“Que nada lhe seja permitido enquanto estiver irado. Por que razão? Porque irá querer que tudo lhe seja permitido.”
Sêneca, em Sobre a Ira, livro III, 12
Filosofia atual e prática
“Que nada lhe seja permitido enquanto estiver irado. Por que razão? Porque irá querer que tudo lhe seja permitido.”
Sêneca, em Sobre a Ira, livro III, 12
Sobre os Benefícios (De Beneficiis), uma das obras do período final da vida de Sêneca, diz respeito à concessão e recepção de presentes e favores dentro da sociedade, e examina a natureza complexa e o papel da gratidão no contexto da ética estoica. A obra é dividida em sete livros subdivididos em várias seções, contendo exortações que o filósofo faz ao seu amigo Aebutius Liberalis. (também citado na carta a Lucílio, XCI)
Trata-se de um ensaio sobre a gratidão. Sêneca explica porque considera a troca de benefícios como o principal vínculo da sociedade humana e receita preceitos e responde perguntas como: O que devemos em troca de um benefício recebido – Que tipos de benefícios devem ser concedidos, e de que maneira – A ingratidão deveria ser punida por lei? – Um escravo pode conceder um benefício? – Como escolher o homem a ser beneficiado – Como se deve tolerar os ingratos.
Sêneca usa das situações cotidianas e hábitos comuns dos romanos para facilitar a compreensão do estoicismo o que torna a leitura duplamente interessante: não só pela filosofia mas também porque permite que conheçamos a cultura e sociedade do império Romano.
A ética de Sêneca é sempre pura, e dele obtemos a visão das doutrinas dos filósofos gregos, Zenão, Epicuro, Crisipo e Cleantes, cujas obras se perderam, mas as quais temos acesso, em segunda mão, por este livro:
Cleantes fala: “aquele que carrega armas mortais e tem intenções de roubar e matar, é um bandido antes mesmo de ter mergulhado as mãos no sangue; Sua maldade consiste e é mostrada em ação, mas não começa assim. Homens são punidos por sacrilégio, embora ninguém possa causar dano aos deuses.” (V, 14)
Embora De Beneficiis seja tipicamente traduzido como Sobre os Benefícios, a palavra Beneficiis é derivada da palavra latina beneficium, que significa um favor, benefício, serviço ou bondade. Outras traduções do título para a língua inglesa incluem: Sobre presentes e serviços; Sobre a concessão e recepção de favores; Sobre favores; e Sobre obras de caridade.
A primeira frase da obra diz:
Entre as numerosas falhas daqueles que passam suas vidas imprudentemente e sem a devida reflexão, meu bom amigo Liberalis, devo dizer que dificilmente alguém é tão prejudicial à sociedade, quanto aquele que não sabe como dar ou como receber um benefício. (I,1)
Trechos:
Há uma grande diferença entre o assunto de um benefício e o benefício em si. Portanto, nem o ouro nem a prata, nem qualquer das coisas mais altamente estimadas, são benefícios, mas o benefício está na boa vontade daquele que os dá. (I,5)
Não é, portanto, a coisa que é feita ou dada, mas o espírito em que é feito ou dado, que deve ser considerado, porque existe um benefício, não naquilo que é feito ou dado, mas na mente da pessoa fazedora ou doadora. (I,6)
No entanto, os homens concedem benefícios a seus reis e generais; portanto, os escravos podem conceder benefícios aos seus mestres. Um escravo pode ser justo, corajoso e magnânimo; ele pode, portanto, conceder um benefício, pois esta é também o papel de um homem virtuoso. (III, 18)
Então, se você fala de natureza, destino ou fortuna, estes são todos os nomes do mesmo Deus, usando seu poder de maneiras diferentes. Assim também a justiça, a honestidade, a discrição, a coragem, a frugalidade, são todas as boas qualidades de uma e da mesma mente; (IV,8)
Se você se examinar cuidadosamente, talvez encontre o vício de que se queixa no seu próprio peito; você está errado ao se irritar com uma falha generalizada, e tolo ao mesmo tempo, pois ela também é sua; você deve perdoar os outros, para que você mesmo possa ser absolvido. (VII, 28)
Sêneca, assim como Cícero, segue uma linhagem terapêutica, pois enxerga a filosofia como um remédio para a alma.
