Carta 13: Sobre Medos infundados

Esta é uma de minhas cartas preferidas. Sêneca aborda o principal fator atrapalha nosso desenvolvimento, o medo.

O que lhe impede de procurar seu trabalho dos sonhos, de fazer arte, de viajar pelo mundo, de se expor? É o Medo. É simples assim. Podemos dar a desculpa de estarmos ocupados ou em mal momento ou não ter talento ou recursos ou um milhão de outras coisas, mas na realidade muitas vezes é o medo que nos segura.

A 13° carta defende cinco pontos principais:

  1. Conhecer seu medo é derrotá-lo;
  2. As coisas são muitas vezes piores em sua mente;
  3. Não deixe que outros lhe assustem;
  4. Antecipar um fracasso não vale a pena;
  5. Explore o que poderia realmente dar errado;

Começa argumentando que temos que experimentar certas coisas para construir nosso caráter e desenvolver resistência contra elas:

nenhum lutador pode ir com alta expectativa para a luta se ele nunca foi espancado; o único concorrente que pode entrar com confiança na luta é o homem que viu seu próprio sangue, que sentiu seus dentes chocalhar sob o punho do seu adversário… aquele que, quantas vezes cai, levanta-se novamente com maior teimosia do que nunca.”(XIII.2)

Ele continua:

Existem mais coisas, Lucílio, susceptíveis de nos assustar do que existem de nos derrotar; sofremos mais na imaginação do que na realidade... Assim, algumas coisas nos atormentam mais do que deveriam; algumas nos atormentam antes do que deveriam; e algumas nos atormentam quando não deveriam nos atormentar. “(XIII, 4)

Ambas as passagens mais tarde se tornaram no refrão principal de Epicteto: devemos nos distanciar de nossas primeiras impressões, considerá-las racionalmente e decidir se dar ou retirar aprovação a elas. De fato, sofremos com mais freqüência na imaginação do que na realidade, porque a realidade é muitas vezes mais suportável do que nossos medos nos deixa acreditar.


Sobre Medos infundados

Saudações de Sêneca a Lucílio.

