Meditações, entrevista de Aldo Dinucci à Veja

Com o lançamento da tradução das Meditações por Aldo Dinucci a resvista Veja publicou uma resenha e pequena entrevista. Segue entrevista:

Com a palavra, o tradutor das Meditações, Aldo Dinucci.

Meditações é daqueles livros que se tornaram um best-seller atemporal e universal. A que o senhor atribui tamanho êxito?
O diário de Marco Aurélio permaneceu praticamente perdido por séculos e séculos, com esparsas notícias ao longo da Antiguidade Tardia e da Idade Média, sendo publicado na Europa apenas no século XVI, com inúmeras edições em línguas modernas a partir de então. No seu libelo, Marco dialoga consigo mesmo, de modo similar ao que fazem amigos íntimos ao trocarem impressões entre si sobre temas relativos à vida.
Esse sentimento de intimidade é muito evidente no texto, razão pela qual costuma ser lido por algumas pessoas dezenas de vezes, estabelecendo-se assim laços afetivos de amizade entre o leitor vivo e o filósofo que há muito se foi. A extraordinária sensibilidade de Marco ilumina temas que concernem à humanidade como um todo, como a reflexão sobre o que é a vida plena, sobre a fraternidade humana, sobre a morte, sobre o lugar do humano no Cosmos, tudo isso entre belíssimas imagens da natureza e da nossa vida cotidiana.

O diário de Nos últimos anos, tivemos o lançamento de muitos livros que beberam, de forma evidente ou nem tanto, de lições do estoicismo para promover discursos de autoajuda ou do tipo “como vencer na vida”. O senhor acredita que, muito embora ajudem a popularizar essa corrente filosófica, eles também possam deturpar ideias e intenções caras à escola estoica?
O mercado cultural afeta hoje quase todos os aspectos de nossa vida: vestuário, cinema, música, alimentação, religião… Tudo acaba se transformando em mercadoria para consumidores cada vez mais existencialmente vazios. Essas mercadorias são niveladas por baixo no que se refere ao aspecto cultural propriamente dito, razão pela qual muitos dizem haver acabado a boa música, o bom cinema, a boa literatura. Isso ocorre porque o mercado cultural almeja não a qualidade de seus produtos, mas meramente a quantidade de consumidores e de renda arrecadada.

O estoicismo, assim como tudo mais, acabou sendo transformado em produto nesse contexto do capitalismo tardio em que vivemos, apresentado por meio de simplificações grosseiras e evidentes deturpações, mais ou menos como a teologia da prosperidade o faz em relação ao cristianismo. A filosofia do Pórtico (como é também conhecido o estoicismo), na Antiguidade, jamais foi uma técnica individualista para buscar o sucesso pessoal, mas sempre se tratou de uma doutrina de amor à humanidade que busca conectar os humanos entre si por sentimentos fraternos e reconectar o humano ao Cosmos, exortando seus seguidores a ações que concorram não para o sucesso individual, mas para o bem comum, como Marco não se cansa de repetir em seu diário.

Que mensagem do livro de Marco Aurélio o senhor julga a mais preciosa para estes tempos pós-modernos, pós-pandêmicos, regidos pela tal pós-verdade?
Cada vez mais, estamos, humanos das ruas, fartos do dogmatismo e do cinismo de certos filósofos e intelectuais modernos e contemporâneos: ou temos aqueles que se creem donos da verdade e querem nos fazer passar essa suposta verdade goela abaixo, ou temos os cínicos no pior sentido do termo, os que não creem em nada e se resignam a uma atitude irreverente e malévola diante das vicissitudes humanas. Marco não vai nem por um caminho nem por outro. Nosso imperador não é jamais dogmático, mas se questiona frequentemente quanto aos mais centrais princípios filosóficos, como quando, por exemplo, se indaga se há providência divina (a tese estoica) ou apenas átomos (a tese atomista e epicurista), refletindo e nos fazendo refletir simultaneamente sobre as duas possibilidades.

Sua ideia mais importante (e menos conhecida) é que a humanidade é uma grande fraternidade, e que devemos alimentar em nós esse pensamento para que possamos agir visando ao bem comum, seja o de nossa comunidade imediata, seja o da humanidade como um todo, seja o do Cosmos. Para Marco, o humano é um animal racional e político, que só pode alcançar seu fim (quer dizer, sua plenitude e sua realização) agindo de forma comunitária por meio da interpretação adequada dos papéis que lhe cabem na sociedade e no Cosmos, tais como os de ser racional, filho ou filha, irmã ou irmão, pai, mãe, vizinho, político, entre tantos personagens que são atribuídos a nós, humanos, em nossas breves existências.

Texto completo em:
https://veja.abril.com.br/coluna/conta-gotas/o-sucesso-atemporal-das-meditacoes-do-imperador-filosofo/

Resenha: A Arte da Prudência, por Baltasar Gracián

Baltasar Gracián, um erudito jesuíta espanhol, apresenta em “A Arte da Prudência” 300 ensinamentos para colocarmos em prática em nosso dia a dia. São estratégias de para se ter sucesso e atingir a felicidade em um mundo hostil. Mostrando as hipocrisias das relações humanas, os conselhos de Gracián envolvem temas como, amizade, trabalho, relacionamentos e conquistas, além de evidenciar sua visão espiritual e religiosa sobre o mundo. 

