(11) Conduz-me, ó Pai Excelso e Senhor do Mundo, Para onde quer que queiras, nenhum obstáculo impedir-me-á de seguir-te. Diligente, estarei junto a ti. E, caso eu não o queira fazer o que é possível ao intrépido, ainda assim seguir-te-ei, gemendo e infeliz. O Destino conduz quem lhe obedece e arrasta a quem lhe opõe resistência.
Professor Aldo Dinucci escreveu um interessante artigo sobre ostentação e estoicismo, inspirado na controvérsia do momento, o bife de ouro dos jogadores da copa.
Pessoalmente, não acho que o fato tenha muito significado, eu, jamais o comeria, não por virtude, mas por um defeito: Sou muito muquirana. Por mais dinheiro que tivesse, pagar milhares de reais por uma refeição ou vinho me será sempre inaceitável.
Aldo toca um ponto importante, o motivo que leva uma pessoa a pagar fortunas por algo efêmero:
“Assim, você pode até comer seu bife de ouro, mas isso obviamente contraria as recomendações de simplicidade do estoicismo e do cinismo, para os quais a genuína felicidade não advém da luxúria. Além disso, se você comer o tal bife de ouro para se exibir, mostrará que vive em função das opiniões alheias, deixando a si mesmo de lado e vivendo em função dos outros. No primeiro caso, você tornará sua vida mais difícil por se fazer dependente de coisas caras e inúteis. No segundo, será infeliz por fazer sua própria felicidade depender de opiniões alheias e não de seus próprios anseios decorrentes de sua natureza.”
Sêneca aparentemente consideraria a iguaria algo indiferente, ele diz que é sinal de uma alma instável não poder tolerar riquezas:
“Os homens descobrirão que somos diferentes do rebanho comum se olharem de perto. Se eles nos visitam em casa, eles devem nos admirar, ao invés de admirar nossas mobílias. É um grande homem quem usa pratos de barro como se fossem de prata; mas é igualmente grande quem usa prataria como se de barro fosse. É o sinal de uma alma instável não poder tolerar riquezas.”
Ultimamente chamou nossa atenção o restaurante no Qatar no qual peças de carne assada cobertas de ouro são servidas com grande estardalhaço. Mas afinal o que há de errado com bifes cobertos de ouro? Quem tem dinheiro de sobra não tem o direito de ir ao tal restaurante e gastar o quanto quiser? O que diriam os estoicos antigos sobre isso? O que diria o cínico Diógenes, o cão, sobre o caso dos bifes de ouro do Qatar?
O primeiro ponto que eu destaco é a ligação entre o estoicismo e o cinismo que se revela primeiramente pela busca por simplicidade e descomplicação na vida. Diógenes pode ser visto como um Sócrates levado aos extremos, que busca a felicidade apostando literalmente na pobreza. É possível ser feliz com pouco, seria um dos lemas da filosofia de Diógenes. Assim, segundo uma anedota que nos chegou, Diógenes, ao ver um menino tomando água na fonte com as mãos em concha, jogou fora seu copo dizendo que um simples garoto lhe ensinaraque mesmo ele, Diógenes, tinha coisas supérfluas. E coisa semelhante ocorreu ao ver um menino comendo lentilhas sobre um pão ázimo, o que fez o Cão lançar fora seu prato.