Imagem: Afresco de Pompeia, Museo Archeologico Nazionale di Napoli
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Na carta 66, primeira do Volume II, Sêneca discorre longamente sobre a virtude e suas características. Defende que a virtude é única e representa o ápice. Todas as chamadas virtudes são na realidade o mesmo conceito em sua capacidade máxima:
“A virtude é ilimitada; pois limites dependem de medições definidas. A constância não pode avançar mais do que a fidelidade, a veracidade ou a lealdade. O que pode ser acrescentado ao que é perfeito? Nem se pode acrescentar nada à virtude, pois, se alguma coisa puder ser acrescentada a ela, seria necessária alguma imperfeição.” (LXVI, 9)
Para Sêneca a virtude é sempre um ato voluntário, originado da razão:
“nenhum ato é honrado quando é feito por um agente involuntário, quando é obrigatório. Todo ato honrado é voluntário. Misture-o com relutância, queixas, covardia ou medo, e perde sua melhor característica – auto aprovação. O que não é livre não pode ser honrado; pois medo significa escravidão.” (LXVI, 16)
Novamente retorna ao conceito estoico de coisas indiferentes, e coloca o bem estar, saúde e riqueza na categoria dos indiferentes preferidos:
“todas aquelas coisas sobre as quais a fortuna tem influência, bens materiais, dinheiro, posses, posição; elas são fracas, inconstantes, propensas a perecer, e de posse incerta. Por outro lado, as obras da virtude são livres e insubmissas, nem mais dignas de ser procuradas quando a fortuna as trata com bondade, nem menos digna quando alguma adversidade pesa sobre elas”. (LXVI, 23)
Conclui a carta relembrando a história de Caio Múcio Cévola herói da fundação da República Romana e tema usado para ilustrar essa carta. (pintura de Matthias Stomer – Mucius Scaevola na presença de Lars Porsenna )
Saudações de Sêneca a Lucílio.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Trecho de Eneida de Virgílio. “gratior et pulchro veniens e corpore virtus. “
[2] Sêneca não está falando aqui das três virtudes genéricas (físicas, éticas, lógicas), nem dos três tipos de bens (baseados na vantagem corporal) que foram classificados pela escola peripatética; Ele só está falando de três tipos de circunstâncias sob as quais o bem pode se manifestar. E no § 36 e seguintes ele mostra que considera apenas as duas primeiras classes como bens reais.
[3] O exército de Cipião montou dois acampamentos e construiu uma muralha de circunvalação à volta da cidade espanhola com sete torres a partir das quais seus arqueiros podiam atirar por cima da muralha numantina. Ele também represou o pântano vizinho e criou um lago entre a muralha da cidade e sua própria muralha. Para proteger seus acampamentos, Cipião construiu também muralhas exteriores (cinco no total). Para completar o cerco, Cipião isolou a cidade do rio Douro: nos pontos onde o rio entrava e saía da cidade, pares de torres foram construídas e, entre os pares, cabos com lâminas foram estendidos através do rio para evitar a passagem de barcos e nadadores.
[4]Touro de Fálaris, foi uma das mais cruéis máquinas de tortura e execução, cujo invento é atribuído a Fálaris, tirano de Agrigento. O aparelho era uma esfinge de bronze oca na forma de um touro mugindo, com duas aberturas, no dorso e na parte frontal localizada na boca. Após colocada a vítima, a entrada da esfinge era fechada e posta sobre uma fogueira. À medida que a temperatura aumentava no interior do Touro, o ar ficava escasso, e o executado procuraria meios para respirar, recorrendo ao orifício na extremidade do canal. Os gritos exaustivos do executado saíam pela boca do Touro, fazendo parecer que a esfinge estava viva.
[5] Aqui, Sêneca está lembrando Lucílio, como muitas vezes faz nas letras anteriores, que a evidência dos sentidos é apenas um degrau para ideias superiores – um princípio do epicurismo.
