade, um é mais velho, outro mais jovem; do corpo, – um é agradável, outro é feio; da fortuna, – este homem é rico, esse homem pobre, este é influente, poderoso e conhecido pelas cidades e povos, aquele homem é desconhecido para a maioria, e é obscuro. Mas todos, em relação àquilo em que são bons, são iguais.
  35. Os sentidos não decidem sobre coisas boas e más; eles não sabem o que é útil e o que não é útil[5]. Eles não podem registrar sua opinião a menos que sejam confrontados com um fato; eles não podem ver o futuro nem se lembrar do passado; e eles não sabem o que resulta do quê. Mas é a partir desse conhecimento que uma sequência e sucessão de ações é tecida, e uma unidade de vida é criada, – uma unidade que prosseguirá em um curso reto. A razão, portanto, é o juiz do bem e do mal; o que é estrangeiro e externo ela considera como escória, e o que não é nem bom nem mau ela julga como apenas acessório, insignificante e trivial. Pois todo o seu bem reside na alma.
  36. Mas há certos bens que a razão considera primordiais, aos quais ela se dirige deliberadamente; estes são, por exemplo, a vitória, os bons filhos e o bem-estar de um país. Alguns outros considera secundários; estes se tornam manifestos apenas na adversidade, – por exemplo, a equanimidade em suportar uma doença grave ou exílio. Certos bens são indiferentes; estes não são mais de acordo com a natureza do que contrárias à natureza, como, por exemplo, um andar discreto e uma postura tranquila em uma cadeira. Pois sentar é um ato que não é menos de acordo com a natureza do que ficar em pé ou andar.
  37. Os dois tipos de bens que são de ordem superior são diferentes; os primários são de acordo com a natureza, – como a alegria derivada do comportamento obediente de seus filhos e do bem-estar de seu país. Os secundários são contrários à natureza, como a força moral em resistir à tortura ou na aceitação da sede quando a doença torna os órgãos vitais febris.
  38. “O que então”, você diz; “alguma coisa que é contrária à natureza pode ser um bem?” Claro que não; mas aquela em que esse bem eleva-se a sua origem é por vezes contrária à natureza. Por estarem feridos, esvaindo-se sobre um fogo, aflitos com má saúde, – tais coisas são contrárias à natureza; mas é de acordo com a natureza que um homem preserve uma alma indomável em meio a tais aflições.
  39. Para explicar brevemente o meu pensamento, o material com o qual o bem se relaciona às vezes é contrário à natureza, mas um bem em si mesmo nunca é contrário, pois nenhum bem existe sem razão e a razão está de acordo com a natureza. “O que, então,” você pergunta, “é a razão?” É copiar a natureza. “E o que,” você diz, “é o maior bem que o homem pode possuir?” É conduzir-se de acordo com o que a natureza deseja.
  40. “Não há dúvida”, diz o opositor, “que a paz proporciona mais felicidade quando não é atacada do que quando é recuperada a custo de grande matança”. “Também não há dúvida de que a saúde, que não foi comprometida, oferece mais felicidade do que a saúde que foi restituída à solidez por meio da força, por assim dizer, e pela resistência ao sofrimento, depois de doenças graves que ameaçaram a vida em si e, da mesma forma, não há dúvida de que a alegria é um bem maior do que a luta de uma alma para suportar até o fim os tormentos das feridas ou da tortura”.
  41. De modo algum. Pois coisas que resultam do risco admitem ampla distinção, uma vez que são avaliadas de acordo com sua utilidade aos olhos daqueles que as experimentam, mas em relação aos bens, o único ponto a ser considerado é que eles estão de acordo com a natureza; e isso é igual no caso de todos os bens. Quando em uma reunião do senado nós votamos em favor da proposta de alguém, não pode ser dito, “A. está mais de acordo com a proposta do que B.” Todos votam pela mesma proposta. Eu faço a mesma declaração com respeito às virtudes, – todos elas estão de acordo com a natureza; e eu o faço em relação aos bens igualmente, – estão todos de acordo com a natureza.
  42. Um homem morre jovem, outro na velhice, e ainda outro na infância, tendo desfrutado nada mais do que um simples vislumbre na vida. Todos eles foram igualmente sujeitos à morte, embora a morte tenha permitido a um avançar mais ao longo do caminho da vida, cortou a vida do segundo em sua flor, e quebrou a vida do terceiro em seu início.
  43. Alguns recebem sua quitação na mesa do jantar. Outros prolongam seu sono na morte. Alguns são eliminados durante a devassidão. Agora, compare essas pessoas com aquelas que foram perfuradas pela espada, ou levadas à morte por cobras, ou esmagadas em um desabamento, ou torturadas até a morte pela torção prolongada de seus tendões. Algumas dessas partidas podem ser consideradas melhores, outras piores; mas o ato de morrer é igual em tudo. Os métodos de acabar com a vida são diferentes; mas o fim é um e o mesmo. A morte não tem graus maiores ou menores; pois tem o mesmo limite em todos os casos, – o fim da vida.
  44. A mesma coisa é verdade, asseguro-lhe, em relação aos bens; você encontrará um em circunstâncias de puro prazer, outro em meio a tristeza e amargura. Uma pessoa controla os favores da fortuna; a outra supera seus ataques. Cada um é igualmente um bem, embora um viaja em uma estrada plana e fácil, e o outro em uma estrada áspera. E o fim de todos eles é o mesmo – eles são bens, eles são dignos de louvor, eles acompanham a virtude e a razão. A virtude faz todas as coisas que toca iguais entre si.
  45. Você não precisa duvidar que este é um dos nossos princípios; encontramos nos trabalhos de Epicuro dois bens, dos quais é composto o seu Bem Supremo, ou bem-aventurança, isto é, um corpo livre de dor e uma alma livre de perturbação. Estes bens, se estiverem completos, não aumentam; pois como pode o que é completo aumentar? O corpo é, suponhamos, livre da dor; que aumento pode haver a essa ausência de dor? A alma é serena e calma; que aumento pode haver para esta tranquilidade?
  46. Assim como o tempo bom, purificado no mais puro brilho, não admite um grau ainda maior de clareza; assim, quando um homem cuida de seu corpo e de sua alma, tecendo a textura de seu bem de ambos, sua condição é perfeita, e ele atingiu a meta de suas orações, se não há comoção em sua alma ou dor em seu corpo. Quaisquer que sejam os encantos que receba em relação a estas duas coisas não aumentam o seu Supremo Bem; eles simplesmente condimentam-no, por assim dizer, e acrescentam tempero a ele. Pois o bem absoluto da natureza do homem é satisfeito com a paz no corpo e a paz na alma.
  47. Posso mostrar-lhe neste momento nos escritos de Epicuro uma lista graduada dos bens, assim como a da nossa própria escola. Pois há algumas coisas, ele declara, que prefere receber, tais como descanso corporal livre de qualquer inconveniente e relaxamento da alma enquanto se deleita na contemplação de seus próprios bens. E há outras coisas que, embora preferisse que não acontecessem, mesmo assim elogia e aprova, por exemplo, o tipo de resignação, em momentos de má saúde e sofrimento grave, a que aludi há pouco, os quais Epicuro exibiu naquele último e mais abençoado dia de sua vida. Pois ele nos diz que teve que suportar a excruciante agonia de uma bexiga doente e de um estômago ulcerado, sofrimento tão aguçado que não permitiria aumento da dor; “E ainda,” ele diz, “aquele dia não foi menos feliz.” E nenhum homem pode passar tal dia em felicidade a menos que possua o Bem Supremo.
  48. Portanto, encontramos, até mesmo em Epicuro, bens que seriam melhor não experimentar; que, no entanto, porque circunstâncias assim o decidem, devem ser acolhidos e aprovados e colocados ao nível dos bens mais elevados. Não podemos dizer que o bem que preencheu uma vida feliz, o bem pelo qual Epicuro deu graças nas últimas palavras que pronunciou, não é igual ao maior.
  49. Permita-me, excelente Lucílio, pronunciar uma palavra ainda mais ousada: se qualquer mercadoria pudesse ser maior do que outras, eu preferiria aquelas que parecem acres as que são brandas e sedutoras, e as declararia maior. Pois é uma conquista maior superar as barreiras do caminho do que manter a alegria dentro dos limites estreitos.
  50. Exige o mesmo uso da razão, estou plenamente consciente, um homem suportar a prosperidade bem e também suportar a desgraça corajosamente. Que homem pode ser tão corajoso que durma em frente às muralhas sem medo de perigo quando nenhum inimigo ataca o acampamento, como o homem que, quando os tendões de suas pernas são cortados, se levanta de joelhos e não solta suas armas; mas é para o soldado manchado de sangue que retorna da frente que os homens clamam: “Bem feito, herói!” E por isso, eu devo conceder maior louvor aos bens que foram julgados e mostraram coragem, e lutaram contra a fortuna.
  51. Devo hesitar em dar maior elogio à mão mutilada e seca de Mucio do que à mão inofensiva do homem mais corajoso do mundo? Lá estava Múcio[6], desprezando o inimigo e desprezando o fogo, e observando sua mão enquanto pingava sangue sobre o fogo no altar de seu inimigo, até que Porsena, invejando a fama do herói a quem ele impingiu o castigo, ordenou que o fogo fosse removido contra a vontade de sua vítima.
  52. Por que não devo considerar este bem entre os bens primários, e julgá-lo como muito maior do que aqueles outros bens que são desacompanhados de perigo e não foram testados pela fortuna, pois é uma coisa mais rara superar um inimigo com uma mão perdida do que com uma mão armada. – E então? Você diz; “Você deseja esse bem para si mesmo?” Claro que sim. Pois esta é uma coisa que um homem não pode alcançar a menos que também a possa desejar.
  53. Devo desejar, em vez disso, que me permitam esticar os meus membros para que os meus escravos façam massagens, ou que uma mulher, ou um travesti, puxe as articulações dos meus dedos? Não posso deixar de acreditar que Múcio teve mais sorte porque manipulou as chamas tão calmamente como se estivesse estendendo a mão para o massagista. Ele havia aniquilado todos os seus erros anteriores; terminou a guerra desarmado e mutilado; e com aquele toco de uma mão ele conquistou dois reis.