O estoico etrusco Musônio Rufo reflete a partir dessas mesmas premissas. Para este filósofo, o luxo nas residências é desprovido de sentido, significando recursos desperdiçados e não representando qualquer ganho seja para o proprietário da casa seja para a comunidade em que vive:
Já que, em razão da proteção, também fazemos as casas, <Musônio> disse que é preciso construí-las tendo em vista a necessidade do uso, como prevenir o frio, o excesso de calor; ser, para os que precisam, proteção contra o sol e contra os ventos. Em geral, é preciso que a casa nos supra o mesmo que uma caverna natural que possua abrigo adequado ao homem pode suprir. E se efetivamente possui <espaço> extra, [19.35] este será uma conveniente dispensa para o alimento próprio aos seres humanos. Para que o peristilo no pátio? Para que as paredes douradas? Para que as abóbadas cobertas de ouro? Para que pedras dispendiosas, umas combinando-se no chão, outras pressionadas nos muros, outras ainda trazidas de bem longe e a grandes expensas? [19.40] Não são todas essas coisas extravagantes e desnecessárias, <coisas> sem as quais se pode tanto viver quanto ser saudável? E que dão muito trabalho, sendo obtidas com muito dinheiro, com o qual alguém poderia ser benfeitor de muitos homens, tanto pública quanto particularmente? (Musônio, Diatribe 19)[1]
Essa reflexão se estende aos utensílios domésticos, que devem também tão somente cumprir as funções para as quais foram originalmente concebidos:
Também consoante e congênere ao caráter dispendioso da casa se figuram as coisas relativas ao mobiliário dela – leitos, mesas, tapeçarias, taças e coisas de tal qualidade, que ultrapassam por completo a precisão e vão além da necessidade. Leitos de marfim e prata ou, por Zeus, dourados; mesas de material semelhante; cobertores de cor púrpura e de outras cores difíceis de achar; taças feitas de ouro e prata, de pedra ou de materiais semelhantes à pedra, que competem quanto ao custo com as feitas de prata e ouro. E todas essas coisas obtidas com esforço! Uma pequena cama não nos oferece <algo> pior do que um leito inclinado de prata ou um leito de marfim. E é mais do que suficiente cobrir-se com um casaco de pele de cabra, de modo que não se precisa de um casaco de cor púrpura ou escarlate. E como não deixar de desejar uma mesa de prata quando nos é possível comer, sem risco, em uma mesa de madeira? E, certamente, por Zeus, é possível beber em copos de barro, pois naturalmente mata-se a sede com eles do mesmo modo que com os de ouro. O vinho nos copos de barro não tem sabor contaminado e possui aroma mais prazeroso que nos copos de ouro ou de prata. (Musônio, Diatribe 20)[2]
Epicteto também fala em termos semelhantes no Manual, ao afirmar que:
A medida das posses para cada um é o corpo, assim como o pé é a medida para a sandália. Se te fixares sobre essa regra, observarás a <justa> medida. Mas, se a violares, serás no fim necessariamente conduzido ao abismo. Do mesmo modo também em relação à sandália: se violares a regra para além do que pede o pé, tornando dourada a sandália, depois púrpura, depois adornada. Pois não há limite para o que uma única vez ultrapassa a medida. (Epicteto, Manual, 39. Excerto de Epicteto, Manual Edição original de 2007 – Tradução dos originais em grego: Aldo Dinucci)
Mas qual limite é ultrapassado aqui? Por que uma vida mais simples seria melhor que uma existência luxuriosa e de ostentação? Por que uma casa ou um utensílio não podem ser adornados indo além daquilo para o que foram originalmente pensados? Não seriam os estoicos e os cínicos muito chatos e sem graça com suas recomendações sobre simplicidade de vida? Por que afinal não seria bom e louvável sair por aí ostentando riqueza, beleza, poder[3]?
Podemos refletir sobre isso a partir do sentido da palavra ostentação, que vem do latim ostentare, que significa expor à vista, exibir, mostrar. Ora, podemos dizer que quem ostenta quer obter algum tipo de felicidade por meio da ostentanção, fazendo sua felicidade depender dos juízos alheios sobre sua pessoa. Quem ostenta pensa algo como: Mostrarei minha riqueza e todos me admirarão! E essa admiração me fará feliz! O que Diógenes e os estoicos percebem é que essa ideia é equivocada e parte de uma concepção igualmente equivocada sobre o que é o ser humano, segundo a qual a felicidade dos humanos depende de poder, beleza, riqueza, coisas que, para esses filósofos, são indiferentes, porque podem ser bem ou mal usadas. Assim, a riqueza mal usada trará infelicidade. E o mesmo vale para os outros indiferentes, que nada mais são que materiais a partir dos quais podemos construir nossa felicidade ou nossa infelicidade. Para Diógenes e os estoicos, o que distingue um ser humano dos demais é uma certa sabedoria, sabedoria esta que permite fazer bom uso das coisas indiferentes. Assim, o erro de quem ostenta é achar que será feliz ostentando, que os demais o admirarão, quando, na verdade, colherá em geral inveja e se fará dependente dos juízos alheios, dependência que é, na verdade, a fonte suprema ae infelicidade, pois leva o humano a agir de acordo com o que ele acha que irá agradar os outros e não fazer aquilo que em seu íntimo ele intui que o fará feliz.
