11 Setembro 2001

“Timágenes, que tinha rancor contra Roma e sua prosperidade, costumava dizer que a única razão pela qual se entristece quando incêndios ocorrem em Roma é devido ao seu conhecimento de que surgirão edifícios melhores no lugar daqueles que caem pelas chamas.” ( Sêneca – Carta XCI, 13)

 

Pensamento do dia #35: Só as pedras não demonstram emoção

Estoicismo não é eliminar a emoção ou os sentimentos.  É não ser escravos deles.

Sêneca diz:

…estaria eu aconselhando você a ter um coração duro, desejando que você mantenha seu semblante imóvel na cerimônia fúnebre, e não permitindo que sua alma sinta mesmo uma pitada de dor? De modo algum. Isso significaria insensibilidade e não virtude –   Mas suponha que eu proíba você de mostrar emoção, há certos sentimentos que reivindicam seus direitos próprios. As lágrimas caem, não importa como tentamos controla-las, e, sendo derramadas, aliviam a alma. O que, então, devemos fazer? Deixe-nos permitir que caiam, mas não a ordenemo-las a fazê-lo; deixe-as, de acordo com a emoção, inundar os nossos olhos, mas não como a mera atuação(Carta XCIX, 15-16)

Imagem: Medusa de Gian Lorenzo Bernini, Palazzo dei Conservatori.

 

Pensamento do Dia #32: Todos que anseiam por coisas externas são escravos delas

Sêneca diz:

“Mostre-me um homem que não é um escravo; um é escravo da luxúria, outro da ganância, outro da ambição, e todos os homens são escravos do medo… Nenhuma servidão é mais vergonhosa do que aquela que é auto imposta.” (Carta XLVII, 17)

Sêneca está se referindo ao ensinamento estoico da dicotomia do controle ou seja, que algumas coisas estão sob nosso controle (nossas ações e julgamentos)  enquanto todo o resto não está sob nosso controle, são externas.

Aqueles que valorizam coisas externas se colocam a mercê da sorte (deusa Fortuna) e acabam na posição de escravos das coisas (cargos, reputação) que anseiam.

(imagem Boulanger Gustave, o mercado de escravos)

Pensamento do Dia #31: A filosofia não achou Platão já um nobre; ela o fez um.

“A filosofia não rejeita nem escolhe ninguém; sua luz brilha para todos.

3. Sócrates não era aristocrata. Cleantes trabalhou em um poço e serviu como um homem contratado regando um jardim. A filosofia não achou Platão já um nobre; ela o fez um. Por que então você deve temer ser capaz de se comparar a homens como estes? Eles são todos os seus ancestrais, se você se comportar de maneira digna; e você fará isso se você se convencer, desde o princípio, de que nenhum homem lhe supera em verdadeira nobreza.

4. Todos temos o mesmo número de antepassados; não há homem cujo primeiro começo não fuja da memória. Platão diz: “Todo o rei nasce de uma raça de escravos, e todo escravo tem reis entre seus antepassados”. O passar do tempo, com suas vicissitudes, tem misturado todas essas posições sociais, e a fortuna as virado de cabeça para baixo.

5. Então, quem é bem-nascido? Aquele que por natureza é bem adaptado à virtude.” ( XLIV. 2-5)

Sêneca, Carta 44 – Sobre Filosofia e Pedigrees

(Imagem: Morte de Sócrates por  Jacques-Louis David)

 

Carta 28: Sobre viajar como cura para o descontentamento

Na carta 28 Sêneca retoma o ensinamento de Sócrates de que viajar ou mudar de ambiente não é solução para nossos problemas, isso porque:

“Você pergunta por que tal fuga não o ajuda? É porque você foge acompanhado de você mesmo. Você deve deixar de lado os fardos da mente; até que você faça isso, nenhum lugar irá satisfazê-lo.” (XXVIII.2)

Porém uma vez que a paz interior é atingida, qualquer lugar ou ambiente será agradável:

“você não ficara surpreso em não obter benefício dos cenários novos aos quais você busca através da exaustão das cenas antigas. Pois o primeiro lhe teria agradado de toda forma, se você o tivesse entendido como sendo inteiramente seu. Como é, no entanto, você não está viajando; você está à deriva e sendo conduzido, apenas trocando um lugar por outro, embora o que você procura, – viver bem, – pode ser encontrado em toda parte”. (XXVIII.6)

Na conclusão Sêneca diz “Mas o que importa quantos mestres um homem tem? “Escravidão” não tem plural; e quem a despreza é livre“.