 

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] Trecho de Eneida de Virgílio. “gratior et pulchro veniens e corpore virtus. “

[2] Sêneca não está falando aqui das três virtudes genéricas (físicas, éticas, lógicas), nem dos três tipos de bens (baseados na vantagem corporal) que foram classificados pela escola peripatética; Ele só está falando de três tipos de circunstâncias sob as quais o bem pode se manifestar. E no § 36 e seguintes ele mostra que considera apenas as duas primeiras classes como bens reais.

[3] O exército de Cipião montou dois acampamentos e construiu uma muralha de circunvalação à volta da cidade espanhola com sete torres a partir das quais seus arqueiros podiam atirar por cima da muralha numantina. Ele também represou o pântano vizinho e criou um lago entre a muralha da cidade e sua própria muralha. Para proteger seus acampamentos, Cipião construiu também muralhas exteriores (cinco no total). Para completar o cerco, Cipião isolou a cidade do rio Douro: nos pontos onde o rio entrava e saía da cidade, pares de torres foram construídas e, entre os pares, cabos com lâminas foram estendidos através do rio para evitar a passagem de barcos e nadadores.

[4]Touro de Fálaris, foi uma das mais cruéis máquinas de tortura e execução, cujo invento é atribuído a Fálaris, tirano de Agrigento. O aparelho era uma esfinge de bronze oca na forma de um touro mugindo, com duas aberturas, no dorso e na parte frontal localizada na boca. Após colocada a vítima, a entrada da esfinge era fechada e posta sobre uma fogueira. À medida que a temperatura aumentava no interior do Touro, o ar ficava escasso, e o executado procuraria meios para respirar, recorrendo ao orifício na extremidade do canal. Os gritos exaustivos do executado saíam pela boca do Touro, fazendo parecer que a esfinge estava viva.