  1. Eu sei que você tem muita garra; pois mesmo antes de você começar a equipar-se com máximas que eram saudáveis e poderosas para superar obstáculos, você estava se orgulhando de sua disputa com a Fortuna; e isso é ainda mais verdadeiro, agora que você se atracou com a Fortuna e testou seus poderes. Pois nossos poderes nunca podem inspirar uma fé implícita em nós mesmos, a não ser quando muitas dificuldades tenham nos cortejado por inúmeros lados, e ocasionalmente tenham se atracado conosco. Somente dessa maneira o verdadeiro espírito pode ser testado, o espírito que nunca consentirá em submeter-se à jurisdição de coisas externas a nós.
  2. Esta é marca de tal espírito; nenhum lutador pode ir com alta expectativa para a luta se ele nunca foi espancado; o único concorrente que pode entrar com confiança na luta é o homem que viu seu próprio sangue, que sentiu seus dentes chocalhar sob o punho do seu adversário, que foi derrubado e sentiu toda a força da carga do seu adversário, que foi abatido não só no corpo, mas também em espírito, aquele que, quantas vezes cai, levanta-se novamente com maior teimosia do que nunca.
  3. Então, para manter a minha analogia, a Fortuna muitas vezes no passado foi preponderante sobre você, e mesmo assim você não se rendeu, mas saltou ereto e manteve a sua posição ainda mais determinadamente. Pois a virilidade ganha muita força ao ser desafiada; no entanto, se você aprovar, permita-me oferecer algumas salvaguardas adicionais pelas quais você pode se fortalecer.
  4. Existem mais coisas, Lucílio, susceptíveis de nos assustar do que existem de nos derrotar; sofremos mais na imaginação do que na realidade. Eu não estou falando com você na linha estoica, mas em meu estilo mais suave. Pois é a nossa maneira estoica falar de todas essas coisas, que provocam gritos e gemidos, tanto sem importância como irrelevantes; mas você e eu devemos proferir palavras grandiosas, embora, Deus sabe, verdadeiras. O que eu aconselho você a fazer é, não ser infeliz antes que a crise chegue; já que pode ser que os perigos que o empalidecem como se estivessem o ameaçando agora, nunca cheguem sobre você; eles certamente ainda não chegaram.
  5. Assim, algumas coisas nos atormentam mais do que deveriam; algumas nos atormentam antes do que deveriam; e algumas nos atormentam quando não deveriam nos atormentar. Temos o hábito de exagerar, imaginar, antecipar, a tristeza. A primeira dessas três faltas pode ser adiada no momento, porque o assunto está em discussão e o caso ainda está no tribunal, por assim dizer. O que eu chamo de insignificante, você considerará a ser mais grave; pois é claro que eu sei que alguns homens riem enquanto são açoitados, e que outros estremecem com um tapa orelha. Consideraremos mais tarde se esses males derivam seu poder de sua própria força ou de nossa própria fraqueza.
  6. Faça-me o favor, quando os homens o rodeiam e tentam convencê-lo a acreditar que você é infeliz, considere não o que você ouve, mas o que você sente, e tome conselho com seus sentimentos e se questione independentemente, porque você sabe seus próprios assuntos melhor do que qualquer um. Pergunte: “Há alguma razão por que essas pessoas devam compadecer-se de mim, por que elas deveriam estar preocupados ou até mesmo temerem alguma contaminação de mim, como se problemas pudessem ser transmitidos? Existe algum mal envolvido, ou é apenas uma questão de mau relatório, em vez de um mal?” Coloque a pergunta voluntariamente a si mesmo: “Estou atormentado sem razão suficiente, estou melancólico, e estou a converter o que não é mal no que é mal?”
  7. Você pode retorquir com a pergunta: “Como vou saber se meus sofrimentos são reais ou imaginários?” Aqui está a regra para tais assuntos: somos atormentados por coisas presentes, ou por coisas vindouras, ou por ambos. Quanto às coisas presentes, a decisão é fácil. Suponha que sua pessoa goze de liberdade e saúde, e que você não sofra de nenhuma lesão externa. Quanto ao que lhe acontecerá no futuro, veremos mais adiante. Hoje não há nada de errado.
  8. “Mas,” você diz, “algo vai acontecer.” Em primeiro lugar, considere se suas provas dos problemas futuros são certas. Pois é mais comum que nos incomodemos com as nossas apreensões, e que sejamos zombados por aquele zombador, o boato, que costuma instalar guerras, mas muito mais frequentemente liquida indivíduos. Sim, meu caro Lucílio; concordamos muito rapidamente com o que as pessoas dizem. Não colocamos à prova as coisas que causam o nosso medo; não as examinamos a fundo; titubeamos e nos retiramos exatamente como soldados que são forçados a abandonar seu acampamento por causa de uma nuvem de poeira levantada pelo estampido do gado, ou são lançados em pânico pela divulgação de algum rumor não autenticado.
  9. E, de alguma forma, é o relatório negligente que nos perturba mais. Pois a verdade tem seus próprios limites definidos, mas o que surge da incerteza é entregue à adivinhação e à licença irresponsável de uma mente assustada. É por isso que nenhum medo é tão ruinoso e tão incontrolável como o medo de pânico. Pois alguns medos são infundados, mas este medo é imbecil.
