Quando algo negativo acontece, ou quando somos atingidos pela adversidade, não devemos nos surpreender, mas encarar isso como uma oportunidade de criar uma situação melhor.
Para os estoicos, todo desafio ou adversidade que encontramos é visto como uma oportunidade para testar e desenvolver nosso caráter interior. Além disso, acreditar que as desgraças nunca nos acontecerão é estar fora de sintonia com a realidade, por isso, devemos esperar ativamente por eventuais solavancos na estrada, e às vezes grandes solavancos.
Sêneca e a Transformação da Adversidade
Comecei a escrever esta nota em 12 de abril, dia em que Sêneca foi morto por seu tutelado e empregador, o Imperador Nero.
Apesar de Sêneca ter se tornado um dos homens mais ricos do Império Romano, sua vida foi repleta de consideráveis adversidades. No entanto ele tentou transformar essas desgraças em algo melhor, até mesmo a sentença de morte que recebeu de Nero.
Sob Calígula, como senador, Sêneca começou a acumular grandes riquezas pessoais, o que continuaria a fazer ao longo de sua vida. Mas essas recompensas financeiras eram de fato bênçãos mistas, pois sua vida se tornava cada vez mais perigosa, e muitas vezes sob grave ameaça. Os problemas de Sêneca começaram por volta da idade de quarenta e três anos, quando Calígula quis matá-lo por inveja da qualidade de seus discursos ao Senado. Afortunadamente, o círculo de amigos de Sêneca convenceu Calígula a não matá-lo afirmando que estava doente e que morreria em breve de toda forma.
Mais tarde, quando Sêneca completava os quarenta e cinco anos, o imperador Cláudio o exilou na ilha da Córsega por oito anos e tomou metade de seus bens, sob acusações falsas (a alternativa seria a morte). Esse exílio ocorreu apenas algumas semanas após a morte de seu único filho, que faleceu ainda quando criança (ocorrência comum na época), e implicou na separação completa de sua esposa.
Depois de passar oito anos em Córsega, onde conseguiu escrever bastante (até porque não havia mais nada que ele pudesse fazer lá), finalmente foi chamado de volta a Roma, mas apenas sob a condição de se tornar tutor do jovem Nero, que na época tinha onze anos de idade.
Sêneca não mediu esforços para ajudar Nero a desenvolver um bom caráter, como vemos no livro Da Clemência, dedicado ao jovem imperador. Infelizmente o projeto foi um fracasso total, Nero não tinha nenhum interesse em filosofia ou ética. À medida que Nero crescia, ele se interessava apenas pela sua auto-gratificação e no poder às custas dos outros, o que o transformava em um tirano e um monstro. No final, Nero mandou matar muitos que o rodeavam, incluindo sua própria mãe, seu irmão e depois sua esposa. Nero finalmente mandou matar Sêneca também, para não mencionar muitos outros.
Mas apesar desses sérios obstáculos, que hoje destruiriam psicologicamente muitas pessoas, a filosofia estoica de Sêneca o ajudou a suportar essas dificuldades e a transformá-las em algo positivo. Mesmo quando Nero forçou Sêneca a cometer suicídio – o que seria de longe preferível às formas alternativas de execução disponíveis – Sêneca aproveitou a ocasião de sua própria morte para dar uma última palestra sobre filosofia a vários amigos que estavam presentes, como Sócrates o fez quando foi obrigado a beber o veneno da cicuta.
Como um bom estoico, Sêneca havia se preparado para a morte ao longo de muitos anos, como parte de sua prática e treinamento filosófico, e não mostrou um único traço de preocupação ou medo ao entregar sua vida.
É relatado que ele disse, “Dado o fato de Nero ter matado sua mãe e seu irmão, não é de se estranhar que ele tenha matado também seu tutor”. E embora as últimas palavras de Sêneca sobre filosofia não tenham chegado até nós, é fácil imaginá-lo ecoando os ditos de Sócrates sobre sua morte: “Enquanto você pode me matar, você não pode me prejudicar.”
A carta 80, uma de minhas preferidas, se mostra atual e apropriada ao momento que estamos passando. Sêneca fala sobre os falsos valores que a sociedade contemporânea dá coisas mundanas. Critica que hoje “treinamos nossos corpos, enquanto quão poucos treinam suas mentes“.
Devido a crise do coronavírus, hoje nos dividimos entre aqueles que temem pela vida e os que temem pela pobreza. Sêneca diz que a liberdade não pode ser comprada ou vendida, mas buscada individualmente quando deixamos de temer a morte e a pobreza:
“… a liberdade não é possuída nem por aqueles que a compraram, nem por aqueles que a venderam. Você deve dar este bem a si mesmo, e buscá-lo por si mesmo. Antes de tudo, liberte-se do medo da morte, pois a morte põe a canga sobre nossos pescoços; então liberte-se do medo da pobreza.” (LXXX, 5)
Como se estivesse falando das redes sociais, das fotos postadas no Facebook e Instagram, Sêneca alerta sobre a felicidade fingida:
“Mas a alegria daqueles a quem os homens chamam de feliz é fingida, enquanto sua tristeza é pesada e supurada, e mais pesada, porque eles não podem, entretanto, exibir sua tristeza, mas devem fingir o papel da felicidade no meio das aflições que devoram seus próprios corações.” (LXXX, 6)
Assim como o comprador de um cavalo olha os dentes, ignorando a sela, e o comprador de escravos quer ver o corpo nu e não as vestes, devemos avaliar as pessoas, e a nós mesmo, não por posses ou cargos, mas por aquilo que realmente são:
“Mas por que eu falo dos outros? Se você deseja definir um valor em si mesmo, coloque ao lado seu dinheiro, suas propriedades, suas honrarias, e olhe para sua própria alma. No momento, você está tomando a palavra dos outros pelo o que você é ” (LXXX, 10)
1. Hoje eu
tenho algum tempo livre, graças não tanto a mim, mas sim aos jogos, que
atraíram todos os chatos para a luta de boxe[1].
Ninguém vai me interromper ou perturbar o trem de meus pensamentos, que irá em
frente com mais ousadia como resultado da minha própria confiança. A minha
porta não tem continuamente rangido em suas dobradiças nem minha cortina tem
sido puxada para o lado; meus pensamentos podem marchar com segurança, e isso é
tanto mais necessário para quem é independente e segue seu próprio caminho.
Posso então não seguir antecessores? Sim,
mas me permito descobrir algo novo, alterar, rejeitar. Eu não sou um escravo
deles, embora eu lhes dê minha aprovação.