[5] Aqui, Sêneca está lembrando Lucílio, como muitas vezes faz nas letras anteriores, que a evidência dos sentidos é apenas um degrau para ideias superiores – um princípio do epicurismo.

[6] Caio Múcio Cévola (em latim: Gaius Mucius Scaevola). Logo depois da fundação da República Romana, Roma se viu rapidamente sob a ameaça etrusca representada por Lar Porsena. Depois de rechaçar um primeiro ataque, os romanos se refugiaram atrás das muralhas da cidade e Porsena iniciou um cerco. Conforme o cerco se prolongou, a fome começou a assolar a população romana e Múcio, um jovem patrício, decidiu se oferecer para invadir sorrateiramente o acampamento inimigo para assassinar Porsena. Disfarçado, Múcio invadiu o acampamento inimigo e se aproximou de uma multidão que se apinhava na frente do tribunal de Porsena. Porém, como ele nunca tinha visto o rei, ele se equivoca e assassina uma pessoa diferente. Imediatamente preso, foi levado perante o rei, que o interrogou. Longe de se intimidar, Múcio respondeu às perguntas e se identificou como um cidadão romano disposto a assassiná-lo. Para demonstrar seu propósito e castigar seu próprio erro, Múcio colocou sua mão direita no fogo de um braseiro aceso e disse: “Veja, veja que coisa irrelevante é o corpo para os que não aspiram mais do que a glória!”. Surpreso e impressionado pela cena, o rei ordenou que Múcio fosse libertado. Como reconhecimento, Múcio confessa que trezentos jovens romanos haviam jurado, assim como ele, estar prontos a sacrificar-se para matá-lo. Aterrorizado por esta revelação, Porsena teria baixado suas armas e enviado embaixadores a Roma.

Carta #65: Sobre a Primeira Causa – Deus

Para o estoicismo o lugar de Deus no universo corresponde a relação da alma com o homem. O mundo material corresponde ao nosso corpo mortal.

Na carta 65 Sêneca pede que Lucílio atue como árbitro de um debate  filosófico-religioso a respeito de Deus, referido no texto como “primeira causa” (prima causa) e logo avisa que a tarefa será difícil e solicita que “declare quem lhe parece dizer o que é mais verdadeiro, e não quem diz o que é absolutamente verdadeiro. Pois fazer isso está tão além da nossa compreensão quanto a própria verdade. (LXV, 10)

Para Sêneca não somos só matéria, mas principalmente espírito e que a filosofia é o caminho para a liberdade:

Pois este nosso corpo é um peso sobre a alma e seu castigo; sob o peso desta carga a alma é esmagada e está em cativeiro, a menos que a filosofia venha em sua assistência e ofereça-lhe tomar coragem nova, contemplando o universo, e transformando coisas terrenas em coisas divinas.(LXV, 16)

Diz que debater de onde viemos e para onde vamos, pensar sobre religião,  é papel fundamental da filosofia.  Excluir esse debate é condenar o homem a olhar para o chão, a se manter cabisbaixo:

Não posso perguntar quem é o Mestre Construtor deste universo,  quem reuniu os átomos dispersos, quem separou os elementos desordenados e atribuiu uma forma exterior aos elementos que estavam num vasto amálgama disforme? De onde veio toda a expansão de luz?
Não devo fazer essas perguntas? Devo ignorar as alturas de onde eu desci? Se vou ver este mundo só uma vez, ou nascer muitas vezes? Qual é o meu destino depois? Que morada aguarda minha alma em sua libertação das leis da escravidão entre os homens? Você me proíbe de ter um quinhão do céu? Em outras palavras, você me manda viver cabisbaixo?(LXV, 19-20)

Conclui a carta afirmando que nosso corpo é secundário e que a alma é o principal,  segue então que Deus seria a alma do universo e que a morte é apenas uma mudança de estágio:

Pois meu corpo é a única parte de mim que pode sofrer lesões. Nesta morada, que está exposta <ao risco, minha alma vive livre.
Nunca esta carne me levará a sentir medo ou a assumir qualquer falsa aparência que seja indigna de um homem bom. Nunca vou mentir para honrar este pequeno corpo. Quando me parece apropriado, romperei minha ligação com ele. E, no momento, enquanto estivermos unidos, nossa aliança não será, no entanto, uma de igualdade; A alma trará todas as querelas diante de seu próprio tribunal. Desprezar nossos corpos é liberdade certa. O lugar de Deus no universo corresponde à relação da alma com o homem. O mundo material corresponde ao nosso corpo mortal; portanto, o inferior serve o mais elevado. Sejamos corajosos diante dos perigos. Não temamos injustiças, nem feridas, nem amarras, nem pobreza. E o que é a morte? É o fim, ou um processo de mudança! Não tenho medo de deixar de existir; é o mesmo que não ter começado. Nem me acovardo de mudar para outro estado, porque eu, sob nenhuma circunstância, estarei tão constrangido como estou agora.
(LXV, 21-24)

Imagem, detalhe de A criação de Adão por Michelangelo.


LXV. Sobre a Primeira Causa – Deus

Saudações de Sêneca a Lucílio.