Na Espanha, nada supera o estoicismo de Baltasar Gracián, cheio de sagacidade, ironia e moral. O autor cita várias vezes Sêneca e também Marco Aurélio. Alguns exemplos:

É tolo aquele que aos quarenta anos de idade clama por saúde a Hipócrates, mais ainda aquele que clama por cordura a Sêneca.” § 36

Tema a si mesmo, e não precisará mais de Sêneca como preceptor imaginário.” §50

Caiu em desrespeito a ciência da filosofia. Sêneca introduziu-a em Roma e por algum tempo ela empolgou os nobres. Mas agora é considerada inútil e impertinente.” §100

Subimos a escada da vida, e os degraus – os dias – desaparecem um após o outro, no momento em que movemos nossos pés. Não há como descer, nada a fazer a não ser ir adiante.

Poderia escrever mais, contudo o prefácio de Jean Tosetto, que abre o texto, diz tudo:


Conselhos de gente como a gente

Por Jean Tosetto[1]

De tempos em tempos os executivos de grandes empresas elegem um novo livro de cabeceira, resgatando algum clássico do passado. Citar bestsellers atuais pode ser arriscado, pois antes de se tornarem referências duradouras, podem ficar ultrapassados ou cair numa espécie de folclore de segunda linha. Entretanto, jamais pegará mal citar um filósofo antigo, não é mesmo? Assim, políticos, esportistas e investidores replicam essas dicas quentes de leitura.

Deste modo, dizem que o ex-presidente norte-americano Bill Clinton relê “Meditações”, do imperador Marco Aurélio, todos os anos. O badalado especulador Nassim Nicholas Taleb citou Sêneca em seus escritos e pronto: muita gente começou a ler as cartas do estoico que fora questor em Roma. Porém, quem ocupa o Olimpo das recomendações literárias para pessoas que desejam vencer na carreira são o chinês Sun Tzu, autor de “A Arte da Guerra”, e o florentino Nicolau Maquiavel, que escreveu “O Príncipe”.

Maquiavel ficou tão famoso que sua obra-prima é mais conhecida pelo seu próprio sobrenome do que pelo título formal. Involuntariamente, ele conseguiu a façanha de cunhar um adjetivo. Se um dia alguém te chamar de maquiavélico, cuidado: isso não é exatamente um elogio. Um sujeito maquiavélico pode se passar por alguém astuto, capaz de elaborar um plano bem detalhado que prevê reações para eventuais revezes, mas para a maioria das pessoas, o maquiavélico é alguém sem princípios éticos, que ignora os preceitos morais.

Esse é um dos problemas de alguém que lê “O Príncipe” de Maquiavel: desconfiar que não podemos agir feito damas ou cavalheiros, pois damas e cavalheiros são pessoas previsíveis – e ser previsível na política (ou no ambiente de trabalho) não seria o caminho indicado para se dar bem no longo prazo, de acordo com o escritor. O outro problema é que você tem que se imaginar no lugar de um regente nacional quando está lendo este legado renascentista, incluindo a edição comentada por Napoleão Bonaparte.

Algo semelhante acontece com “A Arte da Guerra”. Sun Tzu não escreveu o tratado militar para os civis, mas para os generais. Cabe ao leitor se colocar no lugar de um chefe de tropas para extrair as lições práticas para o seu cotidiano – uma tarefa que fica mais difícil para quem está começando a trabalhar no chão de uma fábrica ou fazendo estágio num escritório. Você vira a última página e pensa consigo mesmo:

“Então eu preciso ser uma pessoa inescrupulosa para subir na vida?”

Queria encaixar um palavrão na frase anterior, aquele que ofende o elemento e sua progenitora, mas seria uma indelicadeza com o prefácio de “A Arte da Prudência”, de Baltasar Gracián, afinal de contas, ele foi padre e professor, mais do que um militar vitorioso.

Gracián compreendia como poucos os diversos níveis hierárquicos das organizações, dado que além de integrar um exército que venceu batalhas na Guerra da Catalunha, em meados do século XVII, ele pertenceu à Companhia de Jesus. Ou seja, ele foi um subalterno que galgou passos até ganhar a alcunha de “O Pai da Vitória”. No meio do caminho aprendeu a lidar com superiores, colegas no mesmo patamar e pessoas sob suas ordens.

Quando Gracián reuniu trezentos aforismos para publicar em forma de livro, ele sabia que a maioria absoluta dos leitores jamais seriam generais ou chefes de estado, muito menos papas ou cardeais. Esse talvez seja o aspecto mais reconfortante de sua obra. Ao ler a “A Arte da Prudência” ficamos com a impressão de que podemos ser vencedores, mesmo sem alcançar o ápice da carreira que imaginamos. Ápice que o autor também não alcançou, mas isso não impediu que seu nome ficasse marcado na História.