2. E, no
entanto, essa foi uma palavra muito ousada que eu falei quando me assegurei de
que deveria ter um pouco de aposentadoria tranquila e ininterrupta. Pois bem,
uma grande ovação vem do estádio, e enquanto isso não me deixa distraído, ela
muda meu pensamento para um contraste sugerido por este mesmo barulho. Quantos homens, digo a mim mesmo, treinam
seus corpos, e quão poucos treinam suas mentes! Que multidões se reúnem aos
jogos, espúrios como são e dispostas apenas para o passatempo, – e que solidão
reina aonde as artes boas são ensinadas! Como são imbecis os atletas cujos músculos
e ombros nós admiramos!
3. A
questão que eu mais pondero é a seguinte: Se o corpo pode ser treinado a tal
grau de resistência que vai suportar os golpes e chutes de vários oponentes de
uma só vez e em tal grau que um homem pode durar o dia e resistir ao sol
escaldante no meio da poeira ardente, encharcado todo o tempo com seu próprio
sangue, – se isso puder ser feito, quanto mais facilmente a mente poderia ser fortalecida
para que pudesse receber os golpes da Fortuna e não ser conquistada, para que
pudesse lutar novamente depois de ser derrubada, depois que foi pisada e
espezinhada? Pois, embora o corpo precise de muitas coisas para ser forte, a
mente cresce de dentro, dando-se nutrição e exercício. Os atletas de lá devem
ter comida abundante, copiosa bebida, quantidades copiosas de óleo, e longo
treinamento também; mas você pode adquirir virtude sem equipamento e sem
despesas. Tudo o que vai fazer de você um homem bom está dentro de você.
4. E o que
você precisa para se tornar bom? Basta desejar. Mas que melhor coisa você
poderia desejar do que romper com essa escravidão, uma escravidão que nos
oprime a todos, uma escravidão que até mesmo nossas menores propriedades,
nascidas em meio a tal degradação, se esforça de toda maneira possível para nos
despojar? Em troca da liberdade eles entregam economias que rasparam enganando
suas próprias barrigas; você não estará ansioso para alcançar a liberdade a
qualquer preço, visto que você a reivindica como seu direito de primogenitura?
5. Por que lança olhares em direção a sua caixa forte? A liberdade não pode ser comprada. Portanto, é inútil entrar em seu livro-razão o item de “Liberdade”, pois a liberdade não é possuída nem por aqueles que a compraram, nem por aqueles que a venderam. Você deve dar este bem a si mesmo, e buscá-lo por si mesmo. Antes de tudo, liberte-se do medo da morte, pois a morte põe a canga sobre nossos pescoços; então liberte-se do medo da pobreza.
6. Se você
soubesse quão pouco mal há na pobreza; compare os rostos dos pobres com os dos
ricos; o homem pobre sorri com mais
frequência e mais genuinamente; seus problemas não vão em profundidade; mesmo
que alguma ansiedade vá de encontro com ele, passa como uma nuvem agitada. Mas a alegria daqueles a quem os homens
chamam de feliz é fingida, enquanto sua tristeza é pesada e supurada, e mais
pesada, porque eles não podem, entretanto, exibir sua tristeza, mas devem
fingir o papel da felicidade no meio das aflições que devoram seus próprios
corações.
7. Muitas
vezes me sinto chamado a usar a seguinte ilustração, e parece-me que nada
expressa mais eficazmente este drama da vida humana, onde nos são atribuídas as
partes que devemos desempenhar tão mal. Lá está o homem que atua no palco com
esplendido estilo de vida e a cabeça jogada para trás e diz:
Ei!, Eu sou aquele
quem Argos chama de senhor, a quem Pélope deixou terras que se espalham
Do Helesponto[2] e do mar Jónico
até o estreito
Ístmico.
En impero Argis;
regna mihi liquit Pelops,
Qua ponto ab Helles
atque ab Ionio mari
Urgetur Isthmos[3],
E quem é
esse homem? Ele é apenas um escravo; seu salário é de cinco medidas de grãos e
cinco denários[4].
8. Acolá
outro que, orgulhoso e rebelde e empolado pela confiança em seu poder, declama:
Recebe uma
miséria diária e dorme em trapos. Você pode falar da mesma maneira sobre todos
estes fanfarrões que você vê em liteiras acima das cabeças dos homens e acima
da multidão; em todos os casos sua felicidade é vestida como a máscara do ator.
Rasgue-a, e você vai desprezá-los.
9. Quando
você compra um cavalo, você pede que seu cobertor seja removido; você tira as
roupas dos escravos que são anunciados para venda, de modo que nenhuma falha
corporal possa escapar a sua observação; se você julgar um homem, você o julga
quando está envolvido em um disfarce? Os negociantes de escravos escondem sob
algum tipo de adorno qualquer defeito que possa ofender, e por essa razão os
próprios ornamentos despertam a suspeita do comprador. Se você avista uma perna
ou um braço que está amarrado em panos, você exige que ele seja desnudado e que
o próprio corpo seja revelado a você.
10. Você vê aquele rei da Cítia ou da Sármata, com a cabeça adornada com o distintivo de seu ofício? Se você desejar ver o que ele vale, e saber o seu valor total, tire a sua coroa; muito mal se esconde debaixo dela. Mas por que eu falo dos outros? Se você deseja definir um valor em si mesmo, coloque ao lado seu dinheiro, suas propriedades, suas honrarias, e olhe para sua própria alma. No momento, você está tomando a palavra dos outros pelo o que você é.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Provavelmente uma
disputa em que os participantes juntaram pesos de chumbo às mãos para aumentar
a força dos golpes.
[2] Atual Dardanelos, é um estreito no noroeste
da Turquia ligando o mar Egeu ao mar de Mármara.
[4] Uma pequena moeda
de prata que era a de maior circulação no Império Romano. É geralmente aceito
que no fim da República e no início do Principado, um denário correspondia ao
salário diário de um trabalhador. Com um denário era possível comprar em torno
de 8 quilos de pão.
[5] Menelau, na
mitologia grega, foi um rei lendário de Esparta, irmão mais novo de Agamémnon.
O rapto da sua mulher (Helena) por Alexandre, deu origem à Guerra de Troia.
Como citamos anteriormente, durante o governo de Marco Aurélioocorreu a Peste Antonina que devastou o Império Romano, causando a morte de cinco milhões de pessoas.