  1. Eu dividi meu dia ontem com a doença; ela reivindicou para si todo o período antes do meio-dia; à tarde, porém, cedeu. E então eu primeiro testei meu espírito lendo; então, quando a leitura foi possível, ousei fazer mais exigências ao espírito, ou talvez eu diria, fazer mais concessões a ele. Escrevi um pouco, e com mais concentração do que o habitual, porque estou lutando com um assunto difícil e não quero ser derrubado. No meio disto, alguns amigos me visitaram, com o propósito de empregar força e de me conter, como se eu fosse um doente que se entregasse a algum excesso.
  2. Assim, a conversa substituiu a escrita; e desta conversa vou comunicar-lhe o tema que ainda é objeto de debate; pois nós o designamos árbitro. Você tem uma tarefa mais árdua em suas mãos do que imagina, pois o argumento é triplo. Nossos filósofos estoicos, como você sabe, declaram que há duas coisas no universo que são a fonte de tudo: a causa e a matéria. Matéria jaz lenta, uma substância pronta para qualquer uso, mas certa de permanecer desempregada, se ninguém a coloca em movimento. A causa, no entanto, pela qual queremos dizer a razão, molda a matéria e a transforma em qualquer direção que deseja, produzindo assim vários resultados concretos. Consequentemente, deve haver, no caso de cada coisa, aquilo de que é feita, e, em seguida, um agente pelo qual ela é feita. O primeiro é o seu material, este último a sua causa.
  3. Toda arte não é senão imitação da natureza; portanto, deixe-me aplicar essas declarações de princípios gerais às coisas que devem ser feitas pelo homem. Uma estátua, por exemplo, necessitou de matéria a ser tratada pelas mãos do artista, e teve um artista que deu forma a matéria. Assim, no caso da estátua, o material era de bronze, a causa era o trabalhador. E assim acontece com todas as coisas, – elas consistem no que é feito e no criador.
  4. Os estoicos acreditam em uma única causa – o criador; mas Aristóteles pensa que a palavra “causa” pode ser usada de três maneiras: “A primeira causa”, diz ele, “é a matéria real, sem a qual nada pode ser criado. A segunda é o operário. A terceira é a forma, que está gravada em cada obra, – uma estátua, por exemplo.” Esta última é o que Aristóteles chama de idos[1]. “Há, também,” diz ele, “uma quarta, – o propósito do trabalho como um todo.”
  5. Agora vou mostrar-lhe o que esta última significa. Bronze é a “primeira causa” da estátua, pois nunca poderia ter sido feita a menos que houvesse algo que pudesse ser moldada. A “segunda causa” é o artista; pois sem as mãos hábeis de um trabalhador o bronze não poderia ter sido moldado para os contornos da estátua. A “terceira causa” é a forma, na medida em que a nossa estátua nunca poderia ser chamada de O Portador da Lança ou O Garoto Prendendo seu Cabelo caso não tivesse esta forma especial estampada sobre ela. A “quarta causa” é o propósito do trabalho. Pois, se este propósito não existisse, a estátua não teria sido feita.
  6. Agora, qual é esse propósito? É o que atraiu o artista? O que ele seguiu quando ele fez a estátua? Pode ter sido dinheiro, se a fez para venda; ou renome, se tem trabalhado para a reputação; ou a religião, se a forjou como um presente para um templo. Portanto, esta também é uma causa contribuindo para a realização da estátua; ou você acha que devemos evitar incluir, entre as causas de uma coisa que foi feita, esse elemento sem o qual a coisa em questão não teria sido feita?
  7. A estes quatro Platão acrescenta uma quinta causa, – a matriz que ele mesmo chama de “ideia”; pois é isso que o artista olhou quando criou a obra que decidira realizar. Agora, não faz diferença se ele tem esse padrão fora de si mesmo, que ele pudesse dirigir seu olhar, ou dentro de si mesmo, concebido e colocado lá por si mesmo. Deus tem dentro de si estes padrões de todas as coisas, e sua mente compreende as harmonias e as medidas da totalidade das coisas que devem ser realizadas; Ele está cheio dessas formas que Platão chama de “ideias” – imperecíveis, imutáveis, não sujeitas à decadência. E, portanto, embora os homens morram, a própria humanidade, ou a ideia de homem, segundo a qual o homem é moldado, permanece e, embora os homens labutem e pereçam, não sofre mudança.
  8. Consequentemente, há cinco causas, como diz Platão: o material, o agente, a maquiagem, o modelo e o fim em vista. Por último vem o resultado de todos estes. Assim como no caso da estátua, para voltar à figura com a qual começamos, o material é o bronze, o agente é o artista, a maquiagem é a forma que se adapta ao material, o modelo é o padrão copiado pelo agente, o fim em vista é o propósito na mente do criador, e, finalmente, o resultado de tudo isso é a própria estátua.
  9. O universo também, na opinião de Platão, possui todos esses elementos. O agente é Deus; a fonte, a matéria; a forma, o contorno e a disposição do mundo visível. O modelo é sem dúvida o modelo segundo o qual Deus fez esta grande e mais bela criação.
  10. O propósito é seu objetivo ao fazê-lo. Você pergunta qual é o propósito de Deus? É bondade. Platão, pelo menos, diz: “Qual foi a razão de Deus para criar o mundo? Deus é bom, e nenhuma pessoa boa é invejosa de algo que é bom. Por isso, Deus fez dele o melhor mundo possível”. Transmita sua opinião, então, ó juiz; declare quem lhe parece dizer o que é mais verdadeiro, e não quem diz o que é absolutamente verdadeiro. Pois fazer isso está tão além da nossa compreensão quanto a própria verdade.
  11. Essa multidão de causas, definida por Aristóteles e Platão, abraça muito ou muito pouco. Pois se eles consideram como “causas” de um objeto que deve ser feito tudo sem o qual o objeto não pode ser feito, eles nomearam muito poucos. O tempo deve ser incluído entre as causas; pois nada pode ser feito sem tempo. Eles também devem incluir lugar; pois se não houver lugar onde uma coisa possa ser feita, ela não será feita. E movimento também; nada é feito ou destruído sem movimento. Não há arte sem movimento, nenhuma mudança de qualquer tipo.