Também é agradável ficar com a sensação de que não precisamos ser como uma máquina fria e sem coração (mas que sabe dissimular) para ter sucesso em nosso ambiente de trabalho. Porém, isso não quer dizer que podemos ser ingênuos e desarmados. Não precisar ser como as raposas não significa que devemos agir feito cordeiros.

Embora tenha sido um teólogo exemplar, Gracián não leva sua coleção de conselhos para o lado místico ou religioso. Ao contrário, ele se baseia na lógica e na observação do que estava ao seu redor para tecer máximas de teor prático e realista, repletas de conceitos racionais de retórica refinada, que levaram os críticos a classificar o filósofo neo-estoico como membro do Conceptismo, corrente literária do estilo barroco que tinha no poeta Francisco Gómez de Quevedo seu maior expoente.

Assim, Gracián se distancia de Sun Tzu e Maquiavel, para se aproximar de Sêneca e Marco Aurélio na estante de livros que sobrevivem à cabeceira da cama daqueles que apreciam uma leitura edificante e prazerosa.

Disponível na Amazon, Apple, Google e Kobo.



[1] Jean Tosetto (1976) é arquiteto e urbanista graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo. Tem escritório próprio desde 1999. O autor e editor de livros é adepto do Value Investing e colabora com a Suno Research desde janeiro de 2017, onde já escreveu livros de sucesso em parcerias com Tiago Reis, Professor Baroni e Felipe Tadewald. Publicou sua primeira obra, “MP Lafer: a recriação de um ícone”, em 2012, de forma independente.

Lançamento da segunda edição das Cartas de um Estoico

Quem vem acompanhando o site e a página no facebook sabe que nos últimos três anos venho publicando as carta que havia traduzido em 2017. Desse exercício resultou o lançamento da segunda edição revisada, com muitas alterações de interpretação bem como correção de gramática e ortografia.

Nas próximas semanas além da versão em ebook, estará disponível também o livro impresso no Brasil, com custo mais acessível que a versão anterior, impressa nos EUA.


Prefácio da segunda edição

Após a publicação da primeira edição no final de 2017, criei o website O Estoico e também uma página no Facebook para divulgar o estoicismo e as cartas de Sêneca. Neste espaço venho colocando textos dos filósofos estoicos, principalmente Sêneca, e comentando brevemente cada carta e obra de Sêneca.

Nos dois últimos anos, 2019 e 2020, traduzi todas as outras obras filosóficas de Sêneca bem como sua biografia por Francis Holland.[3] Com esse exercício e com ajuda dos debates com internautas, acabei aprofundando meu entendimento do estoicismo e percebendo várias interpretações imperfeitas contidas na primeira edição. Esta nova tradução é o resultado de três anos de análise e estudo do estoicismo.

Sêneca tem uma retórica dramática e maravilhosa. Não só prende a atenção, mas eleva o espírito do leitor. As cartas são alívios que curam a alma de ignorâncias e medos infundados. Este livro não tem outro objetivo senão o de ajudá-lo nisto. Escritas no auge de uma das maiores civilizações da história, as cartas a Lucílio são consideradas a obra mais importante de Sêneca, já que foram produzidas na última fase de sua vida e refletem, portanto, a forma mais amadurecida do seu pensamento.

Após a morte do imperador Cláudio e o acesso de Nero ao poder, Sêneca, que era seu preceptor, passou a orientar a política romana como conselheiro do jovem imperador, provavelmente porque pensou ter nas mãos uma oportunidade única de agir, através da política, sobre a vida moral de Roma. O quinquennium neronis,[4] – os cinco primeiros anos do principado de Nero, que foram marcados por grande desenvolvimento econômico e social – teria sido influenciado por Sêneca. Só que as realidades do poder e o idealismo da filosofia uma vez mais se mostraram inconciliáveis, e o resultado foi Sêneca ter de acabar por afastar-se do exercício de um poder que cada vez mais lhe escapava. Daí que ele tenha afirmado no seu breve ensaio Sobre o ócio,[5] em resposta precisamente a uma objeção de Lucílio, que estranhava vê-lo contrariando os princípios da escola estoica ao defender o afastamento do sábio da vida pública: segundo Sêneca o sábio só deve participar na vida política se o puder fazer dentro da maior dignidade e se a sua ação tiver possibilidade de ser benéfica para a comunidade; se, pelo contrário, as condições forem tais que o sábio só possa estar na política com o abandono da moral, então deverá retirar-se. Tais condições impuseram o afastamento de Sêneca e constituíram o cenário em que escreveu estas cartas. Não há, pois, contradição, apenas a necessidade de salvaguardar a independência e a dignidade moral ameaçadas.

Além disso pela própria amplitude dos temas abordados, as cartas expõem uma soma de reflexões sobre enorme variedade de problemas, num quadro teórico perfeitamente delimitado e coerente, e ainda mais, que se revestem de um carácter extremamente prático, isto é, que constituem uma análise de situações concretas e de apreciações de grande agudeza sobre a natureza e o comportamento humanos.

