Carta 34: Sobre um aluno promissor

Na carta 34 Sêneca fala sobre a alegria que um bom aluno proporciona a seu mestre.

Em questões éticas e morais, Sêneca afirma que o desejo de ser correto é praticamente o que basta:

Uma tarefa começada é meio caminho andado”. É mais do que a metade, pois a questão de que falamos é determinada pela alma. Consequentemente a maior parte da bondade é a vontade de querer ser bom(XXXIV, 3)

A carta é concluída com uma frase forte:

“Se os atos de um homem não estão em harmonia, sua alma está corrompida.”

(imagem, Mestre e seus pupilos por Daniel Huntington)


XXXIV. Sobre um aluno promissor

Saudações de Sêneca a Lucílio.

  1. Eu cresço em espírito e pulo de alegria e esqueço a minha idade e meu sangue corre quente novamente, sempre que percebo, a partir de suas ações e cartas, quanto você se superou; o homem convencional que você deixou para trás há muito tempo. Se o fazendeiro se satisfaz quando sua árvore cresce e dá frutos, se o pastor se satisfaz com o aumento de seu rebanho, se cada homem considera seu discípulo como a si próprio como se ainda em juventude, – então, quais pensa serem os sentimentos daquele que treinou uma mente e modelou uma nova ideia, quando de repente ele percebe que esta está madura?
  2. Eu me dou o crédito: você é obra minha. Quando vi suas habilidades, coloquei as mãos sobre você, lhe incentivei, e não permiti que você fosse preguiçoso, mas lhe estimulei continuamente. E agora estou fazendo o mesmo, mas desta vez, estou torcendo por alguém que está na disputa, e isto me anima.
  3. “O que mais quer de mim então?, você pergunta, “a vontade ainda é minha”. Bem, a vontade é neste caso quase tudo, e não apenas a metade, como diz o ditado “Uma tarefa começada é meio caminho andado”. É mais do que a metade, pois a questão de que falamos é determinada pela alma[1]. Consequentemente a maior parte da bondade é a vontade de querer ser bom. Você sabe o que eu quero dizer com um bom homem? Alguém que é completo, definido, – e que não pode ser corrompido por nenhuma coação ou necessidade.
  4. Eu vejo esta pessoa em você, somente quanto se curva sobre o seu trabalho e garante que suas palavras e ações se harmonizam e correspondem uma a outra e são feitas a partir do mesmo molde. Se os atos de um homem não estão em harmonia, sua alma está corrompida.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] Ou seja, o provérbio pode aplicar-se a tarefas que um homem executa com as mãos, mas é uma subavaliação quando aplicado às tarefas da alma.

Livro: A Vida Feliz (De Vita Beata)

O diálogo A Vida Feliz foi escrito por volta do ano 58 dC., destinado ao seu irmão mais velho, Gálio.

A principal coisa a entender sobre o texto é o próprio título: ‘Feliz‘ aqui não tem a conotação moderna de se sentir bem, mas é o equivalente da palavra grega eudaimonia, que é melhor compreendida como uma vida digna de ser vivida, um estado de plenitude do ser. Para Sêneca e para os estoicos, a única vida que vale a pena ser vivida é aquela de retidão moral, o tipo de existência à qual olhamos no final e podemos dizer honestamente que não nos envergonhamos.

Logo no primeiro parágrafo Sêneca dá a linha da argumentação estoica: Não devemos ter a felicidade como objetivo: “não é fácil alcançar a felicidade já que quanto mais avidamente um homem se esforça para alcançá-la mais ele se afasta”.(I,1) A solução é ter como objetivo a virtude. A felicidade será consequência.

Sêneca faz grande oposição ao epicurismo, corrente filosófica que valoriza o prazer como fonte de felicidade, como vemos: “Você se dedica aos prazeres, eu os controlo; você se entrega ao prazer, eu o uso; você pensa que é o bem maior, eu nem penso que seja bom: por prazer não faço nada, você faz tudo.”  (X, 3 ).

