Carta 2: Sobre a falta de foco no Estudo

 
 
Sêneca fala sobre a falta de foco, tanto no estudo e leitura como em viagens de forma indiscriminada.  Começa a série de citações de Epicuro, já que tenta trazer Lucílio do epicurismo para o estoicismo: “Não é o homem que tem pouco, mas o homem que anseia por mais, quem é pobre. … Você pergunta qual é o limite adequado para a riqueza? É, primeiro, ter o que é necessário e, segundo, ter o que é suficiente.
 
(imagem Godfrey Kneller, A Scholar in His Study, about 1668)
 
—-
 

II. Sobre a falta de foco na leitura

Saudações de Sêneca a Lucílio.

1. Julgando pelo que você me escreve e pelo que eu ouço, eu estou formando uma boa opinião a respeito de seu futuro. Você não corre para cá e para lá e se distrai mudando sua morada; pois tal inquietação é o sinal de um espírito desordenado. A principal indicação, na minha opinião, de uma mente bem ordenada é a habilidade de um homem em permanecer em seu lugar e ficar bem em sua própria companhia.

2. Tenha cuidado, no entanto, porque esta leitura de muitos autores e livros de qualquer espécie tendem a torná-lo dispersivo e instável. Você deve permanecer entre um número limitado de mestres pensadores e digerir suas obras, para que construa ideias firmes em sua mente. Estar em todo lugar significa também estar em lugar nenhum. Quando uma pessoa gasta todo o seu tempo em viagens ao estrangeiro, ela termina por ter muitos conhecidos, mas nenhum amigo. E a mesma coisa deve ser válida para os homens que não procuram o conhecimento íntimo de um único autor, mas visitam todos de uma maneira precipitada e apressada.

3. O alimento não faz bem e não é assimilado pelo corpo se ele deixa o estômago assim que é comido; nada impede uma cura tanto quanto a mudança frequente de medicamento; nenhuma ferida cicatrizará quando for tentado um bálsamo após outro; uma planta que é movida frequentemente nunca pode crescer forte. Não há nada tão eficaz que possa ser útil enquanto está sendo deslocado. E na leitura de muitos livros há distração. Por conseguinte, uma vez que não é possível ler todos os livros que você pode possuir, é suficiente possuir apenas tantos livros quanto você pode ler.

4. “Mas”, você responde, “eu desejo mergulhar primeiramente em um livro e então em outro”. Eu lhe digo que é o sinal de gula brincar com muitos pratos; pois quando são múltiplos e variados, eles enfastiam, mas não alimentam. Então você deve sempre ler autores de qualidade; e quando você anseia por uma mudança, retroceda àqueles que você leu antes. Cada dia adquira algo que o fortaleça contra a pobreza, contra a morte e contra outros infortúnios; e depois de ter examinado muitos pensamentos, selecione um para ser completamente digerido naquele dia.

5. Esta é minha própria prática; das muitas coisas que eu li, eu reivindico uma parte para mim. A reflexão para hoje é uma que eu descobri em Epicuro. Isso porque eu sou acostumado a entrar até mesmo no campo do inimigo[♦], não como um desertor, mas como um batedor.

6. Ele diz: “É um bem desejável conservar a alegria em plena pobreza.” Na verdade, se estiver satisfeito, não é pobreza. Não é o homem que tem pouco, mas o homem que anseia por mais, quem é pobre. De que importa o que um homem tem guardado em seu cofre, ou em seu armazém, quão grandes são os seus rebanhos e quão gordos são os seus dividendos, se ele cobiça a propriedade do seu vizinho e não conta os seus ganhos passados, mas as suas esperanças de ganhos vindouros? Você pergunta qual é o limite adequado para a riqueza? É, primeiro, ter o que é necessário e, segundo, ter o que é suficiente.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.


[♦] Estoicismo em oposição ao Epicurismo.