Lidar com o medo da morte é tema recorrente das Meditações. A peste também é citada, como neste trecho, em que o imperador condena atitudes irracionais:
“corrupção da mente é uma doença muito mais grave do que qualquer peste equiparável no ar que nos cerca. Pois esta corrupção é uma peste animal tanto quanto eles são animais; mas a outra é uma peste de homens tanto quanto eles são homens.”
Todo o terceiro parágrafo aborda a atitude esperada diante da morte: Não ser descuidado, mas não temer.
Não despreze a morte, mas fique em paz com ela, pois esta também é uma daquelas coisas que a natureza quer. Pois tal como é ser jovem e envelhecer, e crescer e alcançar a maturidade, e ter dentes, barba e cabelos brancos, e conceber e estar grávida e procriar, e todas as outras operações naturais que as estações da sua vida trazem, tal também é a dissolução. Isto, portanto, é consistente com o caráter de um homem que reflete – não ser descuidado, nem impaciente, nem desdenhoso em relação à morte, mas esperar por ela como uma das operações da natureza. Como agora espera o momento em que a criança sairá do ventre de sua esposa, assim esteja pronto para o momento em que sua alma sair deste envelope. (Livro IX, 3)
Na carta 79 Sêneca discorre sobre o dever do estudioso de conhecer a natureza, via pesquisa cientifica. Sabendo que Lucílio faria uma viagem à ilha da Sicília, recomenda que estude o mar no caminho e que estude e escreva sobre o vulcão Etna:
“…terei a ousadia de pedir-lhe para executar outra tarefa, – também para subir o Etna[3], a meu pedido especial. Certos naturalistas inferiram que a montanha está se esgotando e gradualmente diminuindo, porque os marinheiros costumavam vê-la a partir de uma maior distância.” (LXXIX, 2)
Sêneca defende o conhecimento é domínio público e é propriedade comum a todos, sendo válido o uso dos trabalhos de cientistas anteriores: “já à mão as palavras que, quando empacotadas de uma maneira diferente, mostram um novo rosto. E não os está roubando, como se pertencessem a outra pessoa, quando os usa, porque são propriedades comum a todos.” (LXXIX, 6)
Para Sêneca, devemos desvendar a natureza para o bem da humanidade, pois “milhares de anos e milhares de povos virão após você; é a estes que você deve ter consideração.” (LXXIX, 17)
Nesta carta cita novamente Epicuro e diz que o cientista , assim como o sábio, não é suplantado por outro: quando descobrem algo e desvendam um mistério da natureza todos estão no topo, igualmente virtuosos:
A sabedoria tem esta vantagem, entre outras, – que nenhum homem pode ser superado por outro, exceto durante a escalada. Mas quando você chega ao topo, é um empate; não há espaço para mais subida, o jogo acabou. (LXXIX, 8)
1. Tenho
aguardado uma carta de você, em que me informasse da novidade revelada durante
a sua viagem ao redor da Sicília, e sobretudo para me dar mais informações sobre
a própria Caríbdis[1].
Eu sei muito bem que Cila é uma rocha – e de fato uma rocha não temida pelos
marinheiros; mas no que diz respeito a Caríbdis, gostaria de ter uma descrição
completa, para ver se ela concorda com os relatos da mitologia; e, se você tem
por acaso investigado (pois é realmente digno de sua investigação), por favor
me esclareça sobre o seguinte: É açoitada em um redemoinho constante causado
por vento de uma única direção, ou todas as tempestades servem para perturbar a
sua profundidade? É verdade que os objetos arrastados para baixo pelo
redemoinho nesse estreito são transportados por muitos quilômetros debaixo de
água, e então chegam à superfície na praia perto de Taormina[2]?
2. Se você
me escrever um relato completo desses assuntos, então terei a ousadia de
pedir-lhe para executar outra tarefa, – também para subir o Etna[3],
a meu pedido especial. Certos naturalistas inferiram que a montanha está se
esgotando e gradualmente diminuindo, porque os marinheiros costumavam vê-la a
partir de uma maior distância. A razão para isto pode ser, não que a altura da
montanha esteja diminuindo, mas porque as chamas se tornaram mais fracas e as
erupções menos fortes e copiosas, e porque, pela mesma razão, a fumaça também é
menos ativa durante o dia. Entretanto, qualquer uma destas duas coisas é
possível acreditar: que por um lado a montanha está decrescendo porque é
consumida dia a dia, e que, por outro lado, permanece do mesmo tamanho porque a
montanha não está se devorando, mas, em vez disso, a matéria que que a faz
ferver se reúne em algum vale subterrâneo e é alimentada por outro material,
encontrando na montanha não o alimento que ela requer, mas simplesmente uma
passagem.
3. Há um
lugar bem conhecido na Lícia[4] – chamado pelos habitantes “Heféstion” – onde o chão está cheio de
buracos em muitos lugares e é cercado por um fogo inofensivo, que não prejudica
as plantas que crescem lá. Daí que o lugar seja fértil e exuberante em
crescimento, porque as chamas não queimam, mas simplesmente brilham com uma força
suave e fraca.
4. Mas
adiemos esta discussão, e examine o assunto quando você me der uma descrição de
quão distante a neve está da cratera, – quero dizer, a neve que não derrete
mesmo no verão, tão segura que está do fogo adjacente. Mas não há motivo para
que você cobre este trabalho em minha conta; pois você está prestes a
satisfazer sua própria mania de escrever bem, sem incumbência de ninguém.
5. Não, o
que posso oferecer-lhe senão apenas descrever o Etna em seu poema, e tocar
ligeiramente em um tópico que é uma questão de ritual para todos os poetas?
Ovídio não pôde ser impedido de usar este tema simplesmente porque Virgílio já
o havia coberto inteiramente; nem nenhum desses escritores assustou Cornélio
Severo. Além disso, o tema tem servido a todos com resultados felizes, e
aqueles que foram antes me parecem não ter antecipado tudo o que poderia ser
dito, mas apenas ter aberto o caminho.
6. Faz
muita diferença se você se aproxima de um assunto que foi esgotado, ou um que o
terreno foi simplesmente quebrado; neste último caso, o tópico cresce dia a
dia, e o que já foi descoberto não impede novas descobertas. Além disso, quem escreve o último tem o
melhor do negócio; ele encontra já à mão as palavras que, quando empacotadas de
uma maneira diferente, mostram um novo rosto. E não os está roubando, como se
pertencessem a outra pessoa, quando os usa, porque são propriedades comum a
todos.