  10. Vejamos, pois, atentamente o assunto. É provável que alguns problemas nos acontecerão; mas não é um fato presente. Quantas vezes o inesperado aconteceu! Quantas vezes o esperado nunca chegou a passar! E mesmo que seja destinado a ser, o que é que vale correr para encontrar seu sofrimento? Você sofrerá em breve, quando chegar a hora; então, enquanto isso, olhe para a frente, para coisas melhores.
  11. O que você ganhará fazendo isso? Tempo. Haverá muitos acontecimentos, entretanto, que servirão para adiar, ou para terminar, ou para transmitir a uma outra pessoa, as experimentações que estão próximas ou mesmo em sua própria presença. Um incêndio abriu o caminho para a fuga. Os homens foram derrotados por uma catástrofe. Às vezes o movimento da espada é parado na garganta da vítima. Alguns homens sobreviveram aos seus próprios carrascos. Mesmo a má Fortuna é inconstante. Talvez venha, talvez não; entrementes, agora, não está aqui. Então, esperemos coisas melhores.
  12. A mente às vezes modela para si as formas falsas do mal, quando não há sinais que apontem para algum mal; interpreta da pior forma alguma palavra de significado duvidoso; ou imagina algum rancor pessoal ser mais sério do que realmente é, considerando não quão irritado o inimigo está, mas a que extensão poderá chegar sua ira. Mas a vida não vale a pena ser vivida, e não há limites para nossas dores, se entregarmos nossos medos ao máximo possível; neste assunto, deixe a prudência ajudá-lo, e despreze o medo com um espírito resoluto mesmo quando ele está à vista. Se você não pode fazer isso, combata uma fraqueza com outra, e tempere o seu medo com esperança. Não há nada tão certo nesse assunto de medo como as coisas que tememos darem em nada e que as coisas as quais esperamos zombarem de nós.
  13. Consequentemente, pese cuidadosamente as suas esperanças, assim como os seus temores, e sempre que todos os elementos estiverem em dúvida, decida em seu favor; acredite no que você preferir. E se o medo ganha a maioria dos votos, incline-se na outra direção de qualquer maneira, e deixe de incomodar sua alma, refletindo continuamente que a maioria dos mortais, mesmo quando não têm problemas realmente à mão, certamente os têm esperados no futuro, e tornam-se excitados e inquietos. Ninguém se segura, quando começa a ser incitado à frente; nem regula o seu alarme de acordo com a verdade. Ninguém diz; “O autor da história é um tolo, e quem crê nela é um tolo, assim como aquele que a fabricou.” Nós nos deixamos derivar com cada brisa; estamos assustados com as incertezas, como se estivessem certos. Não observamos moderação. A menor coisa vira o jogo e nos coloca imediatamente em pânico.
  14. Mas eu tenho vergonha tanto de admoestá-lo severamente ou tentar iludi-lo com remédios tão suaves. Deixe outro dizer. – Talvez o pior não aconteça. Você mesmo deve dizer. “Bem, e se isso acontecer, vamos ver quem ganha, talvez isso aconteça para o meu melhor interesse, pode ser que tal morte derrame crédito sobre a minha vida”. Sócrates foi enobrecido pelo chá de cicuta. Retire da mão de Catão[1] sua espada, o defensor da liberdade, e você o privará da maior parte de sua glória.
  15. Estou lhe exortando por demasiado tempo, já que você precisa de recordação e não de exortação. O caminho para o qual lhe guiarei não é diferente daquele em que a sua natureza o guia; você nasceu para conduta que eu descrevo. Portanto, há mais razão para reforçar e alegrar o bem que há em você.
  16. Mas agora, para fechar a minha carta, tenho apenas de estampar o selo habitual, ou seja, consignar uma mensagem nobre a ser entregue a você: “O tolo, com todos seus outros defeitos, tem isso também, ele está sempre se preparando para viver.” Reflita, meu estimado Lucílio, o que significa essa palavra, e você verá quão revoltante é a inconstância dos homens que estabelecem cada dia novos fundamentos de vida e começam a construir novas esperanças mesmo à beira da sepultura.
  17. Olhe dentro de sua própria mente para instâncias individuais; você pensará em homens velhos que estão se preparando naquela mesma hora para uma carreira política, ou para viajar, ou para o negócio. E o que é mais mesquinho do que se preparar para viver quando você já é velho? Eu não devo dar o nome do autor deste lema, exceto que é um pouco desconhecido e não é um daqueles ditos populares de Epicuro que eu me permiti a elogiar e apropriar.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] Marco Pórcio Catão Uticense), também conhecido como Catão, o Jovem, (para se distinguir do seu bisavô, Marco Pórcio Catão, o Velho), (Roma, 95 a.C. — Útica, 46 a.C.) foi um político romano célebre pela sua inflexibilidade e integridade moral. Partidário da filosofia estoica, era avesso a qualquer tipo de suborno. Opunha-se, particularmente, a Júlio César. Suicidou-se depois da vitória deste na Batalha de Tapso.