  12. Agora, no entanto, estou procurando a primeira, a causa geral; isso deve ser simples, na medida em que a matéria, também, é simples. Perguntamos qual é a causa? É certamente a Razão Criativa, – em outras palavras, Deus. Pois aqueles elementos a que você se refere não são uma grande série de causas independentes; todos dependem de um só, e essa será a causa criadora.
  13. Você sustenta que a forma é uma causa? Isto é somente o que o artista carimba em seu trabalho; é parte de uma causa, mas não a causa. Nem o modelo é uma causa, mas um instrumento indispensável da causa. Seu modelo é tão indispensável ao artista como o cinzel ou a lixa; sem estes, a arte não pode fazer nenhum progresso. Mas, por tudo isso, essas coisas não são partes da arte, nem causas dela.
  14. “Então”, talvez você diga, “o propósito do artista, o que o leva a se comprometer a criar algo, é a causa”. Pode ser uma causa; não é, no entanto, a causa eficiente, mas apenas uma causa acessória. Mas há inúmeras causas acessórias; O que estamos discutindo é a causa geral. Ora, a declaração de Platão e de Aristóteles não está de acordo com suas acuidades mentais usuais, quando sustentam que todo o universo, a obra perfeitamente trabalhada, é uma causa. Pois há uma grande diferença entre um trabalho e a causa de um trabalho.
  15. Dê a sua opinião, ou, como é mais fácil em casos deste tipo, declare que o assunto não está claro e exija outra audiência. Mas você vai responder: “Que prazer você tem de desperdiçar seu tempo nesses problemas, que não o aliviam de nenhuma de suas emoções, não derrotando nenhum de seus desejos?” No que me diz respeito, trato-os e discuto-os como assuntos que contribuem grandemente para acalmar o espírito, e eu me estudo primeiro, e depois o mundo em torno de mim.
  16. E nem mesmo agora, como você pensa, estou desperdiçando meu tempo. Pois todas estas questões, desde que não sejam cortadas e despedaçadas em tais refinamentos não rentáveis, elevam e iluminam a alma, que é presa por um fardo pesado e deseja ser libertada e voltar aos elementos de que foi uma vez parte. Pois este nosso corpo é um peso sobre a alma e seu castigo; sob o peso desta carga a alma é esmagada e está em cativeiro, a menos que a filosofia venha em sua assistência e ofereça-lhe tomar coragem nova, contemplando o universo, e transformando coisas terrenas em coisas divinas. Lá tem sua liberdade, lá pode vagar amplamente; entretanto, escapa da prisão em que está presa e renova a sua vida no céu.
  17. Assim como os trabalhadores qualificados, que se empenham em alguma obra delicada que cansa seus olhos pelo esforço, se a luz que eles têm é sovina ou incerta, sair para o ar livre e em algum parque dedicado à recreação do povo deleita seus olhos na generosa luz do dia[2]; assim a alma, aprisionada como foi nesta casa sombria e escurecida, procura o céu aberto sempre que pode, e na contemplação do universo encontra o descanso.
  18. O sábio, que procura sabedoria, está intimamente ligado ao seu corpo, mas é um ausente no que se refere ao seu melhor eu, e concentra seus pensamentos em coisas elevadas. Ligado, por assim dizer, ao seu juramento de lealdade, ele considera o período da vida como seu termo de serviço. Ele é tão treinado que não ama nem odeia a vida; ele suporta uma sina mortal, embora saiba que uma sina maior está guardada para ele.
  19. Você me proíbe de contemplar o universo? Você me obriga a me afastar do todo e me restringir a uma parte? Não devo perguntar quais são os primórdios de todas as coisas, quem moldou o universo, quem tomou o conjunto confuso e conglomerado de matéria e a separou em suas partes? Não posso perguntar quem é o Mestre Construtor deste universo, como o poderoso volume foi trazido sob o controle da lei e da ordem, quem reuniu os átomos dispersos, quem separou os elementos desordenados e atribuiu uma forma exterior aos elementos que estavam num vasto amálgama disforme? De onde veio toda a expansão de luz? E se é fogo, ou mesmo mais brilhante do que o fogo?
  20. Não devo fazer essas perguntas? Devo ignorar as alturas de onde eu desci? Se vou ver este mundo só uma vez, ou nascer muitas vezes? Qual é o meu destino depois? Que morada aguarda minha alma em sua libertação das leis da escravidão entre os homens? Você me proíbe de ter um quinhão do céu? Em outras palavras, você me manda viver cabisbaixo?
  21. Não, eu estou acima de tal existência; eu nasci para um destino maior do que para ser um mero objeto do meu corpo, e eu considero este corpo como nada, mas uma corrente que restringe minha liberdade. Portanto, eu o ofereço como uma espécie de para-choques à fortuna, e não permitirei que nenhum ferimento penetre minha alma. Pois meu corpo é a única parte de mim que pode sofrer lesões. Nesta morada, que está exposta ao risco, minha alma vive livre.
  22. Nunca esta carne me levará a sentir medo ou a assumir qualquer falsa aparência que seja indigna de um homem bom. Nunca vou mentir para honrar este pequeno corpo. Quando me parece apropriado, romperei minha ligação com ele. E, no momento, enquanto estivermos unidos, nossa aliança não será, no entanto, uma de igualdade; A alma trará todas as querelas diante de seu próprio tribunal. Desprezar nossos corpos é liberdade certa.
  23. Retornando ao nosso assunto; esta liberdade será grandemente ajudada pela contemplação do que estávamos falando a pouco. Todas as coisas são feitas de matéria e de Deus; Deus controla a matéria, que o engloba e o segue como seu guia e líder. E aquele que cria, em outras palavras, Deus, é mais poderoso e precioso do que a matéria, que é submetida a Deus.
  24. O lugar de Deus no universo corresponde à relação da alma com o homem. O mundo material corresponde ao nosso corpo mortal; portanto, o inferior serve o mais elevado. Sejamos corajosos diante dos perigos. Não temamos injustiças, nem feridas, nem amarras, nem pobreza. E o que é a morte? É o fim, ou um processo de mudança! Não tenho medo de deixar de existir; é o mesmo que não ter começado. Nem me acovardo de mudar para outro estado, porque eu, sob nenhuma circunstância, estarei tão constrangido como estou agora.

