“O Homem vive preocupado em viver muito, não em viver bem, mas na realidade o viver muito não depende dele, mas o viver bem sim.”
Sêneca em Sobre a Brevidade da Vida
(foto do autor, Biblioteca Nacional Austríaca)

Filosofia atual e prática
“O Homem vive preocupado em viver muito, não em viver bem, mas na realidade o viver muito não depende dele, mas o viver bem sim.”
Sêneca em Sobre a Brevidade da Vida
(foto do autor, Biblioteca Nacional Austríaca)
O Estoico pede desculpas pela longa pausa, mas volta com uma das excelentes cartas!
Na carta 47 Sêneca fala sobre a relação entre mestre e escravo e traz algumas de suas mais marcantes frases: “Nenhuma servidão é mais vergonhosa do que aquela que é auto imposta. ” (XLVII, 17)
A carta é longa, mas sua leitura é muito interessante, principalmente devido aos os detalhes da vida romana narrados por Sêneca desde orgias gastronômicas e sexuais até o comércio, libertação e captura de escravos. Sêneca nos lembra que Platão e Diogenes bem como Hécuba (rainha de Tróia) caíram em cativeiro e se tornaram escravos.
O cerne da carta, válido ainda hoje é : “Trate seus subalternos como você gostaria de ser tratado por seus superiores.” (XLVII, 11) e nos ensina a tratar as pessoas “de acordo com seu caráter, e não de acordo com seus deveres. Cada homem adquire seu caráter por si mesmo, mas a fortuna atribui seus deveres. ” (XLVII, 15)
Sêneca conclui a carta afirmando que todos homens têm a mesma origem divina e que todos nós somos escravos de algo:
“Ele é um escravo.” Sua alma, no entanto, pode ser a de um homem livre. – Ele é um escravo. Mas isso vai ficar no seu caminho? Mostre-me um homem que não é um escravo; um é escravo da luxúria, outro da ganância, outro da ambição, e todos os homens são escravos do medo. Vou citar um antigo cônsul que agora é escravo de uma velha bruxa, um milionário que é escravo de uma serva; vou mostrar-lhe jovens de nascimento mais nobre em servidão a artistas de pantomima! Nenhuma servidão é mais vergonhosa do que aquela que é auto imposta.”(XLVII, 17)
(imagem Boulanger Gustave, o mercado de escravos)
Saudações de Sêneca a Lucílio.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Glabri(pele macia), delicati ou exoleti (catamitas) eram escravos favoritos, mantidos artificialmente jovens pelos romanos da classe mais dissoluta, onde o mestre se orgulhava da aparência elegante e gestos graciosos desses favoritos.
[2] Caio Júlio Calisto foi um liberto imperial durante os reinados dos imperadores Calígula e Cláudio. Calisto era originalmente um libertado de Calígula, e recebeu grande autoridade durante o reinado, a qual usou para acumular grande riqueza.
[3] Como Hécuba (rainha de Troia), Sisigambis, mãe de Dario, era tecnicamente uma escrava de Alexandre, mas ele a tratou com respeito. Platão tinha cerca de quarenta anos quando visitou a Sicília, de onde foi depois deportado por Dionísio, o Ancião. Ele foi vendido como escravo na Egina e resgatado por um discípulo de Cirena. Diógenes, enquanto viaja de Atenas para Egina, foi capturado por piratas e vendido em Creta, onde foi comprado por um certo coríntio e liberto.
A carta 46 é bastante particular à Lucílio e contem pouca mensagem atual.
 Contudo é um  bom exemplo de texto elogioso.
(imagem busto de Lucius Verus, Louvre)
Saudações de Sêneca a Lucílio.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Tito Lívio, conhecido simplesmente como Lívio, é o autor da obra histórica intitulada Ab urbe condita (“Desde a fundação da cidade”), onde tenta relatar a história de Roma desde o momento tradicional da sua fundação 753 a.C. até ao início do século I da Era Cristã.