[6] Caio Múcio Cévola (em latim: Gaius Mucius Scaevola). Logo depois da fundação da República Romana, Roma se viu rapidamente sob a ameaça etrusca representada por Lar Porsena. Depois de rechaçar um primeiro ataque, os romanos se refugiaram atrás das muralhas da cidade e Porsena iniciou um cerco. Conforme o cerco se prolongou, a fome começou a assolar a população romana e Múcio, um jovem patrício, decidiu se oferecer para invadir sorrateiramente o acampamento inimigo para assassinar Porsena. Disfarçado, Múcio invadiu o acampamento inimigo e se aproximou de uma multidão que se apinhava na frente do tribunal de Porsena. Porém, como ele nunca tinha visto o rei, ele se equivoca e assassina uma pessoa diferente. Imediatamente preso, foi levado perante o rei, que o interrogou. Longe de se intimidar, Múcio respondeu às perguntas e se identificou como um cidadão romano disposto a assassiná-lo. Para demonstrar seu propósito e castigar seu próprio erro, Múcio colocou sua mão direita no fogo de um braseiro aceso e disse: “Veja, veja que coisa irrelevante é o corpo para os que não aspiram mais do que a glória!”. Surpreso e impressionado pela cena, o rei ordenou que Múcio fosse libertado. Como reconhecimento, Múcio confessa que trezentos jovens romanos haviam jurado, assim como ele, estar prontos a sacrificar-se para matá-lo. Aterrorizado por esta revelação, Porsena teria baixado suas armas e enviado embaixadores a Roma.
Para o estoicismo o lugar de Deus no universo corresponde a relação da alma com o homem. O mundo material corresponde ao nosso corpo mortal.
Na carta 65 Sêneca pede que Lucílio atue como árbitro de um debate filosófico-religioso a respeito de Deus, referido no texto como “primeira causa” (prima causa) e logo avisa que a tarefa será difícil e solicita que “declare quem lhe parece dizer o que é mais verdadeiro, e não quem diz o que é absolutamente verdadeiro. Pois fazer isso está tão além da nossa compreensão quanto a própria verdade.“ (LXV, 10)
Para Sêneca não somos só matéria, mas principalmente espírito e que a filosofia é o caminho para a liberdade:
Pois este nosso corpo é um peso sobre a alma e seu castigo; sob o peso desta carga a alma é esmagada e está em cativeiro, a menos que a filosofia venha em sua assistência e ofereça-lhe tomar coragem nova, contemplando o universo, e transformando coisas terrenas em coisas divinas.(LXV, 16)
Diz que debater de onde viemos e para onde vamos, pensar sobre religião, é papel fundamental da filosofia. Excluir esse debate é condenar o homem a olhar para o chão, a se manter cabisbaixo:
Não posso perguntar quem é o Mestre Construtor deste universo, quem reuniu os átomos dispersos, quem separou os elementos desordenados e atribuiu uma forma exterior aos elementos que estavam num vasto amálgama disforme? De onde veio toda a expansão de luz?
Não devo fazer essas perguntas? Devo ignorar as alturas de onde eu desci? Se vou ver este mundo só uma vez, ou nascer muitas vezes? Qual é o meu destino depois? Que morada aguarda minha alma em sua libertação das leis da escravidão entre os homens? Você me proíbe de ter um quinhão do céu? Em outras palavras, você me manda viver cabisbaixo?(LXV, 19-20)
Conclui a carta afirmando que nosso corpo é secundário e que a alma é o principal, segue então que Deus seria a alma do universo e que a morte é apenas uma mudança de estágio:
Pois meu corpo é a única parte de mim que pode sofrer lesões. Nesta morada, que está exposta <ao risco, minha alma vive livre.
Nunca esta carne me levará a sentir medo ou a assumir qualquer falsa aparência que seja indigna de um homem bom. Nunca vou mentir para honrar este pequeno corpo. Quando me parece apropriado, romperei minha ligação com ele. E, no momento, enquanto estivermos unidos, nossa aliança não será, no entanto, uma de igualdade; A alma trará todas as querelas diante de seu próprio tribunal. Desprezar nossos corpos é liberdade certa. O lugar de Deus no universo corresponde à relação da alma com o homem. O mundo material corresponde ao nosso corpo mortal; portanto, o inferior serve o mais elevado. Sejamos corajosos diante dos perigos. Não temamos injustiças, nem feridas, nem amarras, nem pobreza. E o que é a morte? É o fim, ou um processo de mudança! Não tenho medo de deixar de existir; é o mesmo que não ter começado. Nem me acovardo de mudar para outro estado, porque eu, sob nenhuma circunstância, estarei tão constrangido como estou agora.
(LXV, 21-24)
Imagem, detalhe de A criação de Adão por Michelangelo.