(imagem Mercúrio e Argos por Velazquez, Mercúrio era o deus protetor dos viajantes)


XXVIII. Sobre Viajar como cura para o descontentamento

Saudações de Sêneca a Lucílio.  

  1. Você acha que só você teve essa experiência? Você está surpreso, como se fosse uma novidade, que depois de tão longa viagem e tantas mudanças de cena você não tenha sido capaz de se livrar da tristeza e do peso de sua mente? Você precisa de uma mudança de alma, em vez de uma mudança de clima. Embora você possa atravessar vastos espaços de mar, e embora, como nosso Virgílio observa:  As terras e as cidades são deixadas para trás, Suas falhas o seguirão a qualquer lugar que você viaje. [1]
  2. Sócrates fez a mesma observação a alguém que se queixou; ele disse: “Por que você se admira que viajar o globo não o ajuda, visto que você sempre se leva consigo? A razão que o colocou a vagar está sempre em seu calcanhar.” Que prazer há em ver novas terras? Ou na inspeção de cidades e pontos de interesse? Toda a sua agitação é inútil. Você pergunta por que tal fuga não o ajuda? É porque você foge acompanhado de você mesmo. Você deve deixar de lado os fardos da mente; até que você faça isso, nenhum lugar irá satisfazê-lo.
  3. Reflita que seu comportamento presente é como o da profetisa que Virgílio descreve: ela está excitada e incitada pela fúria e contém dentro de si muita inspiração que não é sua: A sacerdotisa entra em frenesi, se por acaso pode agitar o grande deus do seu coração.[2]
  4. Você perambula para cá e para acolá, para livrar-se do fardo que pesa sobre você, embora este se torne mais problemático por causa de sua própria inquietação, assim como em um navio a carga quando estacionária não traz nenhum problema, mas quando se desloca para os lados, faz o navio inclinar-se lateralmente na direção onde se estabeleceu. Qualquer coisa que você faz diz respeito a você, e você se machuca por sua própria agitação; porque você está agitando um homem doente.
  5. Uma vez esse problema removido, toda mudança de cena se tornará agradável; embora você possa ser levado às extremidades da terra, a qualquer canto de uma terra selvagem que você possa se encontrar, esse lugar, por mais difícil que seja, será uma morada hospitaleira. A pessoa que você é importa mais do que o lugar para o qual você vai; por isso não devemos fazer da mente um fiador para um só lugar. Viva essa crença: “Não nasci para nenhum canto do universo, todo este mundo é meu lar”.
  6. Se você entender este fato claramente, você não ficara surpreso em não obter benefício dos cenários novos aos quais você busca através da exaustão das cenas antigas. Pois o primeiro lhe teria agradado de toda forma, se você o tivesse entendido como sendo inteiramente seu. Como é, no entanto, você não está viajando; você está à deriva e sendo conduzido, apenas trocando um lugar por outro, embora o que você procura, – viver bem, – pode ser encontrado em toda parte.
  7. Pode existir algum lugar tão cheio de confusão como o Fórum? No entanto, você pode viver em silêncio até mesmo lá, se necessário. Naturalmente, se alguém tivesse permissão para fazer os próprios arranjos, deveria fugir da própria vista e vizinhança do Fórum. Pois, assim como os lugares pestilentos atacam até mesmo a constituição mais forte, há também alguns lugares que são prejudiciais para uma mente saudável que ainda não é bastante sólida, pois está se recuperando de sua doença.
  8. Eu discordo daqueles que se atiram nas ondas e, dando boas-vindas a uma existência tempestuosa, lutam diariamente contra os problemas da vida. O sábio suportará tudo isso, mas não o escolherá; ele prefere estar em paz em vez de em guerra. É muito pouco ter eliminado suas próprias falhas, se você deve brigar com as dos outros.
  9. Dizem: “Havia trinta tiranos em torno de Sócrates, e, contudo, eles não podiam quebrar seu espírito”; Mas o que importa quantos mestres um homem tem? “Escravidão” não tem plural; e quem a despreza é livre, – não importa quão grande seja a multidão de senhores que enfrente.
  10. É hora de parar, mas não antes de eu ter pago minha obrigação. “O conhecimento do pecado é o começo da salvação”. Este ditado de Epicuro parece-me ser um nobre. Pois quem não sabe que pecou, não deseja correção; você deve descobrir-se em erro antes que você possa se reformar.
  11. Alguns se vangloriam de suas falhas. Você acha que um homem tem alguma intenção de consertar seus caminhos se considera seus vícios como se virtudes fossem? Portanto, na medida do possível, prove-se culpado, procure acusações contra si mesmo; desempenhe o papel, primeiro de acusador, depois de juiz, por último de executor. Às vezes seja duro com você mesmo.