Recentemente recebi recomendação do texto do almirante James Stockdale “A Tríade do Guerreiro Estoico” em tradução de Aldo Dinucci e Alexandre Cabeceiras. (disponível em https://goo.gl/5pMCtK, texto de Stockdale começa na página 9)
Stockdale foi o mais alto oficial americano aprisionado na guerra do Vietnã. Foi mantido como prisioneiro de guerra em Hoa Lo (o infame “Hanoi Hilton”) por sete anos e meio. Como oficial sênior da Marinha, ele foi um dos principais organizadores da resistência dos prisioneiros. Torturado rotineiramente e sem atenção médica para a perna severamente machucada, Stockdale criou e aplicou um código de conduta para todos os prisioneiros. Quando foi informado por seus captores que ele seria exibido em público, Stockdale cortou a própria testa com uma navalha para se desfigurar propositalmente, para que seus captores não o pudessem usar como propaganda.
Nesse texto ele narra como usou o estoicismo, as teses de Solzhenitsyn e principalmente os ensinamentos de Epicteto para sobreviver e manter a lucidez todos os anos de prisão:
“Gostaria de dizer de imediato que li e estudei as Diatribes pelo menos 10 vezes, sem mencionar minhas incursões pelo Encheirídion, e jamais achei uma simples inconsistência no código de princípios de Epicteto. É um pacote fechado, livre de contradições. O velho cara pode não instigá-los, mas se ele não o faz, não o censurem por incoerência; Epicteto não tem problemas com a lógica.”
Manteve uma atitude estoica frente a seus torturadores, como podemos ver no trecho que narra sua relação com o principal deles:
Mas nenhum de nós jamais quebrou o código de uma invariavelmente estrita relação na “linha do dever”. Ele nunca me enganou, sempre jogou corretamente, e jamais pedi misericórdia. Eu admirei aquilo nele, e poderia dizer que ele admirou isso em mim. E quando as pessoas dizem: “Ele era um torturador, você não o odeia?” Eu digo, como Solzehnitsyn, para o espanto daqueles que estão à minha volta: “Não, ele era um bom soldado, nunca ultrapassou sua linha do dever”.
Ensina que aprender a comandar suas emoções é fortalecedor e libertador:
Quando se chega nesse ponto, o capítulo 30 do Encheirídion se aplica: “Se não quiseres, outro não te causará dano”. E por “dano” Epicteto quer dizer, como os estoicos sempre o fizeram, danificar seu eu interior, seu auto-respeito, e sua obrigação de ser leal. Podem quebrar seu braço ou sua perna, mas não se preocupem. Eles sararão.
Conclui com o que chama de Tríade do Guerreiro Estoico:
“Tranquilidade, Destemor e Liberdade”.
Estátua de James Stockdale, US Naval Academy, Annapolis, Maryland
Na carta 45 Sêneca discorre sofre a escola sofista e a define com um exercício fútil:
“Eles perderam muito tempo em jogar com palavras e na argumentação sofista; todo esse tipo de coisa exercita a inteligência para nenhum propósito. Nos atamos nós e unimos palavras em significados duplos, e então tentamos desatá-los. Temos tempo suficiente para isso? Já sabemos como viver ou morrer?“ (XLV, 5)
Resume que não conhecer os sofismas não faz mal, e dominá-los não faz nenhum bem, sendo que a principal mensagem é focar no importante, deixando o supérfluo passar:
“entenda que o homem feliz não é aquele que a multidão considera feliz, isto é, aquele em cujos cofres grandes somas fluíram, mas aquele cujas posses estão todas em sua alma, que é reta e elevada, que despreza a inconstância, que não vê homem com quem ele queira trocar de lugar, que avalia os homens apenas pelo seu valor como homens, que considera a natureza sua professora, obedecendo suas leis e vivendo como ela comanda, a quem nenhuma violência pode privar de suas posses”(XLV, 9)
Na carta Sêneca usa uma expressão muito interessante: “Mas não devo ultrapassar os limites de uma carta, que não deve preencher a mão esquerda do leitor.” Essa observação é válida quando tal carta é escrita em pergaminho, desenrolada com a mão direita enquanto a esquerda recolhe a parte que já foi lida.