 

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] Derivação da palavra grega, – ιδεῖν, ” contemplar”. Para uma discussão das idéias de Platão, aquelas “essências independentes, separadas, auto-existentes, perfeitas e eternas” veja Republica vi. e vii.

[2] De acordo com os estoicos, a alma, que consistia em fogo ou sopro e era parte da essência divina, subia após a morte ao éter e tornava-se uma com as estrelas. Sêneca em outro texto (Consolatio ad Marciam) afirma que a alma passa por uma espécie de processo de purificação – uma visão que pode ter influenciado o pensamento cristão. As almas do bem, os estoicos mantinham, estavam destinadas a durar até o fim do mundo, as almas más a serem extinguidas antes desse tempo.

Carta 64: Sobre a tarefa do Filósofo

Na carta 64 Sêneca fala sobre o papel do filosofo, que segundo ele é nos dar força e inspiração.

Diz que devemos estudar as obras clássicas e desenvolve-las, assim como um chefe de família faz com a herança que recebeu:

“devemos desempenhar o papel de um cuidadoso chefe de família; devemos aumentar o que herdamos. Esta herança passará de mim para os meus descendentes maior do que antes. ” (LXIV, 7)

(imagem, Diogenes procurando um homem honesto por Johann Heinrich Wilhelm Tischbein)


LXIV. Sobre a tarefa do Filósofo

Saudações de Sêneca a Lucílio.  

  1. Ontem você estava conosco. Você pode reclamar se eu disse “ontem” meramente. É por isso que acrescentei “conosco”. Pois, no que me diz respeito, você está sempre comigo. Certos amigos haviam aparecido, em cuja conta um fogo um pouco mais brilhante foi colocado, não o tipo que geralmente explode das chaminés da cozinha dos ricos e assusta o espectador, mas a chama moderada que significa que os convidados chegaram.
  2. A nossa conversa decorreu em vários temas, como é natural em um jantar; não perseguiu nenhuma corrente de pensamento até o final, mas saltou de um tópico para outro. Então, lemos para nós um livro de Quinto Séxtio, o Ancião. Ele é um grande homem, se tem alguma confiança na minha opinião, e um estoico real, embora ele mesmo o negue.
  3. Oh Deuses, que força e espírito se encontra nele! Este não é o caso de todos os filósofos; há alguns homens de nome ilustre cujos escritos são sem vigor. Eles estabelecem regras, eles argumentam, e eles discutem; eles não inspiram espírito simplesmente porque eles não têm espírito. Mas quando você ler Séxtio você dirá: “Ele está vivo, ele é forte, ele é livre, ele é mais do que um homem, ele me enche de uma confiança poderosa antes de eu fechar seu livro”.
  4. Eu vou admitir a você o estado de espírito em que estou quando leio suas obras: quero desafiar todos os perigos; quero gritar: “Por que me faz esperar, Fortuna, entre no rol, eis que estou pronto para ti!” Suponho que o espírito de um homem que procura onde pode fazer prova de si mesmo onde ele pode mostrar o seu valor:
    E se inquietando ao meio dos rebanhos não-guerreiros, ele reza
    Algum javali listado pode cruzar seu caminho, ou então
    Um leão fulvo que espreita abaixo das colinas.[1]
  5. Quero algo para suplantar, algo em que posso testar minha resistência. Pois esta é outra qualidade notável que Séxtio possui: ele lhe mostrará a grandeza da vida feliz e mesmo assim não o fará desesperar-se por alcançá-la; você vai entender que está alto, mas que é acessível para aquele que tem a vontade de buscá-la.
  6. E a própria virtude terá o mesmo efeito sobre você, de fazê-la admirá-la e ainda assim esperar alcançá-la. Em meu próprio caso, de qualquer modo, a própria contemplação da sabedoria toma muito do meu tempo; olho para ela com perplexidade, assim como às vezes olho para o próprio firmamento, que muitas vezes vejo como se eu o visse pela primeira vez.
  7. Por isso adoro as descobertas da sabedoria e seus descobridores; pois receber, por assim dizer, a herança de muitos predecessores é uma delícia. Foi para mim que eles guardaram este tesouro; era para mim que eles trabalhavam. Mas devemos desempenhar o papel de um cuidadoso chefe de família; devemos aumentar o que herdamos. Esta herança passará de mim para os meus descendentes maior do que antes. Muito ainda resta por fazer, e muito permanecerá por ser feito, e aquele que nascerá a mil séculos não será impedido de acrescentar algo mais.
  8. Mas mesmo que os velhos mestres tenham descoberto tudo, uma coisa será sempre nova, a aplicação e o estudo científico e classificação das descobertas feitas por outros. Suponha que prescrições foram transmitidas para nós para a cura dos olhos; não há necessidade de minha busca por outras, além dessa; mas por tudo isso, essas prescrições devem ser adaptadas à doença particular e ao estágio particular da doença. Use esta prescrição para aliviar a granulação das pálpebras, esta para reduzir o inchaço das pálpebras, aquela para evitar dor súbita ou uma onda de lágrimas, esta outra para aguçar a visão. Em seguida, combine estas várias prescrições, preste atenção no momento certo de sua aplicação, e forneça o tratamento adequado em cada caso. As curas para o espírito também foram descobertas pelos antigos; Mas é nossa tarefa descobrir o método e o tempo de tratamento.
  9. Nossos predecessores trabalharam muito melhor, mas não resolveram o problema. Eles merecem respeito, todavia, e deveriam ser adorados com um ritual divino. Por que não deveria ter estátuas de grandes homens para incendiar meu entusiasmo, e comemorar seus aniversários? Por que não devo cumprimentá-los sempre com respeito e honra? A reverência que devo a meus próprios professores devo em medida semelhante aos professores da raça humana, a fonte de onde os começos de tais grandes bênçãos fluíram.
  10. Se eu me encontrar com um cônsul ou um pretor, eu lhe pagarei toda a honra que o seu cargo de honra é acostumado a receber: Vou desmontar, me descobrir e ceder o caminho. O que, então? Devo consentir na minha alma com menos do que as mais altas marcas de respeito a Marcus Catão, o Ancião e o Jovem, Lelis o Sábio, Sócrates e Platão, Zenão e Cleantes? Eu os adoro em verdade, e sempre me ergo para honrar nomes tão nobres.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] Trecho de Eneida de Virgílio.

Spumantemque dari pecora inter inertia votis
Optat aprum aut fulvum descendere monte leonem.

Carta #63: Sobre sofrimento por amigos perdidos

Na carta 63 Sêneca aborda o luto pela morte de pessoas amadas e recomenda “que a lembrança daqueles que perdemos se torne uma agradável lembrança para nós“.  (LXIII,4)

Para Sêneca é importante aproveitar a companhia dos amigos e amados enquanto é possível e sempre ter em mente que somos mortais:

A fortuna tirou, mas a fortuna deu. Vamos gozar com gozo os nossos amigos, porque não sabemos quanto tempo esse privilégio será nosso.(LXIII,7-8)

Um estoico não precisa manter os olhos secos quando perde um amigo, nem os deixá-los transbordar. Podemos chorar, mas não devemos lamuriar.