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.

[1] Trecho de Eneida de Virgílio.
Terraeque urbesque recedant, sequentur te, quocumque perveneris

[2] Trecho de Eneida de Virgílio.
Bacchatur vates, magnum si pectore possit Excussisse deum.

Livro: Sobre a Ira

O maior remédio para a ira é o adiamento” (III.12)

O ensaio Sobre a Ira é dirigido ao irmão mais velho de Sêneca, Gálio. Embora decomposto em três livros, o texto é efetivamente dividido em duas partes.

A primeira parte (I-II.17) trata de questões teóricas, enquanto a segunda parte (II.18 –final) oferece conselhos terapêuticos. A primeira parte começa com um preâmbulo sobre os horrores da ira, seguidos por suas definições. Continua com questões como se a ira é natural, se pode ser moderada, se é involuntária e se pode ser completamente apagada. Sêneca defende a tese – contrária à de outros filósofos da Antiguidade, como Aristóteles, de que a ira sempre é prejudicial. Segundo o romano, um grande homem não deve irar-se nunca e, quando não for possível reprimir a ira, ele deve tentar se acalmar o mais cedo possível.

“Nenhum homem se torna mais corajoso por meio da ira, exceto alguém que, sem ira, não teria sido corajoso: a ira, portanto, não vem para ajudar a coragem, mas para tomar seu lugar” (I.13)

“Nada se convem àquele que inflige punição menos do que a ira, porque a punição tem tanto mais poder de reforma, se a sentença for pronunciada com julgamento deliberado. É por isso que Sócrates disse ao escravo: “Eu surraria você, se não estivesse com ira“. Ele adiou a correção do escravo para uma oportunidade em que estivesse mais calmo; no momento, ele se repreendeu. Quem pode se gabar de ter suas paixões sob controle, quando Sócrates não ousou confiar em si mesmo à sua ira? ” (I.15)

A segunda parte (Livro II.18 em diante) começa com conselhos sobre como evitar a ira e como isso pode ser ensinado a crianças e adultos. Seguido então por vários trechos de conselhos sobre como a ira pode ser adiada ou extinta, e muitos casos reais são dados de exemplos a serem imitados ou evitados. O trabalho conclui com algumas dicas sobre como acalmar outras pessoas, seguido de um resumo da obra.

