Hoje O Estoico está completando um ano de existência e comemoramos com uma das melhores cartas de Sêneca.
A carta é bastante significativa para os dias atuais onde é comum reclamar dos “privilégios” dos outros e fazer-se de vítima, ou seja, assim como Lucílio já fazia há 2000 anos.
A resposta de Sêneca é excelente, e contem duas partes:
1. que todos somos iguais:
“A filosofia não rejeita nem escolhe ninguém; sua luz brilha para todos. Sócrates não era aristocrata. Cleantes trabalhou em um poço e serviu como um homem contratado regando um jardim. A filosofia não achou Platão já um nobre; ela o fez um. Por que então você deve temer ser capaz de se comparar a homens como estes? ” (XLIV, 3)
2. que procuramos a felicidade em lugar errado, ou seja, nos bens materiais:
“Onde, então, está o erro, uma vez que todos os homens anseiam à vida feliz? É que eles consideram os meios para produzir a felicidade como a felicidade em si, e, enquanto procuram a felicidade, eles estão realmente fugindo dela.” (XLIV, 7)
(Imagem: Morte de Sócrates por Jacques-Louis David)
- Você está insistindo de novo que é um ninguém e dizendo que a natureza em primeiro lugar e a Fortuna em segundo, o trataram muito injustamente e isso apesar de você ter a seu alcance o poder de separar-se da multidão e ascender-se para a mais alta felicidade humana! Se há algum bem na filosofia é isto, que nunca olha em pedigrees. Todos os homens, se rastreados à sua fonte original, brotam dos deuses.
- Você é um equestre romano e seu trabalho persistente o promoveu a esta classe, contudo certamente há muitos a quem as quatorze fileiras[1]são barradas. A Câmara do Senado não está aberta a todos, o exército, também, é escrupuloso na escolha dos que admite alistar.[2] Mas uma mente nobre é livre para todos os homens. De acordo com este teste, todos nós podemos ganhar distinção. A filosofia não rejeita nem escolhe ninguém, sua luz brilha para todos.
- Sócrates não era aristocrata, nunca foi patrício. Cleantes trabalhou em um poço e serviu como um homem contratado regando um jardim. A filosofia não achou Platão já um nobre, ela o fez um. Por que então você deve temer ser capaz de se comparar a homens como estes? Eles são todos os seus ancestrais se você se comportar de maneira digna; e você fará isso se você se convencer, desde o princípio, de que nenhum homem lhe supera em verdadeira nobreza.
- Todos temos o mesmo número de antepassados. Não há homem cujo primeiro começo não fuja da memória. Platão diz: “Todo o rei nasce de uma raça de escravos e todo escravo tem reis entre seus antepassados”.[3] O passar do tempo, com suas vicissitudes, tem misturado todas essas posições sociais e a Fortuna as virado de cabeça para baixo.
- Então, quem é bem-nascido? Aquele que por natureza é bem adaptado à virtude. Esse é o único ponto a ser considerado, caso contrário, se você voltar para a antiguidade, cada um remonta a uma data antes da qual não há nada. Desde os primórdios do universo até o presente fomos conduzidos a frente de origens que eram alternadamente ilustres e ignóbeis. Um salão cheio de bustos enegrecidos pelo fumo não faz de ninguém um nobre. Nenhuma vida passada foi vivida para nos emprestar a glória e aquilo que existiu antes de nós não é nosso. Só a alma nos torna nobres e pode se elevar acima da Fortuna, escapando de qualquer circunstância anterior, não importa qual seja essa circunstância.
- Suponha então, que você não fosse um Equestre Romano, mas um escravo liberto, você poderia, no entanto, por seus próprios esforços vir a ser o único homem livre entre uma multidão de nobres. “Como?”, você pergunta. Simplesmente distinguindo entre coisas boas e ruins sem usar a opinião da multidão. Você deve olhar, não para a fonte de onde essas coisas vêm, mas para o objetivo para o qual elas tendem. Se há algo que pode fazer a vida feliz, ele é bom em seus próprios méritos, pois não pode degenerar em mal.
- Onde, então, está o erro, uma vez que todos os homens anseiam à vida feliz? É que eles consideram os meios para produzir a felicidade como a felicidade em si e, enquanto procuram a felicidade, eles estão realmente fugindo dela. Pois, embora o resumo e a substância da vida feliz seja a liberdade pura e embora o segredo de tal liberdade seja a convicção inabalável, mesmo assim os homens acumulam o que causa preocupação enquanto viajam o caminho traiçoeiro da vida. Não só têm fardos para carregar, mas atraem mais fardos para si mesmos. Portanto, eles se afastam cada vez mais da realização daquilo que buscam e quanto mais esforço eles empenham, mais eles se atrapalham e recuam. Isto é o que acontece quando você se apressa através de um labirinto: quão mais rápido você vai, pior é o emaranhado.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Referência à regra de assento no Coliseu – O primeiro nível, Podium, era reservado aos mais importantes romanos – o Imperador e as Virgens Vestais e membros do senado. O 2º Nível – Maenianum primum: era reservado para a classe nobre não-senatorial chamada de cavaleiros ou Equites, consistindo de quatorze filas de assentos em mármore.
[2] NT: Somente cidadãos romanos podiam participar do processo de seleção para as legiões romanas.
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