Assim, você pode até comer seu bife de ouro, mas isso obviamente contraria as recomendações de simplicidade do estoicismo e do cinismo, para os quais a genuína felicidade não advém da luxúria. Além disso, se você comer o tal bife de ouro para se exibir, mostrará que vive em função das opiniões alheias, deixando a si mesmo de lado e vivendo em função dos outros. No primeiro caso, você tornará sua vida mais difícil por se fazer dependente de coisas caras e inúteis. No segundo, será infeliz por fazer sua própria felicidade depender de opiniões alheias e não de seus próprios anseios decorrentes de sua natureza.
Creio que Diógenes, o Cão, sintetiza magistralmente essa minha reflexão em uma performance cuja notícia nos chegou e que parafraseio assim: Um dia, Diógenes foi convidado para ir à mansão de um homem rico, que ia lhe mostrando os caríssimos objetos de sua residência à medida em que atravessavam os corredores. “Vês essa estátua”, disse o ricaço, “é um bronze de Corinto, não cuspas nela”. “Vês esse tapete”, observou o nababo, “é de confecção caríssima, não cuspas nele”. “Vês esse jarro”, acrescentou o ostentador, “é raro e antiquíssimo. Não cuspas nele por favor”. Então, Diógenes juntou bastante cuspe em sua boca, e quando já tinha uma boa quantidade do pegajoso líquido, cuspiu-o todo bem no meio da cara do milionário, que, estupefato, lhe indagou por que cargas d´água fizera tal coisa. E Diógenes lhe respondeu: “Sua cara foi o lugar mais ordinário que encontrei em sua casa”. Moral da estória: aquele que busca validação exibindo seu poder e sua riqueza mostra que não tem realmente nada de bom em termos humanos a oferecer, tornando-se uma pessoa fútil e patética e perdendo todo o valor para si mesmo e para os demais enquanto ser humano.
Entretanto, há um ponto adicional que deve ser observado e que para mim é o mais importante. Uma coisa é ostentar em um sociedade na qual as pessoas possuem o mínimo para viver. Outra bem diferente é ostentar diante de miseráveis e famintos, como muitos brasileiros abastados fazem costumeiramente no Brasil e alhures. Um dos temas fundamentais do estoicismo é a questão do afeto e da empatia em relação aos demais seres humanos: Hiérocles de Rodes observa que um dos objetivos dessa filosofia é fazer com que o afeto natural que temos por nós mesmos e por nossos familiares e pessoas próximas se estenda aos demais cidadãos de nossa cidade e de nosso país, alcançando em última análise a todos os humanos de modo a serem reconhecidos então como nossos irmãos e irmãs em humanidade[4]. Assim, banquetear-se às vistas de pessoas famintas e ostentar luxúria diante de miseráveis é uma demonstração clara de falta de empatia, de sensibilidade e de humanidade –enfim, em termos estoicos, uma evidente demonstração de profunda ignorância. E alguém poderia indagar: o tanto de dinheiro gasto em um banquete resolveria o problema da fome e da miséria em nosso país? Certamente que não, mas pelo menos quem deixasse de lado essas demonstrações de ostentação, extravagância e luxúria, empregando esses recursos para matar a fome mesmo que fosse de umas poucas pessoas, mostraria que não é totalmente insensível ao sofrimento humano. Essa pessoa mostraria a si mesma e aos demais que a sobrevivência digna daqueles que o circundam também lhe diz respeito e o afeta, e que é capaz de amá-los e vê-los como seus irmãos e irmãs.
Continuando a série sobre frases destacadas pelos leitores do Amazon Kindle, apresentamos a 3° mais destacada, grifada por mais de 1600 leitores do livro Cartas de um Estoico, de Sêneca.
“Nenhuma coisa boa é agradável de possuir, sem amigos para compartilhá-la.”
Esta carta é realmente incrível, uma de minhas prediletas. Gosto muito do final:
“Que progresso, você pergunta, eu fiz? Eu comecei a ser um amigo de mim mesmo.” Isso foi realmente um grande auxílio; tal pessoa nunca pode estar sozinha.