O leitor saberá avivar a sabedoria de Sêneca com uma chama nova que brotará de sua própria consciência. Por si só, um texto não é nada. Faz-se necessária uma alma para concatenar seus méritos às frases do texto. O efeito de um livro depende de cada um de nós. A última etapa definitivamente não é o texto que sai da pena do autor (ou do computador do tradutor), mas o verbo mental que o próprio leitor elabora.

Aí está o motivo pelo qual reeditei este trabalho. Gostaria muito que a obra de Sêneca se difundisse em outros lugares e épocas, bem longe daquela de onde veio ao mundo.


[1] https://estoico.com.br

[2] http://www.facebook.com/Oestoico

[3] Ver Francis Holland, “Sêneca, Vida e Filosofia

[4] Quinquennium neronis, Ver Klain Belchior, Ygor, Faversani, Fábio: “O papel da clemência senequiana na narrativa dos annales de publius cornelius tacitus”. Revista Archai. 2009: “A primeira parte de seu governo, nomeada por muitos historiadores como quinquennium neronis, teria sido positiva, já que os vícios do Princeps e os excessos de sua mãe foram controlados por Sêneca e Burro. A mudança de qualidade do governo ocorre com a morte de Burro e a afastamento de Sêneca do poder, levando ao período considerado como um mau governo, quando Nero teria sua administração voltada aos vícios por sua própria vontade e pela influência negativa de Tigelino”.

[5] Ver Sêneca, “Sobre o ócio

Resenha: Seneca, Vida e Filosofia

Recentemente grupos de estoicismo em lingua inglesa estão debatendo o caráter de Sêneca, como vemos aqui e aqui. Creio que o filósofo, assim como São Paulo ou St. Agostinho de Hipona, descobriu o caminho da virtude e ética em uma etapa posterior de sua vida. Obviamente, como no caso dos santos, isto não mancha seus escritos e sua filosofia, muito pelo contrário, penso que acrescenta valor.

Em sua Carta 8 a Lucílio ele diz:

Há certos conselhos sadios, que podem ser comparados às prescrições de remédios, estes eu estou pondo por escrito pois achei-os úteis para ministrar às minhas próprias feridas, que, se não estão totalmente curadas, ao menos deixaram de se espalhar.” (VIII, 2)
Aponto outros homens para o caminho certo, que eu encontrei tarde na vida, quando cansado de vagar.” (VIII, 3)

No tratado A vida feliz, Sêneca responde a acusações que lhe são feitas, onde ele é notavelmente franco. Ele está falando com seu irmão sobre todos os seus fracassos pessoais, das maneiras pelas quais ele não está à altura do ideal e, acima de tudo, do seu incrível luxo:  ele fala em ter árvores que são plantadas apenas para a sombra, de ter vinhos exclusivos, de ter tantos escravos que ele não sabe quais são seus nomes,  de ter tantos imóveis que nem sequer sabe onde todos ficam. Em outras palavras, ele é realmente uma pessoa de estupenda riqueza. Diz que teria muito mais a listar contra si próprio. Mas no momento quer afirmar apenas um ponto:

não sou um homem sábio, nem jamais serei. Por isso não exija de mim que eu seja igual ao melhor, mas que eu seja melhor do que os maus.” (A Vida Feliz, XVII, 3)

Sêneca sabe de suas falhas, mas afirma que está tentando. Ele está realmente tentando trabalhar seus vícios todos os dias e melhorar um pouco a cada dia que passa.

Um excelente livro para conhecer melhor a vida de Sêneca e sua filosodia foi escrito por Francis Holland. Originalmente destinada a servir de introdução para uma tradução das cartas de Sêneca que acabou não sendo publicada, o texto foi publicado independentemente, fez sucesso e atingiu público muito superior ao imaginado pelo próprio autor e editor.

A obra apresenta um relato atraente de Sêneca em relação à sua época e aos três imperadores com quem ele conviveu proximamente: Calígula, Cláudio e Nero. O relato vívido de Holland, usando muitas vezes citações do texto de Sêneca, descreve acontecimentos de sua vida que nos faz imaginar estarmos vivendo na corte do antigo império.

Acadêmicos da época da publicação criticaram alguns pontos do livro, afirmando não haver exatidão nos detalhes apresentados e erros históricos facilmente verificáveis. Por exemplo, Holland afirma que o pai de Sêneca escreveu cinco livros de Controvérsias (Controversiae), quando realmente foram dez. Outra crítica é que Holland faz declarações explicitas sem evidência: “a declaração explícita na p. 36 que Sêneca escreveu ‘após um intervalo de seis meses de sua chegada [na Córsega] a Consolação à sua mãe’ é, no que diz respeito à data, uma informação sem base evidencial, mas que toca um ponto controverso”.[1] Holland ignora muitas perguntas exasperantes ou as aborda apenas superficialmente. Não há uma boa discussão sobre a causa do banimento de Sêneca para Córsega, o suposto adultério de Sêneca com Júlia. Essa acusação afetaria fortemente seu caráter moral e deveria ser melhor explicada. Tão pouco o livro faz alusão à primeira esposa de Sêneca, apenas nos conta sobre Paulina, que é referida como segunda esposa.