No capítulo XV, Sêneca explica por que não se pode simplesmente associar a virtude ao prazer. O problema é que, mais cedo ou mais tarde, o prazer o levará a territórios não virtuosos: “Quem, por outro lado, forma uma aliança, entre a virtude e o prazer, obstrui qualquer força que uma possa possuir pela fraqueza da outra, e envia liberdade sob o jugo, pois a liberdade só pode permanece inconquistável enquanto não sabe nada mais valioso do que ela mesma: pois começa a precisar da ajuda da Fortuna, o que é a mais completa escravidão: sua vida torna-se ansiosa, cheia de suspeitas, tímida, temerosa de acidentes, esperando em agonia por momentos críticos. Você não oferece à virtude uma base sólida e imóvel se você a colocar sobre o que é instável: e o que pode ser tão instável quanto a dependência do mero acaso e as vicissitudes do corpo e daquelas coisas que agem sobre o corpo?”. (XV, 3 )

O livro fornece uma lista de regras pelas quais Sêneca está tentando viver. Vale a pena considerá-las na íntegra:

• Eu vou encarar a morte ou a vida a mesma expressão de semblante;
• Eu desprezarei as riquezas quando as tiver tanto quanto quando não as tiver;
• Verei todas as terras como se pertencessem a mim, e as minhas terras como se pertencessem a toda a humanidade;
• Seja o que for que eu possua, eu não vou acumulá-lo avidamente nem o desperdiçar de forma imprudente;
• Não farei nada por causa da opinião pública, mas tudo por causa da consciência;
• Ao comer e beber, meu objetivo é extinguir os desejos da natureza, não encher e esvaziar minha barriga;
• Eu serei agradável com meus amigos, gentil e suave com meus inimigos;
• Sempre que a Natureza exigir minha vida, ou a razão me pedir que a rejeite, vou desistir desta vida, chamando a todos para testemunhar que amei uma boa consciência e boas atividades;

Neste ensaio Sêneca aprofunda a explicação sobre os indiferentes preferidos e despreferidos. E faz uma longa exposição ( capítulos 21 a 26) da relação entre riqueza, virtude e felicidade:

“Portanto, não cometa nenhum erro: as riquezas pertencem à classe das coisas desejáveis. “Por que então”, você diz, “você ri de mim, já que você as coloca na mesma posição que eu?” 5. Você deseja saber quão diferente é a posição em que as colocamos? Se as minhas riquezas me deixarem, não levarão consigo nada além de si mesmas: já vocês ficarão desnorteadas e parecerão ficar fora de si se as perderem: comigo as riquezas ocupam um certo lugar, mas com você elas ocupam lugar mais alto de todos. Em suma, minhas riquezas pertencem a mim, você pertence às suas riquezas.”  (XXII, 4.5)

(imagem  Herbert James DraperUlises e as Sereias)

Livro disponível na lojas:

GooglePlay,  Amazon,  Kobo e  Apple

 

Pensamento do Dia #37: o fogo já danificou muitas cidades, mas não aniquilou nenhuma.

“Nossas mentes devem ser enviadas antecipadamente para atender a todos os problemas, e devemos considerar, não o que costuma acontecer, mas o que pode acontecer. Pois o que há no mundo que a Fortuna, quando ela quer, não derruba do alto da sua prosperidade? E o que é que ela não ataca mais violentamente quão mais brilhante é? O que é laborioso ou difícil para ela? ” (Carta XCI, 4)

“Timágenes, que tinha rancor contra Roma e sua prosperidade, costumava dizer que a única razão pela qual se entristece quando incêndios ocorrem em Roma é devido ao seu conhecimento de que surgirá edifícios melhores no lugar daqueles que caem pelas chamas.” (Carta XCI, 13)

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Frases, incluindo o título foram tiradas da 91° carta a Lucílio: “Sobre a lição a ser aprendida do incêndio de Lião”, Volume II

(imagem, Hubert Robert, o incêndio de Roma, MuMa)

Carta 33: Sobre a Futilidade de aprender axiomas

Na carta 33 Sêneca aborda nossa responsabilidade sobre o legado que devemos deixar.  Prescreve estudar com profundidade a sabedoria dos antepassados ilustres:

Por esta razão, desista de acreditar que possa desnatar, por meio de resumos, a sabedoria de homens ilustres. Olhe para a sua sabedoria como um todo; estude-a como um todo… Examine as partes separadas, se quiser, desde que você as examine como partes do próprio homem. Uma bela mulher não é aquela cujo tornozelo ou braço é elogiado, mas cuja aparência geral faz você esquecer de admirar atributos únicos.” (XXXIII,5)

Contudo, após certo ponto, devemos nós mesmo criar novos ensinamentos, usando como alicerce o conhecimento adquirido com mestres reconhecidos:

Mas qual é a sua opinião? Por quanto tempo marchará sob as ordens de outro homem? Tome o comando, e proferira alguma palavra que a posteridade possa se lembrar. Coloque algo de seu próprio estoque.“(XXXIII,7)

Gosto muito do último parágrafo, que representa a síntese do conservadorismo, ou seja, devemos ampliar e melhorar a sociedade sempre conservando as tradições de base:

“O que então? Não seguirei os passos de meus predecessores? Devo realmente usar a estrada velha, mas se encontrar um atalho que seja mais suave para viajar, devo abrir a nova estrada[8]. Os homens que fizeram essas descobertas antes de nós não são nossos mestres, mas nossos guias. A verdade está aberta para todos; ainda não foi monopolizada. E ainda há muito dela para a posteridade descobrir.” (XXXIII,11)

(imagem: La Tache noire por Albert Bettannier)


XXXIII. Sobre a Futilidade de aprender axiomas

Saudações de Sêneca a Lucílio.

1. Você deseja que eu conclua essa carta assim como eu encerrei minhas cartas anteriores, com certas declarações tomadas dos chefes de nossa escola. Mas eles não se interessavam em resumos escolhidos; Toda a textura de seus trabalhos está cheia de força. Há volatilidade, você sabe, quando alguns objetos se erguem acima de outros. Uma única árvore não é notável se toda a floresta sobe à mesma altura.

2. A poesia está repleta de declarações desse tipo, assim como a história. Por esta razão, eu não quero que pense que essas expressões pertençam a Epicuro. Elas são propriedade comum e enfaticamente nossas[1]. São, no entanto, mais notáveis em Epicuro, porque aparecem em intervalos infrequentes e quando se não espera por elas, e porque é surpreendente que palavras valentes possam ser faladas a qualquer momento por um homem afeminado. Pois é isso que a maioria das pessoas sustenta. Na minha opinião, no entanto, Epicuro é realmente um homem corajoso, mesmo que use vestes compridas. Força moral, energia e prontidão para a batalha são encontradas entre os persas[2], tanto quanto entre os homens que zombam de si mesmos.

3. Portanto, você não precisa recorrer a trechos e citações; pensamentos que se podem extrair aqui e ali nas obras de outros filósofos percorrem todo o corpo de nossos escritos. Portanto, não temos bens de mostruário, nem enganamos o comprador de tal maneira que, se ele entrar na nossa loja, não encontrará nada, exceto o que é exibido na janela. Nós permitimos que os próprios compradores retirem suas amostras de qualquer lugar que desejem.

4. Suponha que desejemos separar cada mote do estoque geral; a quem devemos dar-lhes crédito? A Zenão, Cleantes, Crisipo, Panécio ou Posidônio[3]? Nós estoicos não somos súditos de um déspota: cada um de nós reivindica sua própria liberdade. Com eles[4], por outro lado, o que Hermarco diz ou Metrodoro diz, é atribuído a uma única fonte. Naquela fraternidade, tudo o que qualquer homem diz é creditado a liderança e autoridade de um só[5]. Nós não podemos, eu defendo, não importa como, selecionar um item bom de uma multidão de coisas igualmente boas.

Só o pobre conta o seu rebanho.Pauperis est numerare pecus.[6]

Onde quer que você dirija seu olhar, você encontrará algo que pode se destacar do resto, se o contexto em que o lê não for igualmente notável.

5. Por esta razão, desista de acreditar que possa desnatar, por meio de resumos, a sabedoria de homens ilustres. Olhe para a sua sabedoria como um todo; estude-a como um todo. Ela elabora um plano coesamente tecido, linha a linha, uma obra-prima, da qual nada pode ser tirado sem ferir o todo. Examine as partes separadas, se quiser, desde que você as examine como partes do próprio homem. Uma bela mulher não é aquela cujo tornozelo ou braço é elogiado, mas cuja aparência geral faz você esquecer de admirar atributos únicos.