Continuando a série sobre frases destacadas pelos leitores do Amazon Kindle, apresentamos a 2° mais grifada, por mais de 1800 leitores do livro Cartas de um Estoico, de Sêneca.
“Existem mais coisas, Lucílio, susceptíveis de nos assustar do que existem de nos derrotar; sofremos mais na imaginação do que na realidade.”
A Amazon tem uma funcionalidade muito interessante, ela informa os trechos mais destacados pelos leitores de livros Kindle.
Do livro Cartas de um Estoico, de Sêneca, o trecho mais destacado, grifado por mais de 2000 pessoas é:
“A principal indicação, na minha opinião, de uma mente bem ordenada é a habilidade de um homem em permanecer em um lugar e ficar em sua própria companhia.”
As coisas não inquietam os homens, mas as opiniões sobre as coisas.[1] Por exemplo: a morte nada tem de terrível ou também a Sócrates teria se afigurado assim, mas é terrível a opinião sobre a morte, segundo a qual ela é terrível.[2] Então, quando formos obstacularizados ou nos inquietarmos ou nos afligirmos, jamais consideremos outra coisa a causa senão nós mesmos, isto é, nossas próprias opiniões. É ação do ignorante acusar os outros pelas coisas que ele mesmo faz erradamente. É do que começou a se educar acusar-se. É do homem educado não acusar os outros nem se acusar.
[1] A denúncia dos enganos da opinião que se apoia no ouvir dizer sem reflexão é comum a todo o Socratismo. Tal denúncia é acompanhada pela afirmação do caráter terapêutico da crítica à opinião, que se traduz pela eliminação dos sofrimentos e dos medos que têm sua origem na ignorância. Encontramos expressão formidável disso, por exemplo, em Lucrécio: Pois assim como as crianças têm medo de tudo no escuro, assim nós, em plena luz, tememos coisas que não são mais de temer que aquelas que nas trevas apavoram as imaginações infantis. Esses terrores do espírito, essas trevas da alma não os podem espantar os raios de sol ou a claridade do dia, mas tão somente a luz da razão e o estudo da natureza. (De Rerum Natura, II, v, 1 a 60) Marco Aurélio (XI, 23), citando Sócrates, nos diz que este “chamava as crenças populares de monstros que assustam as crianças”.
[2] Um tema central do Estoicismo é a reflexão sobre a morte. Tal reflexão tem como objetivos: (1) tornar-nos cientes de nosso caráter efêmero, para que vivamos mais intensamente e não deixemos as coisas importantes para depois, um depois que pode não haver (Cf. LI); (2) mostrar que a morte não é um mal e que não nos é preciso temê-la. Há todo um tesouro de reflexões sobre esse tema no pensamento dos socráticos ao qual remetemos o leitor. Contentar-me-ei aqui em citar Sócrates, que, segundo Platão (Apologia de Sócrates), teria dito em sua defesa não temer a morte, pois ou ela é o termo da vida após o qual não há nem bem nem mal (não sendo, assim, preciso temê-la) ou, após a morte, por ter vivido de modo digno, ele iria para um lugar no qual encontraria as almas de outros homens dignos (não sendo, de novo, preciso temê-la).
Pela segunda vez em sete semanas, um primeiro-ministro britânico citou um estadista romano durante seu discurso de demissão.
Boris Johnson se comparou a Cincinato, que “voltou ao seu arado” após um período no poder, agora Liz Truss citou Sêneca sobre as dificuldades de ousar fazer a coisa necessária.
“26. Mas quanto mais eu estimo esses homens! Eles podem fazer essas coisas, mas recusam fazê-las. A quem que já tentou, essas tarefas se mostraram falsas? O que já fez o homem, que parecesse fácil de fazer? Nossa falta de confiança não é o resultado da dificuldade. A dificuldade vem da nossa falta de confiança. Não é porque as coisas são difíceis que não ousamos; é porque não ousamos que as coisas são difíceis. “
Ter uma visão política de esquerda ou direita são formas diferentes de buscar soluções dos problemas sociais.
O Estoico não se identifica em nada com a esquerda, acreditando que apesar de prometer muito entrega pouco, ainda mais quando suas teses são aplicadas em países corruptos. Exemplos não faltam na sofrida América Latina.