O principal mérito do livro reside em sua simpatia entusiasta e cativante pelo assunto e em seus vivos olhares sobre a corte imperial em Roma. A falta de detalhes, omissões ou pequenas inexatidões são irrelevantes para aqueles que querem entender melhor a filosofia de Sêneca ao conhecer sua vida e época.

Se não conseguimos acordo nem sobre o caráter de políticos atuais, imagine então tentar julgar um estadista de 2000 anos atrás e, pior ainda, usando a moral vigente hoje! Devemos estudar e debater a filosofia de Sêneca pois a temos por escrito e podemos estuda-la objetivamente. Analisar o caráter do filósofo só polui e politiza o debate.

Nunca terei vergonha de citar um mau autor se a fala for boa” – Sêneca, Sobre a tranquilidade da Alma.


Disponível nas lojas: Amazon, Kobo, Apple e GooglePlay.

Também em versão impressa nas lojas Amazon, Mercado Livre, Bok2, Submarino, Americanas e Shoptime


Resenha: Estoicismo, por George Stock

A obra “Estoicismo” de George Stock é uma envolvente explicação do estoicismo clássico. O autor, de forma concisa e compreensível, escreveu o guia desta escola, abordando não só a Ética estoica, mas também sua LógicaFísica, tanto ignoradas nos estudos atuais.

Logo no início, de forma até injuriosa, Stock afirma: “Se você despir o estoicismo de seus paradoxos e seu mau uso intencional da linguagem, o que resta é simplesmente a filosofia moral de Sócrates, Platão e Aristóteles, temperada com a física de Heráclito“. Contudo, no decorrer do texto Stock se mostra um erudito com profundo conhecimento dos autores estoicos e da filosofia clássica como um todo.

Todas suas afirmações são fundamentas por textos clássicos. Nas centenas de notas de rodapé Stock cita com precisão filósofos como Sêneca, Cícero, Aristóteles, Epicteto, Marco Aurélio; historiadores como Plutarco, Diógenes Laércio, Estobeu e poetas como Horácio, Pérsio, Virgílio e Juvenal. Nenhuma afirmação importante é deixada sem a indicação da autoridade clássica que defende a tese. Stock demonstra conhecimento enciclopédico da filosofia greco-romana.

Nas seções abaixo, um breve sumário de cada capítulo com alguns trechos:

Filosofia entre os Gregos e Romanos

Stock explica a relação dos antigos com a filosofia, afirmando que seria algo similar a função hoje ocupada pela religião. Na sequencia fala sobre o criador do estoicismo, Zenão das bases da escola.

  • Entre os gregos e romanos clássicos, a filosofia ocupava o lugar que a religião tem entre nós. O apelo deles era à razão, não à revelação. Onde, pergunta Cícero, devemos buscar a formação em virtude, se não na filosofia?
  • O estoicismo foi criado a partir do cinismo, enquanto o epicurismo foi criado a partir da escola cirenaica.
  • … os estoicos identificaram uma vida de acordo com a natureza com uma vida de acordo com a mais alta perfeição à qual o homem poderia alcançar. … E a perfeição da razão era a virtude.

Divisão da Filosofia

Descreve como a filosofia estoica é divida e os motivos dessa divisão:

  • A filosofia era definida pelos estoicos como “o conhecimento das coisas divinas e humanas“. Foi dividida em três tópicos: lógica, ética e física.
  • A filosofia deve estudar a natureza (incluindo a natureza divina) ou o homem e, se estuda o homem, deve considerá-lo do lado do intelecto ou dos sentimentos, seja como um ser pensante (lógica) ou como um ser atuante (ético).
  • É uma metáfora preferida da escola comparar a filosofia a um vinhedo ou pomar fértil. Ética era o bom fruto, física as plantas altas, e lógica o muro forte. O muro existia apenas para guardar as árvores, e as árvores apenas para produzir os frutos

Lógica

Stock parte então para detalhar cada uma das divisões, começando pela Lógica que afirma ser o ponto forte dos estoicos, em oposição retórica onde deixavam a desejar. Aborda os silogismos e questões dialéticas debatidas pelos estoicos gregos:

  • Lógica no seu conjunto é dividida em retórica e dialética: a retórica foi definida como o conhecimento de como falar bem nos discursos expositivos e dialética como o conhecimento de como argumentar corretamente em assuntos de pergunta e resposta.
  • A famosa comparação da mente infantil com uma folha de papel em branco, que ligamos tão de perto com o nome de Locke, vem realmente dos estoicos. Os caracteres mais antigos nela inscritos eram as impressões de sentido, que os gregos chamavam de “representações”. Uma representação foi definida por Zenão como “uma impressão na alma”.
  • Ao examinarmos os detalhes que nos restam da lógica estoica, a primeira coisa que nos impressiona é a sua extrema complexidade em comparação com a aristotélica.