6. Se você insistir, no entanto, não serei mesquinho com você, mas pródigo; pois há uma enorme multidão dessas passagens; elas estão espalhadas em profusão, – elas não precisam ser arrebanhadas, mas apenas colhidas. Elas não gotejam ocasionalmente; elas fluem continuamente. Elas são ininterruptas e estão intimamente ligadas. Sem dúvida, seria muito benéfico para aqueles que ainda são principiantes; pois um axioma único é compreendido mais facilmente quando é marcado e delimitado como uma linha de verso.

7. É por isso que damos aos filhos um provérbio, ou o que os gregos chamam Chreia[7], para ser aprendido de cor, pois esse tipo de coisa pode ser compreendido pela mente jovem, que ainda não totalmente capaz. Para um homem, no entanto, cujo progresso é definitivo, perseguir os extratos escolhidos e escorar sua fraqueza pelos ditos mais conhecidos e mais breves e depender de sua memória, é vergonhoso; é hora de se apoiar em si mesmo. Um homem deveria criar tais máximas e não as memorizar. Pois é vergonhoso até para um ancião, ou alguém que tenha avistado a velhice, ter um conhecimento de livro de anotações. – Foi o que Zenão disse. Mas o que você mesmo disse? Esta é a opinião de Cleantes. Mas qual é a sua opinião? Por quanto tempo marchará sob as ordens de outro homem? Tome o comando, e proferira alguma palavra que a posteridade possa se lembrar. Coloque algo de seu próprio estoque.

8. Por isso, considero que não há nada de eminência em homens como estes, que nunca criam nada, mas sempre se escondem à sombra dos outros, desempenhando o papel de intérpretes, nunca ousando pôr em prática o que eles tanto estudam. Eles exercitam suas lembranças no material de outros homens. Mas uma coisa é lembrar, outra, saber. Lembrar é meramente salvaguardar algo confiado à memória; saber, no entanto, significa fazer tudo você mesmo; significa não depender da cópia e não precisar lançar o olhar todo o tempo para o mestre.

9. “Assim disse Zenão, assim disse Cleantes, de fato!” Que haja uma diferença entre você e seu livro! Quanto tempo você deve ser um aprendiz? De agora em diante, seja professor também! “Mas por que”, pergunta-se, “eu deveria continuar ouvindo palestras sobre o que eu posso ler?” “A voz viva”, responde o mestre, “é uma grande ajuda”. Talvez, mas não a voz que apenas se faz o porta-voz das palavras de outra pessoa, e só executa o dever de um repórter.

10. Considere também este fato. Aqueles que nunca alcançaram a sua independência mental começam, em primeiro lugar, seguindo o líder nos casos em que todos abandonaram o líder; depois, em segundo lugar, seguem-no em assuntos onde a verdade ainda está sendo investigada. No entanto, a verdade nunca será descoberta se descansarmos satisfeitos com as descobertas já feitas. Além disso, aquele que segue o outro não só não descobre nada, mas nem sequer está investigando.

11. O que então? Não seguirei os passos de meus predecessores? Devo realmente usar a estrada velha, mas se encontrar um atalho que seja mais suave para viajar, devo abrir a nova estrada[8]. Os homens que fizeram essas descobertas antes de nós não são nossos mestres, mas nossos guias. A verdade está aberta para todos; ainda não foi monopolizada. E ainda há muito dela para a posteridade descobrir.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

 

[1] Tanto estoica como epicurista.

[2] Que usavam mangas compridas.

[3] Zenão. . . Posidônio: os estoicos são citados por ordem de sucessão: primeiro os três chefes da escola, então os estoicos que trouxeram o conhecimento para Roma, Panécio e Posidônio, contemporâneo de Pompeu e Cicero. Embora Sêneca classifique Posidônio com os mestres, ele não mostrará um interesse próximo na ética ou antropologia de Posidônio até a letra LXXXIII, quando ele claramente começou a lê-lo como um estímulo para argumentação.

[4] Os epicuristas.

[5] Creditado a um homem: isto é, Epicuro, que se apropriou das sábias palavras de seus seguidores.