Saudações de Sêneca a Lucílio.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Derivação da palavra grega, – ιδεῖν, ” contemplar”. Para uma discussão das idéias de Platão, aquelas “essências independentes, separadas, auto-existentes, perfeitas e eternas” veja Republica vi. e vii.
[2] De acordo com os estoicos, a alma, que consistia em fogo ou sopro e era parte da essência divina, subia após a morte ao éter e tornava-se uma com as estrelas. Sêneca em outro texto (Consolatio ad Marciam) afirma que a alma passa por uma espécie de processo de purificação – uma visão que pode ter influenciado o pensamento cristão. As almas do bem, os estoicos mantinham, estavam destinadas a durar até o fim do mundo, as almas más a serem extinguidas antes desse tempo.
Na carta 64 Sêneca fala sobre o papel do filosofo, que segundo ele é nos dar força e inspiração.
Diz que devemos estudar as obras clássicas e desenvolve-las, assim como um chefe de família faz com a herança que recebeu:
“devemos desempenhar o papel de um cuidadoso chefe de família; devemos aumentar o que herdamos. Esta herança passará de mim para os meus descendentes maior do que antes. ” (LXIV, 7)
(imagem, Diogenes procurando um homem honesto por Johann Heinrich Wilhelm Tischbein)
Saudações de Sêneca a Lucílio.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Trecho de Eneida de Virgílio.
Spumantemque dari pecora inter inertia votis
Optat aprum aut fulvum descendere monte leonem.
Na carta 63 Sêneca aborda o luto pela morte de pessoas amadas e recomenda “que a lembrança daqueles que perdemos se torne uma agradável lembrança para nós“. (LXIII,4)
Para Sêneca é importante aproveitar a companhia dos amigos e amados enquanto é possível e sempre ter em mente que somos mortais:
A fortuna tirou, mas a fortuna deu. Vamos gozar com gozo os nossos amigos, porque não sabemos quanto tempo esse privilégio será nosso.(LXIII,7-8)
Um estoico não precisa manter os olhos secos quando perde um amigo, nem os deixá-los transbordar. Podemos chorar, mas não devemos lamuriar.
(imagem, escultura La Desesperación)
Saudações de Sêneca a Lucílio.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Relatado por Homero. Níobe é uma personagem da Mitologia Grega, que por ser muito fértil, teve catorze filhos (sete homens e sete mulheres). O povo de sua cidade se reuniu para render tributo a deusa Leto. Eis que Níobe aparece insultando a deusa, que só teve dois filhos, Apolo e Ártemis. Leto indignou-se com a audácia da mortal, e implorou vingança a seus filhos, que eram arqueiros. Apolo e Ártemis, então, mataram todos os sete filhos de Níobe.
[2] Professor de Sêneca. Átalo foi um filósofo estoico atuante no reinado de Tibério. Ele foi defraudado de sua propriedade por Sejano, e exilado onde foi reduzido a cultivador do solo. Sêneca, o velho, o descreve como um homem de grande eloquência e, de longe, o filósofo mais acérrimo de sua época. Ele ensinou a filosofia estoica a Sêneca, o Jovem, que o cita com frequência e fala dele nos mais altos termos. Veja também carta 108.
[3] Um amigo íntimo de Sêneca, provavelmente um parente, que morreu no ano 63 por comer cogumelos envenenados. Sêneca dedicou a Sereno três de seus ensaios filosóficos: Sobre a Constância do Sábio, Sobre o ócio e Sobre a tranquilidade da alma.
Texto de Jean Tosetto
Viver é uma arte que requer equilíbrio. O mesmo equilíbrio que as empresas precisam demonstrar em seus balanços patrimoniais. Por isso, ler sobre Filosofia pode ser muito útil para quem atua no mercado financeiro. Afinal de contas, investir não é muito diferente de viver. |
Se você pudesse escolher outra época para viver, abriria mão do presente? Eu não. Apesar de ter nascido no analógico século 20, convivo muito bem com o mundo digital do século 21. A Internet abriu a possibilidade de pessoas anônimas se expressarem em público. Antigamente – e não faz tanto tempo assim – apenas quem estava no círculo fechado da imprensa, da política e da universidade, tinha voz, embora tudo fosse editado por muito poucos indivíduos.
Não voltaria para um tempo onde não pudesse ouvir discos dos Beatles e dirigir meu carro, por exemplo. Porém, confesso que não seria de todo ruim viver durante o auge do Império Romano, se pudesse caminhar pelas colinas de Roma e cruzar com gente como Cícero, Ovídio e Sêneca.