“Outros vícios afetam nosso julgamento, a ira afeta nossa sanidade: outros vêm em ataques leves e crescem despercebidos, mas as mentes dos homens mergulham abruptamente em ira. Não há paixão mais frenética, mais destrutiva para si mesma; é arrogante se for bem-sucedida e frenética se falhar. Mesmo quando derrotada, ela não se cansa, mas se o acaso coloca seu inimigo além de seu alcance, ela volta seus dentes contra si mesmo.” (III.1)

“Que nada lhe seja permitido enquanto estiver irado. Por que razão? Porque irá querer que tudo lhe seja permitido.” (III.12)

(Imagem busto “Alma danada”, por Gian Lorenzo BerniniPalazzo di Spagna, Roma)


Disponível na lojas:  GooglePlay,  Amazon,  Kobo e  Apple

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Livro da Montecristo Editora

Pensamento do Dia #29: “A vida, se você souber usá-la, é longa”

Não é que tenhamos um curto espaço de tempo, mas que desperdiçamos muito dele. A vida é longa o suficiente, e foi dada em medida suficientemente generosa para permitir a realização das maiores coisas, se a totalidade dela estiver bem investida. Mas quando é desperdiçada em luxo e descuido, quando é dedicada um fim inútil, forçada, finalmente, pela necessidade final, percebemos que já passou antes que estivéssemos conscientes de que estava passando. Assim é – a vida que recebemos não é curta, mas nós a assim fazemos, nem somos dela carentes, mas esbanjadores. Assim como a riqueza grandiosa é esbanjada no momento em que chega às mãos de um mau dono, já a riqueza, por mais limitada que seja, quando confiada a um bom guardião, aumenta, assim também a vida é amplamente longa para aquele que sabe dela bem dispor.  (Sêneca – Sobre a Brevidade da Vida-1 )

(Imagem Morte de Cesar por Vincenzo Camuccini)

 


Dia das Mães: Carta de Sêneca a sua mãe Hélvia

Neste dia das mães voltamos a comentar a carta de consolação enviada por Sêneca a sua mãe.

Nesta carta vemos como Sêneca, ao contrário do costume romano, incentiva também as mulheres a estudarem filosofia:

“Por isso incito-lhe a procurar refúgio onde todos os que procuram conforto para suas mágoas deviam refugiar-se: nos estudos da filosofia. Ela saberá sarar sua ferida, arrancando de você toda queixa.  Oh! se meu pai, que era o melhor dos homens, mas estava demasiadamente preso aos costumes dos antepassados, tivesse desejado que você fosse ensinada ao invés de informada somente dos preceitos da sabedoria! Agora, contra os golpes da fortuna, precisaria não procurar auxílios mas servir-se dos que teria. Mas meu pai não quis que você seguisse sua inclinação para esses estudos por causa das mulheres que se servem da cultura não para tirar regras de sabedoria e sim para enfeitar-se com ela como com custosa joia. Todavia, graças à sua pronta inteligência, assimilou mais que quanto pudesse fazer supor o tempo dedicado à cultura: já lançou os alicerces de toda disciplina. Volte para ela, agora: ela lhe protegerá. Ela lhe consolará” (Consolação a Minha Mãe Hélvia XVII, 4-5)

(imagemSarcófago de Marcus Cornelius Statius ,Louvre)

Leia mais em:

 

 

Como iniciar o estudo do estoicismo

Acredito que a melhor forma de conhecer o estoicismo é ler os clássicos: Epicteto, Sêneca,  Marco Aurélio, Catão e Cícero. Destes, Sêneca é a leitura mais fácil. O livro “Estoicismo” de George Stock é uma envolvente explicação do estoicismo clássico.

Muitos preferem iniciar o estudo lendo textos contemporâneos, nesse caso sugiro ler  William Irvine,  Massimo PigliucciPatrick UssherRyan Holiday este último criticado como “auto-ajuda”.

Uma sugestão é rever os princípios estoicos nas postagens abaixo, e então se aprofundar nas leituras indicadas.

Princípios Estoicos:


Livros recomendados: 

Clássicos:

Cartas I
    

Contemporâneos:

    

(imagem escultura de Nero e Sêneca por Barron – Museo do Prado)

Conheça a Montecristo Editora. Conheça a versão em inglês: The Stoic Letters