(imagem, escultura La Desesperación)


LXIII. Sobre sofrimento por amigos perdidos

Saudações de Sêneca a Lucílio.

  1. Estou triste por saber que seu amigo Flaco está morto, mas eu não recomendaria a você tristeza a mais do que é adequado. Que você não deva chorar eu não ousarei insistir; ainda que saiba que é a melhor maneira. Mas qual homem será tão abençoado com essa firmeza ideal da alma, a menos que já tenha se elevado muito acima do alcance da Fortuna? Mesmo esse homem será atingido por um evento como este, mas será apenas uma picada. Nós, no entanto, podemos ser perdoados por nos rebentar em lágrimas, se apenas as nossas lágrimas não tenham fluido em excesso, e se as tivermos controladas por nossos próprios esforços. Não deixe que os olhos fiquem secos quando perdemos um amigo, nem os deixemos transbordar. Podemos chorar, mas não devemos lamuriar.
  2. Você acha que a lei que eu estabeleço para você é dura, enquanto o maior dos poetas gregos estendeu o privilégio de chorar a um só dia, nas linhas em que ele nos diz que Níobe[1] até mesmo pensou em comer? Você deseja saber o motivo de lamentações e choro excessivo? É porque buscamos as provas de nosso luto em nossas lágrimas, e não damos lugar à tristeza, mas meramente ao seu desfilar. Nenhum homem entra em luto por seu melhor interesse. Vergonha essa nossa insensatez inoportuna! Há um elemento de egoísmo, mesmo em nossa tristeza.
  3. O quê”, você diz, “vou esquecer meu amigo?” É seguramente uma lembrança de curta duração que você lhe concede, se é para durar apenas enquanto seu pesar; dentro em pouco, sua sobrancelha será suavizada em risadas por alguma circunstância, por mais casual que seja. É para um tempo curto que eu coloco o calmante de cada tristeza, o abrandamento de até mesmo o mais amargo sofrimento. Assim que você deixar de se vigiar, a imagem de tristeza que você contemplou desaparecerá; no momento você está vigiando seu próprio sofrimento. Mas mesmo enquanto vigia, ele escapa de você, e quanto mais agudo ele é, mais rapidamente chega ao fim.
  4. Vamos cuidar para que a lembrança daqueles que perdemos se torne uma agradável lembrança para nós. Nenhum homem devolve com prazer qualquer assunto que ele não seja capaz de refletir sem dor. Assim também não pode deixar de ser que os nomes daqueles a quem amamos e perdemos voltem para nós com uma espécie de picada; mas há um prazer mesmo nesta picada.
  5. Como disse meu amigo Átalo[2]: “A lembrança de amigos perdidos é agradável, da mesma forma que certos frutos azedos têm um gosto agradável, ou como em vinhos extremamente antigos em que o próprio amargor nos agrada. Depois de um certo lapso de tempo, todo pensamento que deu dor é extinguido, e o prazer nos vem sem mistura”.
  6. Se considerarmos a palavra de Átalo, “pensar em amigos que estão vivos e bem é como desfrutar de uma refeição de bolos e mel, a lembrança de amigos que passaram dá um prazer que não é sem um toque de amargor, no entanto, quem negará que até mesmo essas coisas, que são amargas e contêm um elemento de acidez, servem para despertar o estômago?
  7. Por minha parte, eu não concordo com ele. Para mim, o pensamento de meus amigos mortos é doce e atraente. Porque eu os tive como se eu os pudesse perder; eu perdi-os como se eu os ainda tivesse. Portanto, Lucílio, aja como convém a sua própria serenidade de espírito, e deixe de colocar uma interpretação errada sobre os presentes da Fortuna. A fortuna tirou, mas a fortuna deu.
  8. Vamos gozar intensamente a companhia dos nossos amigos, porque não sabemos quanto tempo esse privilégio será nosso. Pensemos quantas vezes os deixaremos quando nos colocamos em viagens distantes, e quantas vezes não os veremos mesmo quando ficarmos juntos no mesmo lugar; compreenderemos assim que perdemos muito do tempo deles enquanto estavam vivos.
  9. Mas irá tolerar homens que são os mais descuidados com seus amigos, e depois choram por eles mais abjetamente, e não amam ninguém a menos que o tenham perdido? A razão pela qual se lamentam com tanta violência nessas ocasiões é que temem que os homens duvidem se realmente amaram; muito tarde eles procuram provas de suas emoções.
  10. Se tivermos outros amigos, certamente mereceremos sofrer em suas mãos e pensar mal deles, se eles são tão inconsiderados que não consigam nos consolar pela perda. Se, por outro lado, não temos outros amigos, nos ferimos mais do que a fortuna nos feriu; já que a fortuna nos roubou um amigo, mas nós roubamos a nós mesmo de todos os amigos que não fizemos.
  11. Novamente, aquele que é incapaz de amar mais do que um, não tem muito amor mesmo por este. Se um homem que perdeu sua única túnica por roubo escolheu lamentar sua situação, em vez de olhar em torno por alguma maneira de escapar do frio, ou para algo com que se cobrir os ombros, você não o consideraria um tolo absoluto? Você sepultou alguém que amava; procure para alguém amar. É mais importante encontrar um novo amigo do que chorar pelo desaparecido.
  12. O que vou acrescentar é, eu sei, uma observação muito simplória, mas não a omitirei simplesmente porque é uma frase comum: um homem acaba seu pesar com o simples passar do tempo, mesmo que ele não tenha terminado por sua própria iniciativa. Mas a cura mais vergonhosa para a tristeza, no caso de um homem sensato, é se entediar da tristeza. Eu prefiro que abandone o sofrimento, em vez de deixar o sofrimento abandoná-lo; e deve parar com o luto o mais rapidamente possível, uma vez que, mesmo se quiser fazê-lo, é impossível mantê-lo por um longo tempo.
  13. Nossos antepassados decretaram que, no caso das mulheres, um ano deveria ser o limite para o luto; não que elas precisassem chorar por tanto tempo, mas que elas não deviam chorar mais. No caso dos homens, não foram estabelecidas regras, porque o luto não é considerado honroso. Por tudo isso, qual mulher pode me mostrar, de todas essas pobres mulheres que dificilmente poderiam ser arrastadas para longe da pira funerária ou arrancadas do cadáver, cujas lágrimas duraram um mês inteiro? Nada se torna ofensivo tão rapidamente quanto o sofrimento; quando fresco, encontra alguém para consolá-lo e atrai um ou outro; mas depois de se tornar crônico, é ridicularizado, e com razão. Pois é simulado ou tolo.
  14. Quem lhe escreve estas palavras não é outro senão eu, que chorou tão excessivamente pelo meu querido amigo Aneu Sereno[3] que, apesar de meus anseios, devo ser incluído entre os exemplos de homens que foram dominados pelo sofrimento. Hoje, no entanto, condeno este ato meu, e entendo que a razão pela qual chorei tanto foi principalmente pois nunca imaginei que sua morte pudesse preceder a minha. O único pensamento que me ocorreu foi que ele era o mais novo, e muito mais novo – como se o destino seguisse a ordem de nossos tempos!
  15. Portanto, pensemos continuamente tanto sobre nossa própria mortalidade como sobre a de todos aqueles que amamos. Em dias anteriores eu poderia ter dito: “Meu amigo Sereno é mais jovem do que eu, mas o que importa? Ele poderia morrer naturalmente depois de mim, mas ele também poderia me preceder.” Foi apenas porque eu não fiz isso que estava despreparado quando a Fortuna me deu o súbito golpe. Agora é o momento para refletir, não só que todas as coisas são mortais, mas também que sua mortalidade não está sujeita a lei fixa. O que quer que possa acontecer a qualquer momento pode acontecer hoje.
  16. Reflita, portanto, meu amado Lucílio, que logo chegamos a baliza que este amigo, para a nossa própria tristeza, alcançou. E talvez, se somente a fábula contada por homens sábios for verdadeira e houver um nirvana para nos receber, então aquele que nós pensamos que nós perdemos foi enviado somente em nossa frente.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] Relatado por Homero. Níobe é uma personagem da Mitologia Grega, que por ser muito fértil, teve catorze filhos (sete homens e sete mulheres). O povo de sua cidade se reuniu para render tributo a deusa Leto. Eis que Níobe aparece insultando a deusa, que só teve dois filhos, Apolo e Ártemis.  Leto indignou-se com a audácia da mortal, e implorou vingança a seus filhos, que eram arqueiros. Apolo e Ártemis, então, mataram todos os sete filhos de Níobe.