Quando pensamos em pessoas do passado remoto, temos a tendência de achar que elas eram ignorantes, dado que não conheciam os avanços científicos, médicos e tecnológicos que qualquer cidadão moderno das grandes cidades tem ao seu alcance. Isto não significa que, antigamente, todos eram burros. Pelo contrário. Os pensadores do período clássico estão entre os mais inteligentes de toda a humanidade.
Eles tinham uma grande vantagem sobre nós: não se distraíam com televisão, YouTube, redes sociais e maratonas de séries da Netflix. Eles tinham tempo para pensar sobre a vida. Por isso, alguns de seus livros sobreviveram por milênios e ainda revelam ensinamentos para nós – e inclusive os investidores de longo prazo no mercado de capitais.
O pretor que também era filósofo
Lúcio Anneo Sêneca nasceu em Córdoba, na Espanha, por volta de quatro anos antes de Cristo. Ainda jovem, foi estudar Filosofia em Roma, tornando-se também advogado. Culto, tinha uma relação de amor e ódio com os poderosos da época. Era conselheiro do imperador Calígula, mas o imperador Cláudio o mandou para o exílio, de onde retornou para ser pretor (educador) de Nero, que também seria imperador mais adiante.
Entre tantas funções, Sêneca era questor. Em Roma, os questores eram responsáveis por administrar bens públicos e cobrar impostos, entre outras coisas, pois eram reconhecidamente bons financistas. Sêneca, portanto, era um filósofo que entendia de questões de mercado. Só por esta breve apresentação, todo investidor moderno deveria ler sua obra, da qual se destaca “Sobre a brevidade da vida”.
O título deste livro, cuja edição brasileira de bolso é mais barata que um cappuccino, é inquietante para quem se considera investidor de longo prazo. Como pode existir o longo prazo se a vida é curta? Sim, a vida é breve e precisa ser vivida com sabedoria, mesmo quando se tem a mentalidade de longo prazo em questões financeiras.
Indagações do questor
Separei algumas passagens da lavra de Sêneca para, quem sabe, despertar em você a vontade de ler seus escritos:
“Não temos exatamente uma vida curta, mas desperdiçamos uma grande parte dela. A vida, se bem empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para a realização de importantes tarefas. Ao contrário, se desperdiçada no luxo e na indiferença, se nenhuma obra é concretizada, por fim, se não se respeita nenhum valor, não realizamos aquilo que deveríamos realizar, sentimos que ela realmente se esvai.”
Segue um alerta para aqueles que programam demais a sua aposentadoria, reprimindo em sua juventude um pouco de equilíbrio entre afazeres e prazeres:
“Ouvirás a maioria dizendo: ‘Aos cinquenta anos me dedicarei ao ócio. Aos sessenta ficarei livre de todos os meus encargos’. Que certeza tens de que há uma vida tão longa? O que garante que as coisas se darão como se dispões? Não ter envergonhas de destinar para ti somente resquícios da vida e reservar para a meditação apenas a idade que já não é produtiva?”
Comprar e abraçar? Já fizeram isso antes
Já em “Aprendendo a viver” – uma compilação de cartas de Sêneca para seu amigo Lucílio, o filósofo romano antecipa, em vários séculos, o conceito do Buy and Hold:
“Senecião alcançou a riqueza graças a duas qualidades indispensáveis neste domínio: a arte de adquirir e a arte de conservar. Tanto uma coisa como outra era suficiente para torná-lo rico”.
Sêneca descreve Senecião como um homem “de uma extrema sobriedade e que administrava da mesma maneira a sua pessoa e fortuna”. Eis uma bela definição para os requisitos de um investidor de valor, que não pensa apenas no crescimento de seu patrimônio, mas considera igualmente o seu crescimento pessoal.
Em seus conselhos para Lucílio, Sêneca deixa para a posteridade palavras que se adéquam aos preceitos da educação financeira: “Em tudo, leva em conta a finalidade das coisas, deixando de lado, portanto, o supérfluo”. E continua:
“O que preferes: ter muito ou ter apenas o suficiente? Aquele que tem muito deseja ter mais, o que prova ser insuficiente o que já possui. Aquele que possui o suficiente obteve o que o rico jamais poderá atingir, ou seja, o fim dos seus desejos.”