Ética

Este é o capítulo mais interessante do livro, onde Stock explica as quatro virtudes cardeais da Sabedoria, Temperança, Coragem e Justiça que os estoicos definiram como ramos do conhecimento. O conceito de “Indiferentes” é magnificamente clarificado:

  • Para a teoria estoica, as paixões eram simplesmente o intelecto em estado de doença, devido às perversões da falsidade. É por isso que os estoicos não se deixariam enganar pela paixão, concebendo que, uma vez deixada entrar na cidadela da alma, ela se sobreporia ao governante legítimo.
  • Embora todas as paixões fossem condenadas em si mesmas, havia, no entanto, certas “eupatias“, ou boas emoções (ou paixões saudáveis), que seriam experimentadas pelo homem idealmente bom e sábio.
  • As coisas foram divididas por Zenão em boas, más e indiferentes. Ao que era bom pertencia a virtude; ao que era mau, o vício. Todas as outras coisas eram indiferentes.
  • Por coisas indiferentes, entendidas como não necessariamente contribuintes para a virtude. Seriam por exemplo, saúde, riqueza, força e honra. É possível ter tudo isso e não ser virtuoso, é possível também ser virtuoso sem isso. Mas agora temos de aprender que, embora essas coisas não sejam boas nem más e, portanto, não sejam matéria de escolha ou de abstinência, elas estão longe de ser indiferentes, no sentido de não suscitar nem impulso nem repulsa.

Física

Neste capítulo é abordado a visão estoica da natureza. Qual era a visão estoica sobre as leis do universo no que diz respeito à matéria e à energia, seus constituintes, e suas interações. Para os estoicos o espírito era algo material, um tipo de gás ou éter.

  • O passivo era aquele ser inqualificável que é conhecido como Matéria. O ativo era o Logos, ou a razão nela, que é Deus. Sustentavam que impregnava infinitamente a matéria e criava todas as coisas
  • Um elemento era definido como aquele a partir do qual as coisas surgiram no início e no qual serão finalmente dissolvidas. Os termos terra, ar, fogo e água tinham de ser tomados num sentido amplo: terra significa tudo o que era da natureza da terra, ar, tudo o que era da natureza do ar e assim por diante. Portanto, na estrutura humana, os ossos e os nervos pertenciam à terra.

Conclusão

No último capítulo Stock faz um resumo do estoicismo e, em oposição ao dito no prefácio, se mostra extremamente favorável à escola, destaca o as aspecto cosmopolita e tolerante dos estoicos, afirmando terem sido os primeiros a “reconhecer plenamente o valor do homem como homem“:

  • A ausência de qualquer apelo a recompensas e castigos era uma consequência natural do princípio central da moral estoica: essa virtude é em si a mais desejável de todas as coisas.
  • Apesar da falta de sentimento de que os estoicos se glorificaram, ainda é verdade dizer que a humanidade de seu sistema constitui uma de suas mais justas reivindicações em nossa admiração. Foram os primeiros a reconhecer plenamente o valor do homem como homem;
  • O Estado ideal de Aristóteles, como a República de Platão, ainda é uma cidade grega; Zenão foi o primeiro a sonhar com uma república que deveria abraçar toda a humanidade.
  • A virtude, com os primeiros filósofos gregos, era aristocrática e exclusiva. O estoicismo, assim como o cristianismo, abriu-a para o mais insignificante da humanidade.
  • Onde quer que houvesse um ser humano, lá o estoicismo via um campo para o bem fazer. Seus seguidores deviam ter sempre na boca e no coração a conhecida frase: “Sou homem; nada do que é humano, considero estranho a mim

Este livro, relativamente curto, é um excelente guia da escola do pórtico.


Disponível nas lojas:  Amazon, Kobo, Apple e GooglePlay.

Resenha: A Vida Feliz (De Vita Beata)

Depois da Leitura da Carta de Epicuro sobre a Felicidade, retomamos o estoicismo com uma nova leitura de Vita Beata,  Sobre a Felicidade de Sêneca.

Sêneca faz grande oposição ao epicurismo, corrente filosófica que valoriza o prazer como fonte de felicidade. Talvez este diálogo tenha sido escrito como um contraponto à Carta a Meneceu:Você se dedica aos prazeres, eu os controlo; você se entrega ao prazer, eu o uso; você pensa que é o bem maior, eu nem penso que seja bom: por prazer não faço nada, você faz tudo.”  (X, 3 ).

A principal coisa a entender sobre o texto é o próprio título: ‘Feliz‘ aqui não tem a conotação moderna de se sentir bem, mas é o equivalente da palavra grega eudaimonia, que é melhor compreendida como uma vida digna de ser vivida, um estado de plenitude do ser. Para Sêneca e para os estoicos, a única vida que vale a pena ser vivida é aquela de retidão moral, o tipo de existência à qual olhamos no final e podemos dizer honestamente que não nos envergonhamos.