[2] Professor de Sêneca. Átalo foi um filósofo estoico atuante no reinado de Tibério. Ele foi defraudado de sua propriedade por Sejano, e exilado onde foi reduzido a cultivador do solo. Sêneca, o velho, o descreve como um homem de grande eloquência e, de longe, o filósofo mais acérrimo de sua época. Ele ensinou a filosofia estoica a Sêneca, o Jovem, que o cita com frequência e fala dele nos mais altos termos. Veja também carta 108.

[3] Um amigo íntimo de Sêneca, provavelmente um parente, que morreu no ano 63 por comer cogumelos envenenados. Sêneca dedicou a Sereno três de seus ensaios filosóficos: Sobre a Constância do Sábio, Sobre o ócio e Sobre a tranquilidade da alma.

Carta 62: Sobre boa companhia

Na carta 62 Sêneca aborda dois princípios estoicos fundamentais:  o valor da amizade e a frugalidade.

Diz que o “atalho mais curto às riquezas é desprezar as riquezas” (LXII,3) e que devemos nos fazer amigos “dos melhores homens”  não importando  em que “terras eles possam ter vivido, ou em que idade” (LXII,2)

(Imagem Diogenes  por Jean-Léon Gérôme)


LXII. Sobre boa companhia

Saudações de Sêneca a Lucílio.

  1. Somos enganados por aqueles que nos querem fazer crer que uma multidão de assuntos bloqueia a busca de estudos intelectuais; eles fazem um fingimento de seus compromissos, e os multiplicam, quando seus compromissos são meramente com eles. Quanto a mim, Lucílio, o meu tempo é livre; é de fato livre, e onde quer que eu esteja, sou mestre de mim mesmo. Pois não me entrego a meus negócios, mas empresto-me a eles, e não busco desculpas para desperdiçar meu tempo. E, onde quer que eu esteja, continuo minhas próprias meditações e pondero em minha mente algum pensamento saudável.
  2. Quando me entrego a meus amigos, não me afasto da minha própria companhia, nem permaneço com aqueles que estão associados a mim por alguma ocasião especial ou alguma circunstância que surge da minha posição oficial. Mas eu passo meu tempo na companhia de todos os melhores; não importa em que terras eles possam ter vivido, ou em que idade, eu deixo meus pensamentos voar a eles.
  3. Demétrio[1], por exemplo, o melhor dos homens, eu levo comigo, e, deixando os trajados em linho púrpura e fino, falo com ele, meio nu como ele é, e o tenho em alta estima. Por que eu não deveria mantê-lo em alta estima? Descobri que ele não sente falta de nada. É possível a qualquer homem desprezar todas as coisas, mas impossível a alguém possuir todas as coisas. O atalho mais curto às riquezas é desprezar as riquezas. Nosso amigo Demétrio, no entanto, vive não apenas como se tivesse aprendido a desprezar todas as coisas, mas como se as tivesse entregue para que outras pessoas as possuíssem[2].

 

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] Demétrio de Corinto foi um filósofo cínico de Corinto que viveu em Roma durante os reinos de Calígula, Nero e Vespasiano

[2] Isto é, ele alcançou o ideal estoico de independência de todo controle externo; ele é um rei e tem tudo para conceder aos outros, mas não precisa de nada para si mesmo.