7. Agora,
se o Etna não faz a sua boca salivar, eu estou equivocado com você. Há algum
tempo que você deseja escrever algo no estilo grandioso e no nível da velha
escola. Pois a sua modéstia não lhe permite elevar suas esperanças; essa sua
qualidade é tão pronunciada que, para mim, é provável que reduza a força de sua
capacidade natural, como se houvesse qualquer perigo superar os outros; é assim
que você reverência os antigos mestres.
8. A
sabedoria tem esta vantagem, entre outras, – que nenhum homem pode ser superado
por outro, exceto durante a escalada. Mas quando você chega ao topo, é um
empate; não há espaço para mais subida, o jogo acabou. Pode o sol adicionar ao
seu tamanho? A lua pode avançar além de sua plenitude habitual? Os mares não
aumentam a granel. O universo mantém o mesmo caráter, os mesmos limites.
9. As
coisas que atingiram a sua plena estatura não podem crescer mais. Os homens que
alcançaram a sabedoria serão, portanto, iguais e em pé de igualdade. Cada um
deles possuirá seus próprios dons peculiares – um será mais afável, outro mais
fácil, outro mais pronto de fala, um quarto mais eloquente; mas no que diz respeito
à qualidade em discussão, – o elemento que produz felicidade, – é igual em
todos eles.
10. Não sei
se este Etna seu pode desabar e cair em ruínas, se sua cúpula elevada, visível
por muitos quilômetros do alto mar, é desgastado pelo poder incessante das
chamas; mas sei que a virtude não será reduzida a um plano inferior por chamas
ou por ruínas. Sua é a única grandeza que não conhece rebaixamento; não pode
haver para ela mais crescimento ou redução. Sua estatura, como a das estrelas
no céu, é fixa. Por isso, esforçamo-nos por elevar-nos a esta altitude.
11. Já
grande parte da tarefa foi cumprida; ou melhor, se eu puder confessar a
verdade, não muito. Pois o bem não significa meramente ser melhor do que o mais
baixo. Quem que pudesse pegar senão um mero vislumbre da luz do dia teria
orgulho de seus poderes de visão? Quem vê o sol brilhar através de uma névoa
pode estar contente que tenha escapado das trevas, mas ainda não desfruta a
bênção da luz.
12. Nossas
almas não terão razão para se regozijar de sua sorte, até que, libertadas desta
escuridão em que elas tateiam, não tenham apenas vislumbrado o brilho com a
visão fraca, mas tenham absorvido a plena luz do dia e tenham sido restauradas
em seu lugar no céu, – até que, de fato, elas recuperem o lugar que ocuparam na
atribuição de seu nascimento. A alma é convocada a cima pela sua própria
origem. E alcançará esse objetivo antes mesmo de ser libertada da prisão aqui
embaixo, assim que tiver rejeitado o pecado e, com pureza e leveza, ter saltado
para os reinos celestiais do pensamento.
13.
Alegra-me, amado Lucílio, que este ideal nos ocupa, que o persigamos com todas
as nossas forças, ainda que poucos o saibam ou até ninguém. A fama é a sombra da virtude; ela atenderá
à virtude mesmo contra sua vontade. Porém, como a sombra às vezes precede e às
vezes segue ou até mesmo se atrasa, a fama algumas vezes nos precede e se
mostra à vista, e às vezes está na retaguarda, e é tanto maior quanto mais
tarde chegar, uma vez que a inveja bater em um retiro.
14. Por
quanto tempo os homens acreditavam que Demócrito estava louco? A glória mal
chegou a Sócrates. E quanto tempo permanecemos ignorando Catão! Eles o
rejeitaram e não conheceram o seu valor até o perderem. Se Rutílio não se
tivesse resignado a errar, sua inocência e virtude teriam escapado notícia; a
hora de seu sofrimento foi a hora de seu triunfo. Ele não deu graças por sua fortuna,
e acolheu seu exílio com os braços abertos? Já mencionei até agora aqueles a
quem a Fortuna trouxe renome no próprio momento da perseguição; mas quantos são
aqueles cujo progresso em direção à virtude veio à luz somente após sua morte!
E quantos foram arruinados, não resgatados, por sua reputação?
15. Há Epicuro, por exemplo; como é admirado, não só pelos mais cultos, mas também por esta turba ignorante. Este homem, entretanto, era desconhecido por Atenas. E assim, quando já havia sobrevivido por muitos anos seu amigo Metrodoro, acrescentou em uma carta estas últimas palavras, proclamando com gratidão a amizade que havia existido entre eles: “Tão grandiosamente abençoados fomos Metrodoro e eu que não houve nenhum prejuízo para nós sermos desconhecidos e quase não percebidos, nesta famosa terra da Grécia”.
16. Não é
verdade, então, que os homens os descobriram depois de terem cessado de ser?
Por acaso a sua fama não brilhou? Metrodoro também admite esse fato em uma de
suas cartas: que Epicuro e ele não eram bem conhecidos do público; mas ele
declara que, após a vida de Epicuro e de sua própria, qualquer homem que
pudesse querer seguir seus passos ganharia grande e pronto renome.
17. Virtude
nunca é perdida de vista; e ainda ter sido despercebida não é perda. Chegará um
dia que a revelará, mesmo escondida ou reprimida pelo despeito de seus
contemporâneos. Esse homem nasce apenas para alguns, que só pensa nas pessoas
de sua própria geração. Muitos milhares
de anos e milhares de povos virão após você; é a estes que você deve ter
consideração. Maldade pode ter imposto silêncio sobre a boca de todos os
que estavam vivos em sua época; mas haverá homens que o julgarão sem
preconceitos e sem favores. Se há alguma recompensa que a virtude recebe das
mãos da fama, nem mesmo isso pode expirar. Nós mesmos, de fato, não seremos
afetados pela conversa da posteridade; todavia, a posteridade nos acalentará e
nos celebrará, embora não poderemos ter consciência disso.
18. A virtude nunca falhou em recompensar um homem, tanto durante a sua vida como depois da sua morte, desde que a tenha seguido fielmente, desde que não se tenha enfeitado ou pintado a si próprio, mas tenha sido sempre o mesmo, quer tenha aparecido perante os olhos dos homens depois de ser anunciada, ou de repente e sem preparação. O fingimento não realiza nada. Poucos são enganados por uma máscara que é facilmente retirada do rosto. A verdade é a mesma em cada parte. As coisas que nos enganam não têm substância real. Mentiras são coisas franzinas; elas são transparentes, se você as examinar com cuidado.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Caríbdis, era uma
criatura marinha protetora de limites territoriais no mar. Em outra tradição,
seria um turbilhão criado por Poseidon. Homero posicionou-a como entidade
mitológica. Na tradição mitológica grega, Caríbdis era habitualmente
relacionada a Cila, outro monstro marinho. Os dois moravam nos lados opostos do
estreito de Messina, que separa a penínsnula Itálica da Sicília, e
personificavam os perigos da navegação perto de rochas e redemoinhos. Três
vezes por dia, sorvia as águas do mar e três vezes por dia tornava a cuspi-las.