(imagem: Protágoras, no centro, e Demócrito, à direita, por Salvator Rosa. Protágora é grande expoente da escola sofista, cunhador da frase “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são.“)
Saudações de Sêneca a Lucílio.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Cila ou Caribdis: Sêneca estende a metáfora da ascensão para incluir as cadeias de montanha que atravessam a região montanhosa da Candávia, perto da Via Egnatia na Macedônia, depois (retornando aos perigos marítimos) os Sirtes da Líbia (bancos de areia traiçoeiros) e os dois perigos do estreito da Sicília confrontadas por Ulysses: Cila na costa da Calábria e Char Caribdis da Sicília (ver a carta XIV.8).
[2] Essa observação é válida quando tal carta é escrita em pergaminho, desenrolada com a mão direita enquanto a esquerda recolhe a parte que já foi lida.
“Se você tem um jardim e livros, você tem tudo o que precisa”.
Cícero
Hoje O Estoico está completando um ano de existência e comemoramos com uma das melhores cartas de Sêneca.
A carta é bastante significativa para os dias atuais onde é comum reclamar dos “privilégios” dos outros e fazer-se de vítima, ou seja, assim como Lucílio já fazia há 2000 anos.
A resposta de Sêneca é excelente, e contem duas partes:
1. que todos somos iguais:
“A filosofia não rejeita nem escolhe ninguém; sua luz brilha para todos. Sócrates não era aristocrata. Cleantes trabalhou em um poço e serviu como um homem contratado regando um jardim. A filosofia não achou Platão já um nobre; ela o fez um. Por que então você deve temer ser capaz de se comparar a homens como estes? ” (XLIV, 3)
2. que procuramos a felicidade em lugar errado, ou seja, nos bens materiais:
“Onde, então, está o erro, uma vez que todos os homens anseiam à vida feliz? É que eles consideram os meios para produzir a felicidade como a felicidade em si, e, enquanto procuram a felicidade, eles estão realmente fugindo dela.” (XLIV, 7)
(Imagem: Morte de Sócrates por Jacques-Louis David)
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Referência à regra de assento no Coliseu – O primeiro nível, Podium, era reservado aos mais importantes romanos – o Imperador e as Virgens Vestais e membros do senado. O 2º Nível – Maenianum primum: era reservado para a classe nobre não-senatorial chamada de cavaleiros ou Equites, consistindo de quatorze filas de assentos em mármore.
[2] NT: Somente cidadãos romanos podiam participar do processo de seleção para as legiões romanas.
“Misantropo? Eu não odeio os outros homens. Mesmo quando são incômodos e desagradáveis , e tentam trapacear no pôquer, para mim isso faz parte da natureza humana. E aquele que encontra nisso razão para ficar consternado ele que é um tolo por ter altas expectativas.” Buster Scruggs.
Uma pitada de sabedoria estoica no filme : “A Balada de Buster Scruggs“. O Estoico ultimamente não tem apreciado cinema, achando os filmes atuais maçantes e longos, porém aprovou o filme dos irmãos Coen. São seis estórias separadas passadas no velho oeste. Recomendado.
Mais na crítica de Brian Denton
(imagen capturada do Netflix)
Na carta 43 Sêneca fala sobre a relatividade da fama. Afirma que a virtude é o objetivo certo e que devemos pratica-la sem esperar algo em troca. O comportamento virtuoso é a recompensa em si mesmo e traz a vantagem da consciência tranquila:
“Uma boa consciência recebe com prazer a multidão, mas uma má consciência, mesmo na solidão, é perturbada e inquieta. Se seus feitos são honrosos, que todos os conheçam; se infames, o que importa que ninguém deles saiba, se você mesmo os reconhece? Como você é desventurado se despreza tal testemunha!” (XLIII, 5)
(Imagem recepção de Grande Condé em Versailles por Jean-Léon Gérôme)
Saudações de Sêneca a Lucílio.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Ou seja Roma.
[2] Lucílio era neste momento procurador imperial na Sicília.
Nada é mais excelente ou mais belo do que a virtude; tudo o que fazemos em obediência às suas ordens é bom e desejável.
Sêneca, Carta LXVII, 16
(Foto, Parlamento austríaco, Viena. Ao fundo torre da prefeitura)