Dito isso, é importante debater as diferenças, assim crescemos e evoluímos e possibilita-se chegar a um ponto médio satisfatório.
Contudo, votar ou defender Lula não é esquerda ou direita. É simplesmente imoral. Defender Ladrão condenado em 3 instâncias que em 14 anos à frente do governo instituiu verdadeiro projeto de poder baseado em corrupção é falta de caráter.
Existem outros candidatos de esquerda.
Finalizo com uma citação de Sêneca, nos trazendo à realidade, que no fundo, tudo isso pouco importa:
“…os partidos são convocados e os candidatos estão fazendo oferendas em seus templos favoritos – alguns deles prometendo brindes em dinheiro e outros fazendo negócios por meio de um agente, ou desgastando as mãos com os beijos desses a quem eles recusarão o mínimo toque depois de serem eleitos, você não acha agradável, eu digo, ficar em paz e olhar para esta feira de vaidades sem comprar ou vender? 4. Quão grande alegria se sente quem olha sem preocupação, não apenas para a eleição de um pretor ou de um cônsul, mas para essa grande luta em que alguns procuram honras efêmeras e outros o poder permanente.”
O estoicismo é uma filosofia integral, e como no ditado de Juvenal, “Mens sana in corpore sano“, sustenta que estar fisicamente bem preparado e saber se defender é uma característica do sábio.
Sócrates, o grande modelo de sábio dos estoicos, foi um soldado. Cleantes de Assos, o segundo escolarca da escola estoica de Atenas, foi um boxeador profissional. Marco Aurélio liderou legiões romanas em guerras contras os germânicos.
Livros citados:
* Parece que esta frase da imagem está mal atribuída, sendo de um general inglês do século XIX ao invés de Tucídides.
Baltasar Gracián, um erudito jesuíta espanhol, apresenta em “A Arte da Prudência” 300 ensinamentos para colocarmos em prática em nosso dia a dia. São estratégias de para se ter sucesso e atingir a felicidade em um mundo hostil. Mostrando as hipocrisias das relações humanas, os conselhos de Gracián envolvem temas como, amizade, trabalho, relacionamentos e conquistas, além de evidenciar sua visão espiritual e religiosa sobre o mundo.
Na Espanha, nada supera o estoicismo de Baltasar Gracián, cheio de sagacidade, ironia e moral. O autor cita várias vezes Sêneca e também Marco Aurélio. Alguns exemplos:
“É tolo aquele que aos quarenta anos de idade clama por saúde a Hipócrates, mais ainda aquele que clama por cordura a Sêneca.” § 36
“Tema a si mesmo, e não precisará mais de Sêneca como preceptor imaginário.” §50
“Caiu em desrespeito a ciência da filosofia. Sêneca introduziu-a em Roma e por algum tempo ela empolgou os nobres. Mas agora é considerada inútil e impertinente.” §100
“Subimos a escada da vida, e os degraus – os dias – desaparecem um após o outro, no momento em que movemos nossos pés. Não há como descer, nada a fazer a não ser ir adiante.“
Poderia escrever mais, contudo o prefácio de Jean Tosetto, que abre o texto, diz tudo:
De tempos em tempos os executivos de grandes empresas elegem um novo livro de cabeceira, resgatando algum clássico do passado. Citar bestsellers atuais pode ser arriscado, pois antes de se tornarem referências duradouras, podem ficar ultrapassados ou cair numa espécie de folclore de segunda linha. Entretanto, jamais pegará mal citar um filósofo antigo, não é mesmo? Assim, políticos, esportistas e investidores replicam essas dicas quentes de leitura.
Deste modo, dizem que o ex-presidente norte-americano Bill Clinton relê “Meditações”, do imperador Marco Aurélio, todos os anos. O badalado especulador Nassim Nicholas Taleb citou Sêneca em seus escritos e pronto: muita gente começou a ler as cartas do estoico que fora questor em Roma. Porém, quem ocupa o Olimpo das recomendações literárias para pessoas que desejam vencer na carreira são o chinês Sun Tzu, autor de “A Arte da Guerra”, e o florentino Nicolau Maquiavel, que escreveu “O Príncipe”.