[2] Taormina é uma cidade no topo
da colina na costa leste da Sicília. Fica perto do Monte Etna, um vulcão ativo
com trilhos até ao cume. A cidade é conhecida pelo Teatro Antico di Taormina,
um antigo teatro greco-romano que ainda está em funcionamento. Perto do teatro,
os penhascos debruçam-se sobre o mar e formam grutas com praias arenosas.
[3] O Etna é um vulcão
ativo situado na parte oriental da Sicília, entre as províncias de Messina e
Catânia. É o mais alto vulcão da Europa e um dos mais altos do mundo, atingindo
aproximadamente 3350 metros de altitude, variando devido às frequentes
erupções.
[4] Lícia era o nome
de uma região da antiga Ásia Menor (Anatólia) onde hoje estão localizadas as
províncias de Antália e Muğla, na costa sul da moderna Turquia,
Marco Aurélio faleceu há 1840 anos, em 17 de março de 180, durante uma expedição contra os marcomanos em Vindobona (atual Viena). Suas cinzas foram trazidas para Roma e depositadas no mausoléu de Adriano. Ele foi vítima da Peste Antonina que devastou a população do Império Romano, causando a morte de cinco milhões de pessoas, quase 5% da população do império.
“Em meados do século II d.C. a prosperidade comercial e financeira do Império Romano era formidável e quando Antonino Pio morreu, em 161, o superávit financeiro deixado para o seu sucessor, Marco Aurélio, era de 2,7 bilhões de sestércios. A crise que incapacitou o Império Romano no século II d.C. e feriu fatalmente sua supremacia não foi causada por um inimigo humano, mas por um vírus microscópico e legal. A ameaça invisível teve origem na Ásia Central, onde foi liberada na população em expansão no Mundo Antigo. Quando a pandemia chegou ao Oriente distante no ano de 161 d.C., começou a infligir mortes pavorosas na população do Império Han. Nas fronteiras militares, as forças chinesas perderam entre 30% e 40% de seus efetivos, com os soldados ou mortos ou debilitados pelos primeiros surtos mortais da infecção.
O vírus levou a mesma devastação às fortificadas fronteiras romanas e impôs maiores fatalidades entre as legiões do que qualquer horda bárbara pudesse desejar alcançar. A pandemia também espalhou a infecção através do núcleo mediterrâneo do império, transmitida nos bazares romanos lotados de pessoas conduzindo seus negócios. Pela primeira vez, desde a época de Augusto, houve um grave declínio nas finanças do Estado” (Roma e Oriente Distante, Raoul MacLaughlin)
Marco Aurélio conheceu a morte de perto, tanto em batalha como em casa, tendo perdido 6 dos seus 13 filhos. Se consolava da seguinte forma:
Outro indaga: Como não perderei meu filho? Você assim: Como não terei medo de perdê-lo? (IX, 40)
As Meditações contêm inúmeras passagens nos lembrando que a doença e morte são naturais e não devem ser temidas. Por exemplo, Aurélio diz:
“Não faça como se você fosse viver dez mil anos. A morte paira sobre você. Enquanto vive, enquanto está em seu poder, seja bom.” (IV,17)
“Tudo é efêmero, tanto quem se lembra como o que é lembrado”. (IV,35)
“Você é uma pequena alma carregando um cadáver”(IV,41)
“Alexandre o macedônio e seu noivo por morte foram levados ao mesmo estado; pois ou foram recebidos nos mesmos princípios seminais do universo, ou foram igualmente dispersos entre os átomos”. (VI, 24)
“como aqueles gladiadores semi-devorados por bestas selvagens, que embora cobertos com feridas e sangue, ainda suplicam ser mantidos mais um dia, embora eles ficarão expostos ao mesmo estado às mesmas garras e mordidas…”( X,8)
Donald Robertson autor de “How to Think Like a Roman Emperor: The Stoic Philosophy of Marcus Aurelius” escreveu um um relato dramatizado dos acontecimentos em torno da peste Antonina e a discussão desses eventos em relação à filosofia estoica encontrada. Recomendo a leitura: Stoicism in the Time of Plague
Atenção: Entendo que as medidas de contenção são válidas e que o problema é real. A imagem foi escolhida para alertar contra o pânico e medo irracional. Você provavelmente já tem papel higiênico suficiente em casa.
Quando medo e pânico tomam conta do noticiário é aconselhável parar e ler o que sábios do passado nos deixaram de legado. Na 13° Carta de Sêneca ele fala sobre medos infundados. Vale a pena reler!
“Existem mais coisas, Lucílio, susceptíveis de nos assustar do que existem de nos derrotar; sofremos mais na imaginação do que na realidade… Assim, algumas coisas nos atormentam mais do que deveriam; algumas nos atormentam antes do que deveriam; e algumas nos atormentam quando não deveriam nos atormentar. “
Na carta 78 Sêneca explica como a mente treinada em filosofia tem capacidade de cura. Para o estoicismo uma mente tranquila e receptiva, uma atitude serena e positiva, e um estado de equilíbrio e harmonia protegem a saúde do corpo.
A carta começa com a experiência pessoal de Sêneca, que sofria de problemas pulmonares, provavelmente asma. Conta que quase morreu, ficando reduzido a extrema magreza, mas que graças a filosofia recuperou suas forças:
“tudo o que eleva a alma ajuda o corpo também. Meus estudos foram minha salvação. Eu credito à filosofia que tenha recuperado minhas forças. Devo minha vida à filosofia, e essa é a menor das minhas obrigações!” (LXXVIII, 3)
Depois da anedota particular, Sêneca decompõe os elementos psicológicos da doença, que para ele são:
medo da morte;
dor corporal;
interrupção dos prazeres.