[6] Trecho de Metamorfose de Ovídio.

[7] Chreia, uma forma de educação gramatical consistida em fazer os alunos tomarem um axioma de um sábio escolhido e reformulá-lo em diferentes padrões sintáticos.

[8] Sêneca não se compara a um caminhante, mas a um construtor de estrada (o verbo é munire, construir uma estrada), que, portanto, criará caminhos para que os outros usem depois dele.

Pensamento do dia #36: Os homens são perturbados não pelas coisas, mas pela opinião sobre elas.

Epiteto diz: “Os homens são perturbados não pelas coisas, mas pela opinião sobre elas” (O Encheirídion, 5.a)

O podcast do Seth Godin comentou sobre uma pessoa que estava participando de um  retiro de meditação.  Porém um participante ao lado passou a manhã toda fazendo um ruído “click, click” intermitente, arruinando a meditação. Na hora do intervalo, furiosa, foi reclamar quando então percebeu que o ruído vinha de um aquecedor.  Imediatamente ao perceber o que o barulho era causado por um objeto inanimado toda raiva e fúria se esvaiu, afinal quem ficaria irado com um equipamento ou com a chuva ?

A raiva e perturbação está em nós!  Trate toda perturbação como um equipamento defeituoso.  Não saberemos qual o real objetivo de alguém que nos importuna, tratemos como se fosse a chuva ou o aquecedor.

(Imagem busto “Alma danada”, por Gian Lorenzo BerniniPalazzo di Spagna, Roma)

Carta 32: Sobre progresso

A carta 32 é curta mas seu ensinamento é profundo e simples.
Sêneca nos pede para continuar no curso do progresso e não desviar para modismos, novos começos ou para atividades menos importantes.

Lembra que para as coisas realmente importantes não temos um prazo determinado por terceiros e nos enganamos achando que temos muito tempo sobrando, o desperdiçamos e acabamos por não realizar aquilo que importa.

Nós dividimos a vida em pequenos pedaços, e a desperdiçamos. Apresse-se adiante, então, querido Lucílio, e reflita o quanto aceleraria sua velocidade se um inimigo estivesse nas suas costas, ou se suspeitasse que a cavalaria estivesse se aproximando e pressionando fortemente em seus passos durante uma fuga.” (XXXII, 2-3)

Então pensemos na celebre frase do compositor Duke Ellington: “Não preciso de tempo, preciso de um prazo limite“.

(Imagem:  O Juramento dos Horácios por Jacques-Louis David)


 

XXXII. Sobre progresso

Saudações de Sêneca a Lucílio.  

  1. Eu tenho perguntado sobre você, e perguntando a todos que vem da sua parte do país, o que você está fazendo, e onde está gastando seu tempo, e com quem. Você não pode me enganar; porque eu estou acompanhando. Viva como se tivesse certeza de que receberei notícias de suas ações, ou melhor, como se tivesse certeza de que eu as vejo. E se você se perguntar o que particularmente me agrada do que eu ouço, é que eu não ouço nada, que a maioria daqueles que eu pergunto não sabem o que você está fazendo.
  2. Esta é uma boa prática – abster-se de associar-se a homens de outra estampa e de outros objetivos. E estou realmente confiante de que você não pode ser corrompido, que você vai manter o seu propósito, mesmo que a multidão o cerque e procure distraí-lo. O que, então, está em minha mente? Não tenho medo de que o alterem; mas tenho medo de que possam retardar seu progresso. E muito mal é feito por quem te atrasa, especialmente porque a vida é tão curta; e a tornamos ainda mais curta por nossa instabilidade, por fazer sempre novos começos na vida, agora um e depois imediatamente outro. Nós dividimos a vida em pequenos pedaços, e a desperdiçamos.
  3. Apresse-se adiante, então, querido Lucílio, e reflita o quanto aceleraria sua velocidade se um inimigo estivesse nas suas costas, ou se suspeitasse que a cavalaria estivesse se aproximando e pressionando fortemente em seus passos durante uma fuga. É verdade; O inimigo está realmente pressionando você; você deve aumentar a sua velocidade e fugir e chegar a uma posição segura, lembrando-se continuamente que é nobre completar sua vida antes da morte chegar, e então esperar em paz o quinhão restante do seu tempo, não reivindicando nada para si mesmo, uma vez que você já está em posse de uma vida feliz; pois tal vida não se torna mais feliz por ser mais longa.
  4. Oh, quando será que saberá que o tempo não significa nada para você, quando está calmo e sereno, despreocupado com o amanhã, porque está a gozar a sua vida ao máximo? Você sabe o que torna os homens gananciosos pelo futuro? É que ninguém se encontrou ainda. Seus pais, com certeza, pediram outras bênçãos para você; mas eu mesmo rezo mais para que possa desprezar todas as coisas que os seus pais desejaram para você em abundância. Suas orações saqueiam muitas outras pessoas, simplesmente para que você possa ser enriquecido. Tudo o que eles pedem para você precisará ser removido de outra pessoa.
  5. Eu oro para que você possa ter tal controle sobre si mesmo que sua mente, agora abalada por pensamentos errantes, possa finalmente descansar e ser firme, para que ela possa estar contente com ela mesma e, alcançar uma compreensão do que seja verdadeiramente bom, – e isso estará em nossa posse tão logo tenhamos este conhecimento, – que não há necessidade de anos adicionais. Aquele que finalmente superou todas suas necessidades, aquele que atingiu sua dispensa honrosa e é livre, aquele ainda viverá depois que sua vida foi concluída.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