Maquiavel ficou tão famoso que sua obra-prima é mais conhecida pelo seu próprio sobrenome do que pelo título formal. Involuntariamente, ele conseguiu a façanha de cunhar um adjetivo. Se um dia alguém te chamar de maquiavélico, cuidado: isso não é exatamente um elogio. Um sujeito maquiavélico pode se passar por alguém astuto, capaz de elaborar um plano bem detalhado que prevê reações para eventuais revezes, mas para a maioria das pessoas, o maquiavélico é alguém sem princípios éticos, que ignora os preceitos morais.
Esse é um dos problemas de alguém que lê “O Príncipe” de Maquiavel: desconfiar que não podemos agir feito damas ou cavalheiros, pois damas e cavalheiros são pessoas previsíveis – e ser previsível na política (ou no ambiente de trabalho) não seria o caminho indicado para se dar bem no longo prazo, de acordo com o escritor. O outro problema é que você tem que se imaginar no lugar de um regente nacional quando está lendo este legado renascentista, incluindo a edição comentada por Napoleão Bonaparte.
Algo semelhante acontece com “A Arte da Guerra”. Sun Tzu não escreveu o tratado militar para os civis, mas para os generais. Cabe ao leitor se colocar no lugar de um chefe de tropas para extrair as lições práticas para o seu cotidiano – uma tarefa que fica mais difícil para quem está começando a trabalhar no chão de uma fábrica ou fazendo estágio num escritório. Você vira a última página e pensa consigo mesmo:
“Então eu preciso ser uma pessoa inescrupulosa para subir na vida?”
Queria encaixar um palavrão na frase anterior, aquele que ofende o elemento e sua progenitora, mas seria uma indelicadeza com o prefácio de “A Arte da Prudência”, de Baltasar Gracián, afinal de contas, ele foi padre e professor, mais do que um militar vitorioso.
Gracián compreendia como poucos os diversos níveis hierárquicos das organizações, dado que além de integrar um exército que venceu batalhas na Guerra da Catalunha, em meados do século XVII, ele pertenceu à Companhia de Jesus. Ou seja, ele foi um subalterno que galgou passos até ganhar a alcunha de “O Pai da Vitória”. No meio do caminho aprendeu a lidar com superiores, colegas no mesmo patamar e pessoas sob suas ordens.
Quando Gracián reuniu trezentos aforismos para publicar em forma de livro, ele sabia que a maioria absoluta dos leitores jamais seriam generais ou chefes de estado, muito menos papas ou cardeais. Esse talvez seja o aspecto mais reconfortante de sua obra. Ao ler a “A Arte da Prudência” ficamos com a impressão de que podemos ser vencedores, mesmo sem alcançar o ápice da carreira que imaginamos. Ápice que o autor também não alcançou, mas isso não impediu que seu nome ficasse marcado na História.
Também é agradável ficar com a sensação de que não precisamos ser como uma máquina fria e sem coração (mas que sabe dissimular) para ter sucesso em nosso ambiente de trabalho. Porém, isso não quer dizer que podemos ser ingênuos e desarmados. Não precisar ser como as raposas não significa que devemos agir feito cordeiros.
Embora tenha sido um teólogo exemplar, Gracián não leva sua coleção de conselhos para o lado místico ou religioso. Ao contrário, ele se baseia na lógica e na observação do que estava ao seu redor para tecer máximas de teor prático e realista, repletas de conceitos racionais de retórica refinada, que levaram os críticos a classificar o filósofo neo-estoico como membro do Conceptismo, corrente literária do estilo barroco que tinha no poeta Francisco Gómez de Quevedo seu maior expoente.
Assim, Gracián se distancia de Sun Tzu e Maquiavel, para se aproximar de Sêneca e Marco Aurélio na estante de livros que sobrevivem à cabeceira da cama daqueles que apreciam uma leitura edificante e prazerosa.
[1]Jean Tosetto (1976) é arquiteto e urbanista graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo. Tem escritório próprio desde 1999. O autor e editor de livros é adepto do Value Investing e colabora com a Suno Research desde janeiro de 2017, onde já escreveu livros de sucesso em parcerias com Tiago Reis, Professor Baroni e Felipe Tadewald. Publicou sua primeira obra, “MP Lafer: a recriação de um ícone”, em 2012, de forma independente.