Então nos ensina como a filosofia pode aplacar cada um deles. Sobre a morte, afirma:
Você vai morrer, não porque você está doente, mas porque você está vivo; Mesmo após você tiver sido curado, o mesmo fim o espera; quando você se recuperar, não será da morte, mas da má saúde, que você escapou. (LXXVIII,6)
Em relação a dor, nos tranquiliza dizendo que a natureza nos fez de maneira que “nenhum homem pode sofrer severamente e por muito tempo“, afirmando que qualquer dor será “suportável ou curta.“
Depois foca no terceiro ponto, ou seja, a interrupção dos prazeres ocasionado pela doença. Para Sêneca nossos próprios desejos desaparecem quando aparece a enfermidade, então “não há amargura em ficar sem o que você deixou de desejar.“
Conclui a carta recomendando a Lucílio que foque no presente e lembre que mesmo doente um homem pode mostrar seu valor:
“Dois elementos devem ser erradicados de uma vez por todas: o medo do sofrimento futuro e a lembrança do sofrimento passado; já que este último não me preocupa mais, e o primeiro não me preocupa ainda.” (LXXVIII, 14)
“um homem pode mostrar bravura mesmo quando envolvido em pijama hospitalar. Você tem algo a fazer: lutar bravamente contra a doença.” (LXXVIII, 21)
1. Estou
desolado por ouvir que é frequentemente incomodado pelo catarro e por crises
curtas de febre que os seguem e, particularmente porque eu mesmo experimentei
esse tipo de doença e a desprezei em seus estágios iniciais. Pois quando eu
ainda era jovem, eu podia suportar dificuldades e mostrar um semblante ousado
para a doença. Mas eu finalmente sucumbi, e cheguei a tal estado que não podia
fazer nada além de fungar, reduzido a extrema magreza[1].
2. Eu frequentemente
debati com o impulso de terminar minha vida; mas a lembrança do meu velho pai
me manteve em pé. Pois eu refleti, não como corajosamente eu tinha o poder de
morrer, mas quão pouco poder ele teria em suportar corajosamente a perda de
mim. E assim me mandei viver. Por vezes
é um ato de bravura até mesmo viver.
3. Agora
vou dizer-lhe o que me consolou nesses dias, afirmando desde o início que estas
mesmas ajudas à minha paz de espírito eram tão eficazes quanto a medicina. Consolação
honrosa resulta em cura; e tudo o que
eleva a alma ajuda o corpo também. Meus estudos foram minha salvação. Eu credito
à filosofia que tenha recuperado minhas forças. Devo minha vida à filosofia, e
essa é a menor das minhas obrigações!
4. Meus
amigos, também, me ajudaram muito em atingir a boa saúde; eu costumava ser
confortado por suas palavras animadoras, pelas horas que passavam à minha
cabeceira e por sua conversa. Nada, meu excelente Lucílio, refresca e auxilia
um doente tanto quanto o afeto de seus amigos; nada mais rouba a expectativa e
o medo da morte. Na verdade, eu não podia acreditar que, se eles sobrevivessem
a mim, eu deveria morrer. Sim, repito, pareceu-me que eu deveria continuar a
viver, não com eles, mas através deles. Imaginei-me a não ceder a minha alma,
mas a transferir para eles. Todas estas coisas me deram a disposição de me
socorrer e suportar qualquer tortura; além disso, é um estado muito miserável
ter perdido o entusiasmo em morrer, e não ter nenhum entusiasmo em viver.
5. Esses,
então, são os remédios aos quais você deve recorrer. O médico prescreverá seus
passeios e seu exercício; ele o advertirá a não se tornar viciado na
ociosidade, como é a propensão do inválido inativo; ele ordenará que você leia
com mais força e exercite em seus pulmões as passagens e cavidades afetadas; ou
a navegar e sacudir suas entranhas por um movimento suave; ele recomendará o
alimento apropriado, e o momento apropriado para auxiliar sua força com vinho
ou abster-se dele a fim reduzir sua tosse. Mas quanto a mim, o meu conselho
para você é este, – e é uma cura, não apenas desta sua doença, mas para toda a
sua vida, – “Despreze a morte”. Não há sofrimento no mundo, quando
escapamos do medo da morte.
6. Há três elementos sérios em cada doença: medo da morte, dor corporal e interrupção dos prazeres. Sobre a morte já foi dito, e eu vou acrescentar apenas uma palavra: este medo não é um medo da doença, mas um medo da natureza. Muitas vezes a doença adia a morte, e a visão da morte tem sido a salvação de muitos homens. Você vai morrer, não porque você está doente, mas porque você está vivo; Mesmo após você tiver sido curado, o mesmo fim o espera; quando você se recuperar, não será da morte, mas da má saúde, que você escapou.
7. Voltemos
agora à consideração da desvantagem característica da doença: é acompanhada por
grande sofrimento. O sofrimento, no entanto, é tornado suportável por
interrupções; pois a tensão da dor extrema deve chegar ao fim. Nenhum homem
pode sofrer severamente e por muito tempo; A natureza, que nos ama com muita
ternura, nos constituiu para fazer a dor suportável ou curta.
8. As dores
mais severas têm seu assento nas partes mais esbeltas de nosso corpo: nervos,
articulações e qualquer outra das passagens estreitas, machucam mais cruelmente
quando desenvolvem problemas dentro de seus espaços contraídos. Mas estas partes
tornam-se logo entorpecidas e, por causa da própria dor, perdem a sensação de
dor, seja porque a força vital, quando enquadrada em seu curso natural e
alterada para o pior, perde o poder peculiar através do qual prospera e através
da qual ela nos adverte, ou porque os humores enfermos do corpo, quando deixam
de ter um lugar em que possam fluir, são lançados de volta sobre si mesmos e
privam de sensação as partes em que causaram a congestão.
9. Tanto a
gota, não só nos pés como nas mãos, e toda a dor nas vértebras e nos nervos,
têm seus intervalos de descanso em momentos em que têm entorpecido as partes
que antes torturaram; as primeiras pontadas, em todos esses casos, são o que
causa a angústia, e seu início é determinado por lapso de tempo, de modo que há
um fim na dor quando o entorpecimento se inicia. A dor nos dentes, olhos e
ouvidos é mais aguda pelo fato de estar entre os estreitos espaços do corpo,
não menos aguda do que na própria cabeça. Mas se é mais violenta do que o
habitual, ela se transforma em delírio e estupor.
10. Isto é,
por conseguinte, um consolo para a dor excessiva, – que você deixará de
senti-la se sentir em excesso. A razão, entretanto, por que os inexperientes
são impacientes quando seus corpos sofrem é que eles não se habituaram a se
contentar em espírito. Eles têm estado intimamente associados com o corpo.