Pensamento do dia #35: Só as pedras não demonstram emoção

Estoicismo não é eliminar a emoção ou os sentimentos.  É não ser escravos deles.

Sêneca diz:

…estaria eu aconselhando você a ter um coração duro, desejando que você mantenha seu semblante imóvel na cerimônia fúnebre, e não permitindo que sua alma sinta mesmo uma pitada de dor? De modo algum. Isso significaria insensibilidade e não virtude –   Mas suponha que eu proíba você de mostrar emoção, há certos sentimentos que reivindicam seus direitos próprios. As lágrimas caem, não importa como tentamos controla-las, e, sendo derramadas, aliviam a alma. O que, então, devemos fazer? Deixe-nos permitir que caiam, mas não a ordenemo-las a fazê-lo; deixe-as, de acordo com a emoção, inundar os nossos olhos, mas não como a mera atuação(Carta XCIX, 15-16)

Imagem: Medusa de Gian Lorenzo Bernini, Palazzo dei Conservatori.

 

Pensamento do dia #34: Quer mudar o mundo? Comece por mudar a você mesmo

“No nosso nascimento, a natureza nos tornou ensináveis, e nos deu razão, senão perfeita, capaz de ser aperfeiçoada.” (Sêneca, Carta XLIX.11)

Como vemos na frase, os estoicos são moderadamente otimistas sobre a natureza humana, contudo para isso precisamos aperfeiçoar nossa razão e sabedoria.  Ler, estudar, apreciar o belo, compartilhar o que seja justo e virtuoso.

(imagem escultura de Nero e Sêneca por Barron – Museo do Prado)

Carta 31: Sobre o canto da Sereia

Na carta 31 Sêneca desafia-nos a rejeitar, até mesmo desafiar ativamente, os  bons desejos de outras pessoas, porque elas tendem a desejar para nós os tipos errados de coisas (o sucesso, beleza, dinheiro, etc.). O que devemos desejar é tornar-se o tipo de pessoa que faz coisas honrosas e duradouras; outros têm a tendência de não orar por isso em nosso nome:

“Seja surdo para aqueles que mais te amam; eles rezam por coisas ruins com boas intenções. E, se você quiser ser feliz, suplique aos deuses que nenhuma das preces para você sejam levadas a cabo. O que eles desejam acumular sobre você não são realmente coisas boas; há apenas um bem, a causa e o sustento de uma vida feliz – confiar em si mesmo.” (XXXI.2-3)

Esta carta é mais densa e complexa do que a maioria das já publicadas, então o melhor é lê-la com calma e tirar você mesmo suas conclusões, sem ser influenciados por este interprete.