A palavra é: parcimônia
Neste ponto, fica clara a influência do filósofo Epicuro no pensamento de Sêneca, que em “Da tranquilidade da alma” revela: “Confesso que tenho um grande amor pela parcimônia”. E o que significa parcimônia? De acordo com o dicionário do oráculo Google: “ação ou hábito de fazer economia, de poupar; economia”.
O parcimonioso Sêneca, assim como seu mestre Epicuro, não fazia questão de luxo e pompa. Para eles se alimentarem, ambos preferiam comidas simples e saborosas, ao invés refeições exóticas e de difícil preparo. Podemos traduzir isso para o nosso tempo como ter um padrão de vida equilibrado e controlado. Uma lição útil para quem busca a independência financeira.
Não por acaso, Sêneca era livre de problemas mundanos, como a falta de dinheiro. O dinheiro e as finanças, a propósito, sequer estavam no foco de suas preocupações. O que interessava para ele era debater o medo da morte e defender a eternidade da alma. Assuntos que, aparentemente, não nos dizem mais respeito, quando já somos perpétuos nos arquivos das redes sociais.
A ética acima de tudo
Então, o que a leitura de suas epístolas pode acrescentar para aqueles que exercem o mais mundano dos ofícios, o de negociar em Bolsa de Valores? (A propósito, muitos investidores e especuladores se sentiriam provocados com tais cartas.) A resposta está em valores éticos e morais que podemos assimilar, dado que são perenes e refletem nossas atitudes em qualquer ramo de atividade.
Como ocorre muitas vezes na História, conciliar o livre pensar com a função de conselheiro de poderosos é a receita para um fim amargo, especialmente quando o livre pensar incomoda os medíocres – o que só se agrava quando os medíocres chegam ao poder. O imperador Nero – aquele que botou fogo em Roma – acusou Sêneca de conspiração, lhe ordenando, sem julgamento, que cometesse suicídio.
Vejam como é bom viver em tempos de Internet, repletos de haters – eles incomodam, mas são inofensivos perto dos tiranos.
De algum modo, Sêneca provou-se imortal. Ele mesmo fazia a recomendação para que a gente se servisse da imortalidade daqueles que vieram antes de nós, lendo seus livros. A Filosofia dos antigos é fonte de sabedoria, que por sua vez, é fonte de prosperidade em vários sentidos.
Sêneca arremata: “O sábio não é considerado indigno ao ser agraciado pelo dom da fortuna. Não ama a riqueza, mas a aceita de bom grado. Permite que entre em sua casa, não a rejeita, desde que ela enseje oportunidades para a virtude”.
Excelente vídeo da TheSchoolOfLife sobre Estoicismo e Sêneca
Na carta 62 Sêneca aborda dois princípios estoicos fundamentais: o valor da amizade e a frugalidade.
Diz que o “atalho mais curto às riquezas é desprezar as riquezas” (LXII,3) e que devemos nos fazer amigos “dos melhores homens” não importando em que “terras eles possam ter vivido, ou em que idade” (LXII,2)
(Imagem Diogenes por Jean-Léon Gérôme)
Saudações de Sêneca a Lucílio.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Demétrio de Corinto foi um filósofo cínico de Corinto que viveu em Roma durante os reinos de Calígula, Nero e Vespasiano
[2] Isto é, ele alcançou o ideal estoico de independência de todo controle externo; ele é um rei e tem tudo para conceder aos outros, mas não precisa de nada para si mesmo.
Mais uma vez o assunto é a aceitação da morte e viver uma boa vida. Logo no início Sêneca diz “Antes de envelhecer, tentei viver bem; agora que estou velho, vou tentar morrer bem; mas morrer bem significa morrer alegremente. Cuide para que você nunca faça nada de má vontade.” (LXI, 2)
A dica dada é fazer aquilo que gosta e evitar fazer coisas contra sua vontade:
“Aquele que acata ordens com prazer, escapa à parte mais amarga da escravidão – fazer aquilo que não quer fazer.” (LXI, 3)
Esta é uma situação muito comum atualmente. As pessoas, convencidas que precisam de muito dinheiro, bens materiais e experiências caras se prendem em empregos, serviço público e trabalham longas horas fazendo aquilo que não quer fazer.
(imagem A morte de Sêneca por Jacques-Louis David de 1773)
Saudações de Sêneca a Lucílio.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.