Portanto, um homem de mente elevada e sensível separa a alma do corpo, e convive
com a parte melhor ou divina, e somente na medida em que é obrigado, com a
parte queixosa e frágil.
11.
“Mas é uma dificuldade”, dizem os homens, “ficar sem os nossos
prazeres habituais, – jejuar, sentir sede e fome”. Estes são realmente
graves quando primeiro se abstém deles. Mais tarde o desejo morre, porque os
próprios apetites que levam ao desejo se cansam e nos abandonam; então o
estômago torna-se petulante, então o alimento pelo qual nós suplicávamos antes
se torna odioso. Nossos próprios desejos desaparecem. E não há amargura em ficar sem o que você deixou de desejar.
12. Além
disso, toda dor, por vezes, para, ou de qualquer modo afrouxa; além disso,
pode-se tomar precauções contra o seu retorno, e, quando ameaça, podemos
controlá-la por meio de remédios. Cada variedade de dor tem seus sintomas
premonitórios; isso é verdade, principalmente, na dor habitual e recorrente.
Podemos suportar o sofrimento que a doença ocasiona, quando consideramos seus
resultados com desprezo.
13. Mas não
por você mesmo faça as suas angústias mais pesadas carregando-as de queixas. A
dor é ligeira se seu juízo não acrescentou nada; mas se, por outro lado, você
começar a encorajar a si mesmo e dizer: “Não é nada, – é um assunto
insignificante, mantenha um coração forte e que em breve cessará”; Em
seguida, ao pensar que é leve, você vai torná-la leve. Tudo depende da opinião;
ambição, luxo, ganância, está ligado à opinião. É de acordo com a opinião que
sofremos.
14. Um
homem é tão miserável como se convenceu que seja. Creio que devemos acabar com
a queixa sobre os sofrimentos passados e com toda a linguagem como esta:
“Ninguém nunca esteve pior do que eu. Que sofrimentos, que males tenho
suportado! Ninguém pensa que eu me recuperarei. Minha família lamenta por mim,
e os médicos desistiram de mim! Homens que são torturados não são despedaçados
com tanta agonia!” No entanto, mesmo se tudo isso é verdade, é findo e
passou. Que benefício há na revisão de sofrimentos passados, e em ser infeliz,
só porque uma vez que você esteve infeliz? Além disso, todos acrescentam muito
aos seus próprios males e contam mentiras para si mesmo. E o que era amargo de
suportar é agradável de ter suportado; é natural regozijar-se com o fim dos
males. Dois elementos devem ser
erradicados de uma vez por todas: o medo do sofrimento futuro e a lembrança do
sofrimento passado; já que este último não me preocupa mais, e o primeiro não
me preocupa ainda.
15. Mas,
quando estivermos no meio dos problemas, deveríamos dizer:
Talvez um dia a
lembrança desta tristeza
vai até mesmo trazer
prazer.
Deixe um
homem lutar contra eles com toda a sua força: se uma vez cede, vai ser vencido;
mas se luta contra os seus sofrimentos, vencerá. De fato, no entanto, o que a
maioria dos homens faz é arrastar em suas próprias cabeças uma ruína que eles
deveriam tentar erradicar. Se você começar a retira seu apoio daquilo que lhe
faz avançar e cambaleia e está pronto para submergir, a derrota irá seguir você
e se apoiar mais pesadamente sobre você; mas se você se mantiver firme e se
decidir a revidar, ela será forçada para trás.
16. Que
golpes os atletas recebem no rosto e em todo o corpo! No entanto, por seu
desejo de fama, eles sofrem cada tortura, e eles sofrem essas coisas não só
porque eles estão lutando, mas para poder lutar. Seu próprio treinamento
significa tortura. Portanto, deixemos conseguir também o caminho para a vitória
em todas as nossas lutas, pois a recompensa não é uma guirlanda, nem um ramo de
palmeira, nem um trompetista que pede silêncio ao proclamar nossos nomes, mas
sim virtude, firmeza de alma e paz que é ganha para sempre, se a fortuna for
completamente vencida em qualquer combate. Você diz, “eu sinto dor
severa.”
17. O que
então; você será aliviado de senti-la, se você a suportar como uma mulher?
Assim como um inimigo é mais perigoso para um exército em retirada, também cada
problema que a fortuna nos traz nos ataca mais ainda se cedermos e virarmos as
costas. – “Mas o problema é sério”. O que? É para este propósito que
somos fortes, – para que tenhamos cargas leves a suportar? Você teria sua
doença prolongada, ou a faria rápida e curta? Se é longa, significa uma trégua,
permite-lhe um período para descansar a si mesmo, concede a você a bênção do
tempo em abundância; assim como surge, também deve retroceder. Uma doença curta
e rápida fará uma de duas coisas: ela irá saciar-se ou ser extinguida. E que
diferença faz se ela não é mais ou eu não o sou? Em ambos os casos, há um fim
da dor.
18. Isso,
também, ajudará – a focar a mente para pensamentos de outras coisas e, assim,
afastar-se da dor. Lembre-se de que atos honrados ou corajosos que fez;
considere o lado bom de sua própria vida. Discorra em sua memória aquelas
coisas que você particularmente admirou. Então pense em todos os homens
corajosos que superaram a dor: daquele que continuou a ler seu livro enquanto
permitiu o corte das veias com varizes; daquele que não cessava de sorrir,
embora aquele mesmo sorriso enfurecesse tanto seus torturadores que
experimentavam sobre ele todo instrumento de sua crueldade. Se a dor pode ser
conquistada por um sorriso, não será conquistada pela razão?
19. Você
pode me dizer agora o que você quiser – de resfriados, ataques de tosse que
trazem para cima partes de nossas entranhas, febre que enche nossos órgãos
vitais, sede, membros tão torcidos que as articulações se projetam em
diferentes direções; ainda pior do que estes são a estaca, a cremalheira, o
ferro em brasa, o instrumento que reabre as feridas enquanto as feridas estão
ainda inchadas e que impulsiona sua marca ainda mais profundamente. No entanto,
houveram homens que não pronunciaram gemidos em meio a essas torturas. – Mais
ainda! Diz o torturador; mas a vítima não implora por libertação. – Mais ainda!
Ele diz novamente; mas nenhuma resposta chega. – Mais ainda! A vítima sorri, e
de coração. Você não pode tentar, após um exemplo como este, também zombar da
dor?
20.
“Mas”, objeta, “a minha doença não me permite fazer nada,
afastou-me de todos os meus deveres”. É o seu corpo que é prejudicado pela
má saúde, e não a sua alma. É por esta razão que obstrui os pés do corredor e
dificulta a obra do sapateiro ou do artesão; mas se sua alma estiver
habitualmente em prática, você vai peticionar e ensinar, ouvir e aprender,
investigar e meditar. O que mais é necessário? Você acha que não está fazendo
nada se possui autocontrole mesmo doente? Você estará mostrando que uma doença
pode ser superada, ou de qualquer forma suportada.
21. Há, asseguro-lhe, um lugar para a virtude mesmo sobre um leito de hospital. Não é só a espada e a frente de batalha que provam a alma alerta e não conquistada pelo medo; um homem pode mostrar bravura mesmo quando envolvido em pijama hospitalar. Você tem algo a fazer: lutar bravamente contra a doença. Se ela não o obrigar a nada, não o seduzir a nada, é um exemplo notável que exibirá. Que grande assunto para a fama, se pudéssemos ter espectadores de nossa doença! Seja seu próprio espectador; busque seus próprios aplausos.
22.
Novamente, há dois tipos de prazeres. A doença restringe os prazeres do corpo,
mas não acaba com eles. Não, se a verdade for considerada, serve para excitá-los;
porque quanto mais sedento é um homem, mais ele gosta de beber; quanto mais
fome ele tem, mais prazer toma na comida. O que quer que se obtenha depois de
um período de abstinência é recebido com maior entusiasmo. O outro tipo, no
entanto, os prazeres da mente, que são maiores e menos incertos, nenhum médico
pode recusar ao doente. Quem procura estes e sabe bem o que são, despreza todos
os prazeres dos sentidos.
23. Os
homens dizem: “Pobre companheiro doente!” Mas por que? É porque ele
não mistura neve com o seu vinho, ou porque ele não reaviva o frio de sua
bebida – misturado como está em uma tigela de bom tamanho com lascas de gelo?
Ou porque não tem ostras frescas do Lago de Lucrino[3] abertas à sua mesa? Ou porque não há nenhum barulho de cozinheiros em sua sala
de jantar, pois eles trazem em seu aparelho de cozinha junto com seus
mantimentos? Pois o luxo já inventou essa moda – de levar a cozinha para
acompanhar o jantar, para que a comida não fique morna ou não seja
insuficientemente quente para um paladar já endurecido pelo mimo.
24.
“Pobre doente!” – Ele vai comer tanto quanto pode digerir. Não haverá
javali diante de seus olhos, banido da mesa como se fosse uma carne comum; e no
seu aparador não haverá amontoado nenhum de carne de peito de pássaros, porque
o enoja ver pássaros servidos inteiros. Mas que mal lhe foi feito? Você vai
jantar como um homem doente, ou às vezes, como um homem sadio.
25. Todas
estas coisas, no entanto, podem ser facilmente suportadas – o mingau, a água
morna, e qualquer outra coisa que parece insuportável para um homem exigente,
para quem está chafurdando no luxo, doente na alma e não no corpo – se apenas
deixarmos de estremecer com a morte. E deixaremos, apenas quando tivermos
adquirido o conhecimento dos limites do bem e do mal; então, e só então, a vida
não nos cansará, nem a morte nos fará temer.
26. Porque
o excesso de si mesmo nunca pode aproveitar uma vida que avalia todas as coisas
que são múltiplas, grandes, divinas; Só o ócio inútil costuma fazer os homens
odiarem suas vidas. Para aquele que percorre o universo, a verdade nunca pode
esmorecer; serão as inverdades que irão enfastiar.
27. E, por
outro lado, se a morte se aproxima com seu chamado, mesmo que intempestivo em
sua chegada, mesmo cortado em seu primor, um homem já provou o gosto de tudo o
que uma vida mais longa poderia dar. Tal homem, em grande medida, chegou a
compreender o universo. Ele sabe que as coisas honrosas não dependem do tempo
para o seu crescimento; mas qualquer
vida deve parecer curta para aqueles que medem seu comprimento por prazeres que
são vazios e por isso sem limites.
28.
Refresque-se com pensamentos como estes, e, entretanto, reserve algumas horas
para nossas cartas. Chegará um tempo em que nos uniremos novamente; por mais
curto que este tempo possa ser, vamos fazê-lo longo, sabendo como empregá-lo.
Pois, como afirma Posidônio: “Um só dia entre os sábios dura mais do que a
vida mais longa dos ignorantes”.
29. Enquanto isso, agarre-se a este pensamento e abrace-o de perto: não ceda à adversidade; não confie na prosperidade; mantenha diante de seus olhos todo o alcance do poder da Fortuna, como se ela certamente fosse fazer tudo o que pode fazer. Aquilo que há muito tempo se espera vem mais suavemente.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] A tal ponto que
Calígula, inimigo de Sêneca, se absteve de executá-lo, com o pretexto que logo
morreria.
[3] Lago de Lucrino é
um lago de água salgada da Campânia, no sul da Itália. Nos dias romanos, sua
pescaria era importante e suas ostras muito apreciadas – como são ainda hoje.
“E na leitura de muitos livros há distração. Por conseguinte, uma vez que não é possível ler todos os livros que você pode possuir, é suficiente possuir apenas tantos livros quanto você pode ler.” (II,3)
“Mas,” você responde, “eu desejo mergulhar primeiramente em um livro e então em outro.” Eu lhe digo que é o sinal de gula brincar com muitos pratos; pois quando são múltiplos e variados, eles enfastiam, mas não alimentam. Então você deve sempre ler autores de qualidade; e quando você anseia uma mudança, retroceda àqueles que você leu antes. ” (II,4)
Caro Epicteto: Estou preocupado com o coronavírus. Dizem que é uma pandemia, e que até 70% da população mundial pode ser contaminada. Já há casos aqui em SP. Eu não quero ficar doente, ou que a minha família fique doente. Como posso ficar em segurança?
– Paulista Apreensivo
Caro escravo: Todos nós vamos morrer. Talvez de coronavírus, talvez de câncer, talvez de um ataque cardíaco. O quê? Achava que era imortal? Que importa se vai morrer na próxima semana, com febre e pulmões cheios de catarro, ou daqui a 50 anos, enrugado e fraco e incapaz de se lembrar do seu próprio nome? Deixe a sua hora da morte para o destino. Enquanto isso, lave as mãos por 30 segundos, não toque no rosto, diga à sua família que você os ama e tente ser uma boa pessoa.
Não é o coronavírus que o perturba, mas apenas o seu julgamento sobre ele.