Gostaria de destacar no entanto que esta é a primeira carta na qual Sêneca transmite sua ideia de Deus:

“Seu dinheiro, entretanto, não o colocará em nível com Deus; porque Deus não tem posses. Seu manto bordado não fará isso; porque Deus não traja vestes; nem irá a sua reputação, nem a notoriedade de seu nome por todo o mundo; porque ninguém conhece a Deus. A multidão de escravos que carrega sua liteira ao longo das ruas da cidade e em lugares estrangeiros não irá ajudá-lo, porque este Deus de quem falo, embora seja o mais alto e poderoso dos seres, carrega todas as coisas em seus próprios ombros. Nem a beleza nem a força podem fazer você abençoado, pois nenhuma dessas qualidades pode resistir à velhice. O que temos de procurar, então, é o que não passa cada dia mais e mais ao controle de algum poder que não pode ser resistido. E o que é isso? É a alma, mas a alma que é justa, boa e grande. O que mais você poderia chamar de tal alma do que um deus morando como convidado em um corpo humano?  Esta modelagem não será feita em ouro ou prata; uma imagem que deve ser à semelhança de Deus não pode ser moldada de tais materiais; lembre-se que os deuses, quando eram bons para com os homens, eram moldados em barro.” (XXXI.10-11)

(imagem Criação de Adão, Michelangelo, Capela Sistina)


XXXI. Sobre o canto da Sereia

Saudações de Sêneca a Lucílio.  

  1. Agora reconheço o meu Lucílio! Ele está começando a revelar o caráter prometido. Acompanhe o ímpeto que o levou a fazer tudo o que é melhor, trabalhando de forma aprovada pela multidão. Eu não o consideraria maior ou melhor do que você planejou; pois no seu caso as fundações cobrem uma grande extensão de terreno; apenas acabe com tudo o que planejou e tome controle dos planos que você teve em mente.
  2. Em suma, você será um homem sábio, se você tapar seus ouvidos; nem é suficiente fechá-los com cera; você precisa de um abafador mais potente do que aquele que dizem Ulysses usou para seus camaradas. A música que ele temia era sedutora, mas não vinha de todos os lados; a canção, no entanto, que você tem que temer, ecoa em torno de você não de um único promontório, mas de cada canto do mundo. Navegue, portanto, não apenas evitando uma região que você desconfie por causa de suas traiçoeiras delícias, mas de todas as cidades. Seja surdo para aqueles que mais te amam; eles rezam por coisas ruins com boas intenções. E, se você quiser ser feliz, suplique aos deuses que nenhuma das preces para você sejam levadas a cabo.
  3. O que eles desejam acumular sobre você não são realmente coisas boas; há apenas um bem, a causa e o sustento de uma vida feliz – confiar em si mesmo. Mas isso não pode ser alcançado, a menos que se aprenda a desprezar o trabalho e a considerá-lo entre as coisas que não são nem boas nem más. Pois não é possível que uma única coisa seja ruim em um momento e boa em outro, às vezes leve e para ser suportada, e às vezes uma causa de pavor.
  4. O trabalho não é um bem. Então, o que é um bem? Eu digo, o desprezo ao trabalho[1]. É por isso que eu devo repreender homens que trabalham sem propósito. Mas quando, por outro lado, um homem luta por coisas honrosas, à proporção em que se aplica cada vez mais, e se permite cada vez menos ser derrotado ou deter-se, eu recomendarei sua conduta e gritarei meu encorajamento, dizendo: “Por tanto você é melhor! Levante-se, inspire o ar fresco, e supere essa colina, se possível, em um único arranco!”
  5. O trabalho é o sustento das mentes nobres. Não há, portanto, nenhuma razão para que, de acordo com essa velha promessa de seus pais, você deva escolher a fortuna que você deseja, ou o que você deva orar por ela; além disso, é vil para um homem que já recebeu toda a rodada de honras mais altas ainda importunar os deuses. Que necessidade há de juramentos? Faça-se feliz através de seus próprios esforços; você pode fazer isso, quando compreender que tudo o que é misturado com a virtude é bom, e que tudo o que é ligado ao vício é ruim. Da mesma forma que nada brilha se não tem luz misturada em si, e nada é negro a menos que contenha a escuridão ou atraia para si algo de penumbra, e como nada é quente sem o auxílio do fogo e nada frio sem ar; assim é a associação da virtude e do vício que torna as coisas honradas ou vis.
  6. O que então é o Bem? O conhecimento das coisas. O que é Mal? A falta de conhecimento das coisas. O seu sábio, que também é um artesão, vai rejeitar ou escolher em cada caso, como convém à ocasião; mas ele não teme o que ele rejeita, nem admira o que ele escolhe, se ele tiver uma alma forte e inconquistável. Eu o proíbo de ficar abatido ou deprimido. Não é suficiente se você não fugir do trabalho; peça por ele.
  7. “Mas,” você diz, “não é o trabalho insignificante e supérfluo, e trabalho inspirado por causas ignóbeis, um trabalho ruim?” Não; não mais do que o que é gasto em nobres empreendimentos, já que a própria qualidade que suporta o trabalho e se ergue a um árduo esforço é do espírito que diz: “Por que se torna negligente? Não é a digno de um homem temer o suor”.
  8. E além disto, para que a virtude seja perfeita, deve haver um temperamento e um esquema de vida uniforme que seja consistente consigo mesmo; e esse resultado não pode ser alcançado sem o conhecimento das coisas, e sem a arte que nos permite compreender as coisas humanas e as coisas divinas. Esse é o maior bem. Se você aproveitar este bem, você começa a ser um associado dos deuses, e não seu suplicante.
  9. “Mas como,” você pergunta, “alguém atinge esse objetivo?” Você não precisa atravessar as colinas de Peninos ou Graian, ou atravessar o deserto de Candavian, ou enfrentar o Sirte, ou Cila ou Caribdis[2], embora você tenha viajado através de todos estes lugares pelo suborno de um pequeno governador; a viagem pela qual a natureza o equipou é segura e agradável. Ela lhe deu tais dons para que possa, se não for desonesto com eles, elevar-se ao nível de Deus.
  10. Seu dinheiro, entretanto, não o colocará em nível com Deus; porque Deus não tem posses. Seu manto bordado não fará isso; porque Deus não traja vestes; nem irá a sua reputação, nem a sua própria presença, nem a notoriedade de seu nome por todo o mundo; porque ninguém conhece a Deus; muitos até o tem em baixa estima, e não sofrem por fazê-lo. A multidão de escravos que carrega sua liteira ao longo das ruas da cidade e em lugares estrangeiros não irá ajudá-lo, porque este Deus de quem falo, embora seja o mais alto e poderoso dos seres, carrega todas as coisas em seus próprios ombros. Nem a beleza nem a força podem fazer você abençoado, pois nenhuma dessas qualidades pode resistir à velhice.
  11. O que temos de procurar, então, é o que não passa cada dia mais e mais ao controle de algum poder que não pode ser resistido. E o que é isso? É a alma, mas a alma que é justa, boa e grande. O que mais você poderia chamar de tal alma do que um deus morando como convidado em um corpo humano? Uma alma como esta pode descer para um cavaleiro romano, assim como para um filho de liberto ou a um escravo. Pois o que é um cavaleiro romano, ou o filho de um liberto, ou um escravo? São meros títulos, nascidos da ambição ou do mal. Pode-se saltar para o céu das próprias favelas. Apenas eleve-se
e molde-se a de acordo com seu Deus.et te quoque dignum Finge deo.[3]

Esta modelagem não será feita em ouro ou prata; uma imagem que deve ser à semelhança de Deus não pode ser moldada de tais materiais; lembre-se que os deuses, quando eram bons para com os homens, eram moldados em barro.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] O argumento é que o trabalho não é, em si mesmo, um bem; se fosse, não seria louvável a um tempo e censurável em outro. Pertence, portanto, à classe de coisa que os estoicos chamavam de indiferente (indifferentia).

[2] Cila ou Caribdis: Sêneca estende a metáfora da ascensão para incluir as cadeias de montanha que atravessam a região montanhosa da Candávia, perto da Via Egnatia na Macedônia, depois (retornando aos perigos marítimos) os Sirtes da Líbia (bancos de areia traiçoeiros) e os dois perigos do estreito da Sicília confrontadas por Ulysses: Cila na costa da Calábria e Char Caribdis da Sicília (ver a carta XIV.8).

[3] Trecho de Eneida de Virgílio.