Logo no primeiro parágrafo Sêneca dá a linha da argumentação estoica: Não devemos ter a felicidade como objetivo: “não é fácil alcançar a felicidade já que quanto mais avidamente um homem se esforça para alcançá-la mais ele se afasta”.(I,1) a conclusão é que A solução é ter como objetivo a virtude, a felicidade será consequência.

No capítulo XV, Sêneca explica por que não se pode simplesmente associar a virtude ao prazer. O problema é que, mais cedo ou mais tarde, o prazer o levará a territórios não virtuosos:

Quem, por outro lado, forma uma aliança, entre a virtude e o prazer, obstrui qualquer força que uma possa possuir pela fraqueza da outra, e envia liberdade sob o jugo, pois a liberdade só pode permanece inconquistável enquanto não sabe nada mais valioso do que ela mesma: pois começa a precisar da ajuda da Fortuna, o que é a mais completa escravidão: sua vida torna-se ansiosa, cheia de suspeitas, tímida, temerosa de acidentes, esperando em agonia por momentos críticos. Você não oferece à virtude uma base sólida e imóvel se você a colocar sobre o que é instável: e o que pode ser tão instável quanto a dependência do mero acaso e as vicissitudes do corpo e daquelas coisas que agem sobre o corpo?”. (XV, 3 )

O livro fornece uma lista de regras pelas quais Sêneca está tentando viver. Vale a pena considerá-las na íntegra:

• Eu vou encarar a morte ou a vida a mesma expressão de semblante;
• Eu desprezarei as riquezas quando as tiver tanto quanto quando não as tiver;
• Verei todas as terras como se pertencessem a mim, e as minhas terras como se pertencessem a toda a humanidade;
• Seja o que for que eu possua, eu não vou acumulá-lo avidamente nem o desperdiçar de forma imprudente;
• Não farei nada por causa da opinião pública, mas tudo por causa da consciência;
• Ao comer e beber, meu objetivo é extinguir os desejos da natureza, não encher e esvaziar minha barriga;
• Eu serei agradável com meus amigos, gentil e suave com meus inimigos;
• Sempre que a Natureza exigir minha vida, ou a razão me pedir que a rejeite, vou desistir desta vida, chamando a todos para testemunhar que amei uma boa consciência e boas atividades;

(imagem  Herbert James DraperUlises e as Sereias)


Livro disponível na lojas:

GooglePlay,  Amazon,  Kobo e  Apple

 

Resenha: Meditações, Livros I e II

Nos próximos dias farei uma série de posts comentando as Meditações de Marco Aurélio.

É provavelmente o clássico estoico mais lido de todos. Como é sabido, foi escrito como um diário pessoal do imperador romano e, portanto, não foi escrito para publicação. Isso explica a estranha estrutura, bem como o estilo.

Hoje começamos com os dois primeiros livros.

Livro I

O primeiro livro das Meditações é essencialmente uma lista de pessoas a quem Marcos agradece, cada uma acompanhada de uma explicação sobre o motivo de sua gratidão. É, naturalmente, uma lista esclarecedora. Termina por agradecer aos deuses (ou Fortuna) por lhe terem dado muitas coisas boas em sua vida, incluindo bons pais, bons professores e bons amigos.

A impressão geral que se tem do Livro I é de um homem humilde, apesar de sua posição muito poderosa, alguém que está pronto para aprender e tenta seriamente fazer o seu melhor na vida para melhorar a si mesmo e ajudar os outros.

Livro II

O segundo livro começa com uma de suas passagens mais citadas:

“Comece a manhã dizendo a si mesmo, eu me encontrarei com o intrometido, o ingrato, arrogante, enganador, invejoso, anti-social. Tudo isso acontece com eles por causa de sua ignorância do que é bom e mau.” (II,1)

Outra preciosidade vem no parágrafo 8, onde ele diz: “O fracasso em observar o que está na mente de outro raramente fez um homem infeliz; mas aqueles que não observam os movimentos de suas próprias mentes devem ser necessariamente infelizes.”

Mais ao final, parágrafo 11, Marco Aurélio reafirma a doutrina estoica sobre as coisas indiferentes:

“a morte, e a vida, a honra e a desonra, a dor e o prazer, todas essas coisas acontecem igualmente aos homens bons e maus, sendo coisas que não nos tornam nem melhores nem piores. Portanto, não são nem boas nem ruins.” (II,11)

Conclui com sua definição de filosofia, que ele diz ser o único guia para os homens:

“consiste em manter o daemon dentro de um homem livre de violência e ileso, superior às dores e prazeres, não fazendo nada sem um propósito, nem ainda falsamente e com hipocrisia, não sentindo a necessidade de outro homem fazer ou não fazer nada; e além disso, aceitando tudo o que acontece, e, finalmente, esperando a morte com uma mente alegre”

 


Livro disponível na lojas:

GooglePlay,  Amazon,  Kobo e  Apple

A Tríade do Guerreiro Estoico

A Tríade do Guerreiro Estoico

Recentemente recebi recomendação do texto do almirante James Stockdale A Tríade do Guerreiro Estoico” em tradução de  Aldo Dinucci e Alexandre Cabeceiras. (disponível em https://goo.gl/5pMCtK, texto de Stockdale começa na página 9)

Stockdale foi o mais alto oficial americano aprisionado na guerra do Vietnã. Foi mantido como prisioneiro de guerra em Hoa Lo (o infame “Hanoi Hilton”) por sete anos e meio. Como oficial sênior da Marinha, ele foi um dos principais organizadores da resistência dos prisioneiros. Torturado rotineiramente e sem atenção médica para a perna severamente machucada, Stockdale criou e aplicou um código de conduta para todos os prisioneiros.  Quando foi informado por seus captores que ele seria exibido em público, Stockdale cortou a própria testa com uma navalha para se desfigurar propositalmente, para que seus captores não o pudessem usar como propaganda.

Nesse texto ele narra como usou o estoicismo, as teses de Solzhenitsyn e principalmente os ensinamentos de Epicteto para sobreviver e manter a lucidez todos os anos de prisão:

“Gostaria de dizer de imediato que li e estudei as Diatribes pelo menos 10 vezes, sem mencionar minhas incursões pelo Encheirídion, e jamais achei uma simples inconsistência no código de princípios de Epicteto. É um pacote fechado, livre de contradições. O velho cara pode não instigá-los, mas se ele não o faz, não o censurem por incoerência; Epicteto não tem problemas com a lógica.”

Manteve uma atitude estoica frente a seus torturadores, como podemos ver no trecho que narra sua relação com o principal deles:

Mas nenhum de nós jamais quebrou o código de uma invariavelmente estrita relação na “linha do dever”. Ele nunca me enganou, sempre jogou corretamente, e jamais pedi misericórdia. Eu admirei aquilo nele, e poderia dizer que ele admirou isso em mim. E quando as pessoas dizem: “Ele era um torturador, você não o odeia?” Eu digo, como Solzehnitsyn, para o espanto daqueles que estão à minha volta: “Não, ele era um bom soldado, nunca ultrapassou sua linha do dever”.

Ensina que aprender a comandar suas emoções é fortalecedor e libertador:

Quando se chega nesse ponto, o capítulo 30 do Encheirídion se aplica: “Se não quiseres, outro não te causará dano”. E por “dano” Epicteto quer dizer, como os estoicos sempre o fizeram, danificar seu eu interior, seu auto-respeito, e sua obrigação de ser leal. Podem quebrar seu braço ou sua perna, mas não se preocupem. Eles sararão.

Conclui com o que chama de  Tríade do Guerreiro Estoico:

“Tranquilidade, Destemor e Liberdade”.

Estátua de  James Stockdale, US Naval Academy, Annapolis, Maryland

Consolação a Minha Mãe Hélvia

No ano 41, Sêneca foi condenado ao exílio pelo imperador Cláudio por um alegado caso com a irmã do imperador Calígula. A acusação provavelmente foi inventada por uma vingança pessoal. Pouco antes ele havia sido condenado à morte e posteriormente perdoado pelo anterior imperador, o louco Calígula. Do exílio ele escreveu uma de suas obras mais extraordinárias – a carta Consolação a Minha Mãe Hélvia.

Hélvia era uma mulher cuja vida tinha sido marcada por uma perda inimaginável – sua própria mãe havia morrido enquanto ela a nascera, e ela enterrou seu marido, seu tio amado e três de seus netos. Vinte dias depois que um de seus netos – o próprio filho de Sêneca – morrera em seus braços, Hélvia recebeu notícias de que Sêneca fora levado para a Córsega, condenado à vida no exílio.

Em vez de meras palavras, Sêneca produz uma obra-prima retórica, trazendo a essência da filosofia do Estoicismo, com partes iguais de lógica e estilo literário. “Todas as suas dores foram desperdiçadas se você ainda não aprendeu a sofrer“.

Sêneca faz uma sólida defesa do mecanismo de auto-proteção mais poderoso da vida – a disciplina de não tomar nada por certo:

Nunca me entreguei à fortuna, mesmo quando parecia que estava em paz comigo; todos os favores, dos quais muito generosamente me cercava (riquezas, cargos, prestígio), coloquei-os em tal lugar de onde a mesma fortuna pudesse retomá-los, sem me aborrecer. Deixei sempre grande distância entre mim e eles: tirou-me os favores, portanto, não os arrancou. A fortuna contrária não diminui senão os homens que se deixaram enganar pela prosperidade.

Os homens que se agarram a seus presentes como a coisas das quais tem perpétua propriedade, e que por eles querem ser invejados pelos outros, jazem prostrados e aflitos, quando os deleites falsos e fugazes abandonam sua alma vil e pueril, que ignora qualquer prazer real; mas quem na prosperidade não se orgulhou, não se abala se as coisas mudam.

Leia mais em: