Na carta 105 Sêneca lista as causas de insegurança e como evitá-las. Segundo ele, as coisas que levam os homens a se atacarem são inveja, o ódio, o medo e o desprezo. Ele então aprofunda cada uma das causas, mas faz um alerta, pois “algumas pessoas se sentem ofendidas sem terem tido razões para tal”.
O conselho final é para a paz mental é nunca fazer o mal:
“O mais importante para a paz mental é nunca fazer o mal. … Quem teme o castigo, acaba por recebê-lo e quem merece castigo, está sempre à espera dele. Onde há uma consciência culpada, algo pode trazer segurança, mas nada pode trazer tranquilidade; pois um homem imagina que, mesmo que ele não esteja preso, ele pode ser apanhado em breve. … Um malfeitor às vezes tem a sorte de escapar, mas nunca a certeza disso. (CV, 7-8)
1. Devo dizer-lhe certas coisas às quais deve prestar atenção para viver com mais segurança, sem sobressaltos. No entanto escute meus preceitos como se eu estivesse aconselhando você a manter sua saúde em seu território em Ardea. Reflita sobre as coisas que levam o homem a destruir o homem: você descobrirá que elas são a esperança, a inveja, o ódio, o medo e o desprezo.
2. Agora, de tudo isso, o desprezo é o menos nocivo, tanto assim que muitos haviam se escondido atrás dele como uma espécie de cura. Quando um homem lhe despreza, ele o fere, com certeza, mas ele prossegue; e ninguém persistentemente ou com propósito determinado machuca uma pessoa que despreza. Mesmo na batalha, os soldados prostrados são negligenciados: os homens lutam com aqueles que se mantêm firmes.
3. E você pode evitar as esperanças invejosas dos ímpios, desde que você não tenha nada que possa agitar os maus desejos dos outros e enquanto não possuir nada de notável. Pois as pessoas anseiam mesmo coisas pequenas, se estas capturarem a atenção ou forem de ocorrência rara. Você escapará da inveja se você não se expuser à visão pública, se você não se vangloriar de suas posses, se você entender como desfrutar das coisas de forma privada. O ódio ocorre ao entrar em conflito com outros e isso pode ser evitado ao nunca provocar ninguém; ou então, às vezes, não é motivado por nada e o senso comum irá mantê-lo a salvo dele. No entanto, essa espécie de ódio tem sido perigosa para muitos; algumas pessoas foram odiadas sem terem tido razões para inimizade pessoal.
4. Quanto a não ser temido, uma Fortuna moderada e uma disposição fácil garantirão isso; os homens devem saber que você é o tipo de pessoa que pode ser ofendida sem perigo e sua reconciliação deve ser fácil e segura. Além disso, é tão problemático ser temido em casa como no exterior; é tão ruim ser temido por um escravo quanto por um homem livre. Pois cada um tem força o suficiente para causar algum dano. Além disso, aquele que é temido teme também. Ninguém conseguiu despertar o terror e viver em paz.
5. O desprezo continua a ser discutido. Aquele que fez dessa qualidade um complemento de sua própria personalidade, que é desprezado porque deseja ser desprezado e não porque deve ser desprezado, tem a medida do desprezo sob seu controle. Qualquer inconveniente a este respeito pode ser dissipado por ocupações honrosas e por amizades com homens que tenham influência com uma pessoa influente; com estes homens, lhe será útil ter contato, mas não se enredar, para que a proteção não custe mais do que o próprio risco.
6. Nada, no entanto, irá ajudá-lo tanto quanto manter-se quieto – falando muito pouco com os outros, e tanto quanto queira consigo mesmo. Pois há uma espécie de encanto sobre a conversa, algo muito sutil e persuasivo que, como a embriaguez ou o amor, extrai segredos de nós. Ninguém mantém segredo do que ouve. Ninguém dirá a outro apenas o quanto ouviu. E aquele que conta histórias também contará nomes. Todo mundo tem alguém a quem confia tudo o que lhe foi confiado. Embora controle sua própria tagarelice e se contente com um ouvinte, irá trazer sobre ele uma multidão, se o que recentemente era um segredo, se tornar uma conversa comum.
7. O mais importante para a paz mental é nunca fazer o mal. Aqueles que não têm autocontrole conduzem vidas perturbadas e tumultuadas, seus crimes são equilibrados por seus medos e eles nunca estão tranquilos. Pois eles tremem após a ação e ficam envergonhados; suas consciências não permitem que eles se ocupem de outros assuntos e continuamente requerem atenção, numa ansiedade constante. Quem teme o castigo, acaba por recebê-lo e quem merece castigo, está sempre à espera dele.
8. Onde há uma consciência culpada, algo pode trazer segurança, mas nada pode trazer tranquilidade; pois um homem imagina que, mesmo que ele não esteja preso, ele pode ser apanhado em breve. Seu sono é perturbado quando ele fala sobre o crime de outro homem, ele reflete sobre o dele, que nunca lhe parece estar suficientemente escurecido nem suficientemente escondido da visão. Um malfeitor às vezes tem a sorte de escapar, mas nunca a certeza disso.
“Existem mais coisas, Lucílio, suscetíveis de nos assustar do que existem de nos derrotar; sofremos mais na imaginação do que na realidade. … O que eu aconselho você a fazer é, não ser infeliz antes que a crise chegue; já que pode ser que os perigos que o empalidecem como se estivessem o ameaçando agora, nunca cheguem sobre você; eles certamente ainda não chegaram.”
“Assim, algumas coisas nos atormentam mais do que deveriam; algumas nos atormentam antes do que deveriam; e algumas nos atormentam quando não deveriam nos atormentar. Temos o hábito de exagerar, imaginar, antecipar, a tristeza. A primeira dessas três faltas pode ser adiada no momento, porque o assunto está em discussão e o caso ainda está no tribunal, por assim dizer. O que eu chamo de insignificante, você considerará a ser mais grave; pois é claro que eu sei que alguns homens riem enquanto são açoitados, e que outros estremecem com um tapa orelha. Consideraremos mais tarde se esses males derivam seu poder de sua própria força ou de nossa própria fraqueza.” (XIII, 5)
Na Carta 97 Sêneca aborda um tema recorrente em todas as eras: pessoas maduras tendem a acreditar que o passado era melhor e mais íntegro, e que os jovens estão degenerados e equivocados. Mas Sêneca diz que não é nada disso pois essa negligência aos bons costumes são “vícios da humanidade e não dos tempos“.
Ele narra o caso de um político corrupto, Públio Cloto, que escapou da punição subornando e chantageando juízes com dinheiro e sexo, isso na presença de Catão, símbolo moral para Sêneca. Comparando com a política recente teremos mais uma prova da degeneração ser uma característica da humanidade, não dos tempos.
A carta é interessante também pois narra os rituais da Bona Dea (“Boa Deusa”) e da Floralia, em honra à deusa Flora. Cita máximas de Epicuro, concordando em pontos e discordando de alguns detalhes: “Um criminoso pode ter a sorte de conservar-se oculto, mas não pode estar seguro de assim permanecer“.
A conclusão é que o criminoso, mesmo que escape da lei, jamais poderá escapar da própria consciência, e saber que cometeu crime será punição suficiente devido a culpa e a ansiedade de ser pego:
“Boa fortuna libera muitos homens do castigo, mas nenhum homem do medo. E por que seria assim, se não fosse enraizado em nós uma aversão por aquilo que a natureza condenou? Daí mesmo os homens que escondem seus pecados nunca podem contar com o fato de ficarem ocultos; pois suas consciências os convencem e revelam os crimes a si mesmo. Mas é propriedade da culpa ter medo. Ela nos faz doentes devido aos muitos crimes que escapam à vingança da lei e às punições prescritas para que as graves ofensas contra a natureza sejam pagas em dinheiro vivo e porque, em lugar de sofrer a punição, sofremos com o medo.” (XCVII, 16)
1. Você está enganado, meu querido Lucílio, se você acha que o luxo, a negligência aos bons costumes e outros vícios são especialmente característicos de nossa época. Não, são os vícios da humanidade e não dos tempos. Nenhuma era na história esteve isenta de culpa. Além disso, se você começar a levar em conta as irregularidades típicas a qualquer época particular, você encontrará – para a vergonha do homem – que o pecado nunca foi mais explícito do que na própria presença de Catão.
2. Alguém acreditaria que dinheiro mudou de mão no julgamento quando Clódio[1] foi acusado de adultério com a esposa de César, quando ele violou o mistério ritual[2] daquele sacrifício que se é oferecido em nome do povo, quando todos os homens são tão rigorosamente removidos do recinto, tanto que até imagens de todas as criaturas masculinas estão cobertas? E, no entanto, o dinheiro foi dado ao júri e, mais vil do que essa pechincha, crimes sexuais foram exigidos de mulheres casadas e jovens rapazes como uma espécie de contribuição adicional.
3. O crime denunciado envolveu menos pecado do que sua absolvição, pois o réu por adultério parcelou os adultérios e não tinha certeza de sua própria absolvição até ter feito dos jurados criminosos como ele. Tudo isso foi feito no julgamento em que Catão deu testemunho, embora essa fosse sua única participação. Vou citar as reais palavras de Cicero, porque os fatos são tão ruins quanto inacreditáveis:
4. “Ele distribuiu cargos, promessas, súplicas e presentes. E mais do que isso (Céus misericordiosos, que estado de coisas abandonado!) a vários jurados, para completar sua recompensa ele concedeu o gozo de certas mulheres e encontros com jovens nobres”.[3]
5. É supérfluo ficar chocado com o suborno pois as adições ao suborno foram piores. “Você tem interesse na esposa desse indivíduo austero, A.? Muito bom. Ou de B., o milionário? Eu garantirei que você possa se deitar com ela. Se você não cometeu adultério, condene Clódio. Essa beldade que você deseja deve visitá-lo. Garanto-lhe uma noite em companhia dessa mulher sem demora, minha promessa deve ser realizada fielmente dentro do prazo legal de pagamento”. É mais grave distribuir esses crimes do que os cometer; significa chantagear matronas dignas.
6. Estes jurados no julgamento de Clódio pediram ao Senado uma guarda – um favor que só seria necessário para um júri prestes a condenar o acusado; e seu pedido foi concedido. Daí a observação espirituosa de Cátulo depois que o réu ter sido absolvido: “Por que nos pediram a guarda? Tiveram medo de ter seu dinheiro roubado?” E, no entanto, em meio a gracejos como estes, ele ficou impune, ele que antes do julgamento era um adúltero, durante o julgamento, um gigolô e que escapou da condenação mais vilmente do que merecia.
7. Você acredita que qualquer coisa poderia ser mais vergonhosa do que esses padrões morais – quando a luxúria não pode se manter afastada nem do culto religioso, nem dos tribunais? No próprio inquérito realizado em sessão especial por ordem do Senado mais crimes foram cometidos do que investigados. A questão em debate era se alguém poderia estar seguro depois de cometer adultério, foi demonstrado que não se poderia estar seguro sem cometer adultério!
8. Toda essa negociata ocorreu na presença de Pompeu e César, de Cícero e Catão, sim, esse próprio Catão cuja presença, segundo dizia, fazia com que as pessoas se abstivessem de exigir as provocações e caprichos usuais de atrizes nuas na Florália,[4] – se você puder acreditar que os homens eram mais rigorosos em sua conduta em um carnaval do que em um tribunal! Tais coisas serão feitas no futuro, como já foram feitas no passado; e a licenciosidade das cidades às vezes diminuirá através da disciplina e do medo, nunca por si mesma.
9. Portanto, você não precisa acreditar que somos nós quem mais nos entregamos para a luxúria e menos para a lei. Pois os homens jovens de hoje vivem vidas muito mais simples do que as de uma época em que um réu se declararia não culpado de uma acusação de adultério perante os juízes, e os juízes confessariam perante o arguido. Época quando foi praticada a devassidão para garantir um veredicto, e quando Clódio, favorecido pelos próprios vícios dos quais ele era culpado, fez o papel de gigolô durante a audiência do caso. Poderíamos acreditar nisso? Aquele a quem um adultério levou a um inquérito foi absolvido por causa de muitos.
10. Todas as eras produzirão homens como Clódio, mas nem todas as eras, homens como Catão. Degeneramos facilmente porque não nos falta mentores nem associados em nossa maldade, e a perversidade continua por si mesma, mesmo sem mentores ou associados. O caminho para o vício não é apenas morro abaixo, mas em declive acentuado. Muitos homens são tornados incorrigíveis pelo fato de que enquanto que em todos os erros no artesanato trazem vergonha aos bons artesãos e causam vergonha para aqueles que se desviaram, os erros da vida são uma fonte positiva de prazer.
11. O piloto não está contente quando seu navio emborca; o médico não está contente quando enterra seu paciente; o advogado não está contente quando o réu perde um caso por sua culpa; mas, por outro lado, cada homem goza de seus próprios crimes. A. se deleita em uma intriga, pois era a dificuldade que o atraía a ela. B. Delicia-se em falsificação e roubo e só está descontente com o pecado quando seu pecado não atinge o alvo. E tudo isso é o resultado de hábitos pervertidos.
12. Por outro lado, no entanto, para que você possa saber que há uma ideia de boa conduta presente subconscientemente em almas que foram conduzidas até mesmo nas formas mais depravadas e que os homens não são ignorantes do que o mal é, mas indiferentes, eu digo que todos os homens escondem seus pecados e mesmo que o caso seja bem-sucedido aproveita os resultados enquanto esconde os próprios pecados. Uma boa consciência, no entanto, deseja sair e ser vista pelos homens, já a maldade teme a própria sombra.
13. Por isso, considero Epicuro o mais adequado: “Um criminoso pode ter a sorte de conservar-se oculto, mas não pode estar seguro de assim permanecer”,[5] ou, se você acha que o significado pode ser mais claro desta forma: “A razão pela qual não é nenhuma vantagem para os transgressores permanecerem ocultos é que, embora tenham a fortuna, eles não têm a certeza de permanecer em segurança”. É o que quero dizer: os crimes podem ser bem guardados, estar livre da ansiedade, não é possível.
14. Esta visão, eu mantenho, não está em desacordo com os princípios da nossa escola, se assim for explicado. E porque? Porque a primeira e a pior penalidade do pecador é ter cometido o pecado. E o crime, embora a Fortuna se divirta com seus favores, embora ela o proteja e o tome sob sua guarda, nunca pode ficar impune, uma vez que a punição do crime reside no próprio crime. Mas, no entanto, essas segundas penalidades seguem de perto as primeiras: medo constante, terror constante e desconfiança na própria segurança. Por que, então, eu deveria colocar a perversidade livre de tal punição? Porque não hei-de deixá-la sempre em suspenso?
15. Deixe-nos discordar de Epicuro em um único ponto, quando ele declara que não existe uma justiça natural e que o crime deve ser evitado porque não se pode escapar do medo que resulta dele; deixe-nos concordar com ele do outro ponto, que as más ações são açoitadas pelo chicote da consciência e essa consciência é torturada em maior grau porque a ansiedade interminável a impulsiona e chicoteia, e não pode confiar nos fiadores de sua própria paz mental. Por isso, Epicuro é a própria prova de que somos, por natureza, relutantes em cometer crimes, porque mesmo em circunstâncias de segurança, não há quem não sinta medo.
16. Boa fortuna libera muitos homens do castigo, mas nenhum homem do medo. E por que seria assim, se não fosse enraizado em nós uma aversão por aquilo que a natureza condenou? Daí mesmo os homens que escondem seus pecados nunca podem contar com o fato de ficarem ocultos; pois suas consciências os convencem e revelam os crimes a si mesmo. Mas é propriedade da culpa ter medo. Ela nos faz doentes devido aos muitos crimes que escapam à vingança da lei e às punições prescritas para que as graves ofensas contra a natureza sejam pagas em dinheiro vivo e porque, em lugar de sofrer a punição, sofremos com o medo.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] NT: Públio Clódio Pulcro (Publius Clodius Pulcher), mais conhecido apenas como Clódio, foi um político da República Romana conhecido por suas táticas populistas.
[2] NT: Os ritos de Bona Dea (“Boa Deusa”) eram realizados em dezembro na casa de um importante magistrados de Roma. Em 62 a.C., a cerimônia seria realizada na residência oficial de Júlio César, o pontífice máximo, em Régia. As anfitriãs foram sua esposa, Pompeia, e sua mãe, Aurélia, com a supervisão das virgens vestais. Este era um culto do qual os homens não tinham permissão para falar ou mesmo de saber o nome da deusa, que era chamada de “Boa Deusa”. Clódio se intrometeu nos ritos disfarçado de mulher, supostamente com o objetivo de seduzir Pompeia, mas foi descoberto. O crime de Clódio era, portanto, duplamente grave: adultério e violação religiosa
[4] A Floralia era um festival romano, em honra à deusa Flora, ocorrido no mês de maio e ligado ao ciclo agrário com objetivo de consagrar as florações da primavera. Haviam representações teatrais, solturas de animais associados à fertilidade e divertimentos realizados no Circo Máximo.
“Existem mais coisas, Lucílio, susceptíveis de nos assustar do que existem de nos derrotar; sofremos mais na imaginação do que na realidade. … O que eu aconselho você a fazer é, não ser infeliz antes que a crise chegue; já que pode ser que os perigos que o empalidecem como se estivessem o ameaçando agora, nunca cheguem sobre você; eles certamente ainda não chegaram.”
Atenção: Entendo que as medidas de contenção são válidas e que o problema é real. A imagem foi escolhida para alertar contra o pânico e medo irracional. Você provavelmente já tem papel higiênico suficiente em casa.
Quando medo e pânico tomam conta do noticiário é aconselhável parar e ler o que sábios do passado nos deixaram de legado. Na 13° Carta de Sêneca ele fala sobre medos infundados. Vale a pena reler!
“Existem mais coisas, Lucílio, susceptíveis de nos assustar do que existem de nos derrotar; sofremos mais na imaginação do que na realidade… Assim, algumas coisas nos atormentam mais do que deveriam; algumas nos atormentam antes do que deveriam; e algumas nos atormentam quando não deveriam nos atormentar. “
Na carta 78 Sêneca explica como a mente treinada em filosofia tem capacidade de cura. Para o estoicismo uma mente tranquila e receptiva, uma atitude serena e positiva, e um estado de equilíbrio e harmonia protegem a saúde do corpo.
A carta começa com a experiência pessoal de Sêneca, que sofria de problemas pulmonares, provavelmente asma. Conta que quase morreu, ficando reduzido a extrema magreza, mas que graças a filosofia recuperou suas forças:
“tudo o que eleva a alma ajuda o corpo também. Meus estudos foram minha salvação. Eu credito à filosofia que tenha recuperado minhas forças. Devo minha vida à filosofia, e essa é a menor das minhas obrigações!” (LXXVIII, 3)
Depois da anedota particular, Sêneca decompõe os elementos psicológicos da doença, que para ele são:
medo da morte;
dor corporal;
interrupção dos prazeres.
Então nos ensina como a filosofia pode aplacar cada um deles. Sobre a morte, afirma:
Você vai morrer, não porque você está doente, mas porque você está vivo; Mesmo após você tiver sido curado, o mesmo fim o espera; quando você se recuperar, não será da morte, mas da má saúde, que você escapou. (LXXVIII,6)
Em relação a dor, nos tranquiliza dizendo que a natureza nos fez de maneira que “nenhum homem pode sofrer severamente e por muito tempo“, afirmando que qualquer dor será “suportável ou curta.“
Depois foca no terceiro ponto, ou seja, a interrupção dos prazeres ocasionado pela doença. Para Sêneca nossos próprios desejos desaparecem quando aparece a enfermidade, então “não há amargura em ficar sem o que você deixou de desejar.“
Conclui a carta recomendando a Lucílio que foque no presente e lembre que mesmo doente um homem pode mostrar seu valor:
“Dois elementos devem ser erradicados de uma vez por todas: o medo do sofrimento futuro e a lembrança do sofrimento passado; já que este último não me preocupa mais, e o primeiro não me preocupa ainda.” (LXXVIII, 14)
“um homem pode mostrar bravura mesmo quando envolvido em pijama hospitalar. Você tem algo a fazer: lutar bravamente contra a doença.” (LXXVIII, 21)
1. Estou
desolado por ouvir que é frequentemente incomodado pelo catarro e por crises
curtas de febre que os seguem e, particularmente porque eu mesmo experimentei
esse tipo de doença e a desprezei em seus estágios iniciais. Pois quando eu
ainda era jovem, eu podia suportar dificuldades e mostrar um semblante ousado
para a doença. Mas eu finalmente sucumbi, e cheguei a tal estado que não podia
fazer nada além de fungar, reduzido a extrema magreza[1].
2. Eu frequentemente
debati com o impulso de terminar minha vida; mas a lembrança do meu velho pai
me manteve em pé. Pois eu refleti, não como corajosamente eu tinha o poder de
morrer, mas quão pouco poder ele teria em suportar corajosamente a perda de
mim. E assim me mandei viver. Por vezes
é um ato de bravura até mesmo viver.
3. Agora
vou dizer-lhe o que me consolou nesses dias, afirmando desde o início que estas
mesmas ajudas à minha paz de espírito eram tão eficazes quanto a medicina. Consolação
honrosa resulta em cura; e tudo o que
eleva a alma ajuda o corpo também. Meus estudos foram minha salvação. Eu credito
à filosofia que tenha recuperado minhas forças. Devo minha vida à filosofia, e
essa é a menor das minhas obrigações!
4. Meus
amigos, também, me ajudaram muito em atingir a boa saúde; eu costumava ser
confortado por suas palavras animadoras, pelas horas que passavam à minha
cabeceira e por sua conversa. Nada, meu excelente Lucílio, refresca e auxilia
um doente tanto quanto o afeto de seus amigos; nada mais rouba a expectativa e
o medo da morte. Na verdade, eu não podia acreditar que, se eles sobrevivessem
a mim, eu deveria morrer. Sim, repito, pareceu-me que eu deveria continuar a
viver, não com eles, mas através deles. Imaginei-me a não ceder a minha alma,
mas a transferir para eles. Todas estas coisas me deram a disposição de me
socorrer e suportar qualquer tortura; além disso, é um estado muito miserável
ter perdido o entusiasmo em morrer, e não ter nenhum entusiasmo em viver.
5. Esses,
então, são os remédios aos quais você deve recorrer. O médico prescreverá seus
passeios e seu exercício; ele o advertirá a não se tornar viciado na
ociosidade, como é a propensão do inválido inativo; ele ordenará que você leia
com mais força e exercite em seus pulmões as passagens e cavidades afetadas; ou
a navegar e sacudir suas entranhas por um movimento suave; ele recomendará o
alimento apropriado, e o momento apropriado para auxiliar sua força com vinho
ou abster-se dele a fim reduzir sua tosse. Mas quanto a mim, o meu conselho
para você é este, – e é uma cura, não apenas desta sua doença, mas para toda a
sua vida, – “Despreze a morte”. Não há sofrimento no mundo, quando
escapamos do medo da morte.
6. Há três elementos sérios em cada doença: medo da morte, dor corporal e interrupção dos prazeres. Sobre a morte já foi dito, e eu vou acrescentar apenas uma palavra: este medo não é um medo da doença, mas um medo da natureza. Muitas vezes a doença adia a morte, e a visão da morte tem sido a salvação de muitos homens. Você vai morrer, não porque você está doente, mas porque você está vivo; Mesmo após você tiver sido curado, o mesmo fim o espera; quando você se recuperar, não será da morte, mas da má saúde, que você escapou.
7. Voltemos
agora à consideração da desvantagem característica da doença: é acompanhada por
grande sofrimento. O sofrimento, no entanto, é tornado suportável por
interrupções; pois a tensão da dor extrema deve chegar ao fim. Nenhum homem
pode sofrer severamente e por muito tempo; A natureza, que nos ama com muita
ternura, nos constituiu para fazer a dor suportável ou curta.
8. As dores
mais severas têm seu assento nas partes mais esbeltas de nosso corpo: nervos,
articulações e qualquer outra das passagens estreitas, machucam mais cruelmente
quando desenvolvem problemas dentro de seus espaços contraídos. Mas estas partes
tornam-se logo entorpecidas e, por causa da própria dor, perdem a sensação de
dor, seja porque a força vital, quando enquadrada em seu curso natural e
alterada para o pior, perde o poder peculiar através do qual prospera e através
da qual ela nos adverte, ou porque os humores enfermos do corpo, quando deixam
de ter um lugar em que possam fluir, são lançados de volta sobre si mesmos e
privam de sensação as partes em que causaram a congestão.
9. Tanto a
gota, não só nos pés como nas mãos, e toda a dor nas vértebras e nos nervos,
têm seus intervalos de descanso em momentos em que têm entorpecido as partes
que antes torturaram; as primeiras pontadas, em todos esses casos, são o que
causa a angústia, e seu início é determinado por lapso de tempo, de modo que há
um fim na dor quando o entorpecimento se inicia. A dor nos dentes, olhos e
ouvidos é mais aguda pelo fato de estar entre os estreitos espaços do corpo,
não menos aguda do que na própria cabeça. Mas se é mais violenta do que o
habitual, ela se transforma em delírio e estupor.
10. Isto é,
por conseguinte, um consolo para a dor excessiva, – que você deixará de
senti-la se sentir em excesso. A razão, entretanto, por que os inexperientes
são impacientes quando seus corpos sofrem é que eles não se habituaram a se
contentar em espírito. Eles têm estado intimamente associados com o corpo.
Portanto, um homem de mente elevada e sensível separa a alma do corpo, e convive
com a parte melhor ou divina, e somente na medida em que é obrigado, com a
parte queixosa e frágil.
11.
“Mas é uma dificuldade”, dizem os homens, “ficar sem os nossos
prazeres habituais, – jejuar, sentir sede e fome”. Estes são realmente
graves quando primeiro se abstém deles. Mais tarde o desejo morre, porque os
próprios apetites que levam ao desejo se cansam e nos abandonam; então o
estômago torna-se petulante, então o alimento pelo qual nós suplicávamos antes
se torna odioso. Nossos próprios desejos desaparecem. E não há amargura em ficar sem o que você deixou de desejar.
12. Além
disso, toda dor, por vezes, para, ou de qualquer modo afrouxa; além disso,
pode-se tomar precauções contra o seu retorno, e, quando ameaça, podemos
controlá-la por meio de remédios. Cada variedade de dor tem seus sintomas
premonitórios; isso é verdade, principalmente, na dor habitual e recorrente.
Podemos suportar o sofrimento que a doença ocasiona, quando consideramos seus
resultados com desprezo.
13. Mas não
por você mesmo faça as suas angústias mais pesadas carregando-as de queixas. A
dor é ligeira se seu juízo não acrescentou nada; mas se, por outro lado, você
começar a encorajar a si mesmo e dizer: “Não é nada, – é um assunto
insignificante, mantenha um coração forte e que em breve cessará”; Em
seguida, ao pensar que é leve, você vai torná-la leve. Tudo depende da opinião;
ambição, luxo, ganância, está ligado à opinião. É de acordo com a opinião que
sofremos.
14. Um
homem é tão miserável como se convenceu que seja. Creio que devemos acabar com
a queixa sobre os sofrimentos passados e com toda a linguagem como esta:
“Ninguém nunca esteve pior do que eu. Que sofrimentos, que males tenho
suportado! Ninguém pensa que eu me recuperarei. Minha família lamenta por mim,
e os médicos desistiram de mim! Homens que são torturados não são despedaçados
com tanta agonia!” No entanto, mesmo se tudo isso é verdade, é findo e
passou. Que benefício há na revisão de sofrimentos passados, e em ser infeliz,
só porque uma vez que você esteve infeliz? Além disso, todos acrescentam muito
aos seus próprios males e contam mentiras para si mesmo. E o que era amargo de
suportar é agradável de ter suportado; é natural regozijar-se com o fim dos
males. Dois elementos devem ser
erradicados de uma vez por todas: o medo do sofrimento futuro e a lembrança do
sofrimento passado; já que este último não me preocupa mais, e o primeiro não
me preocupa ainda.
15. Mas,
quando estivermos no meio dos problemas, deveríamos dizer:
Talvez um dia a
lembrança desta tristeza
vai até mesmo trazer
prazer.
Deixe um
homem lutar contra eles com toda a sua força: se uma vez cede, vai ser vencido;
mas se luta contra os seus sofrimentos, vencerá. De fato, no entanto, o que a
maioria dos homens faz é arrastar em suas próprias cabeças uma ruína que eles
deveriam tentar erradicar. Se você começar a retira seu apoio daquilo que lhe
faz avançar e cambaleia e está pronto para submergir, a derrota irá seguir você
e se apoiar mais pesadamente sobre você; mas se você se mantiver firme e se
decidir a revidar, ela será forçada para trás.
16. Que
golpes os atletas recebem no rosto e em todo o corpo! No entanto, por seu
desejo de fama, eles sofrem cada tortura, e eles sofrem essas coisas não só
porque eles estão lutando, mas para poder lutar. Seu próprio treinamento
significa tortura. Portanto, deixemos conseguir também o caminho para a vitória
em todas as nossas lutas, pois a recompensa não é uma guirlanda, nem um ramo de
palmeira, nem um trompetista que pede silêncio ao proclamar nossos nomes, mas
sim virtude, firmeza de alma e paz que é ganha para sempre, se a fortuna for
completamente vencida em qualquer combate. Você diz, “eu sinto dor
severa.”
17. O que
então; você será aliviado de senti-la, se você a suportar como uma mulher?
Assim como um inimigo é mais perigoso para um exército em retirada, também cada
problema que a fortuna nos traz nos ataca mais ainda se cedermos e virarmos as
costas. – “Mas o problema é sério”. O que? É para este propósito que
somos fortes, – para que tenhamos cargas leves a suportar? Você teria sua
doença prolongada, ou a faria rápida e curta? Se é longa, significa uma trégua,
permite-lhe um período para descansar a si mesmo, concede a você a bênção do
tempo em abundância; assim como surge, também deve retroceder. Uma doença curta
e rápida fará uma de duas coisas: ela irá saciar-se ou ser extinguida. E que
diferença faz se ela não é mais ou eu não o sou? Em ambos os casos, há um fim
da dor.
18. Isso,
também, ajudará – a focar a mente para pensamentos de outras coisas e, assim,
afastar-se da dor. Lembre-se de que atos honrados ou corajosos que fez;
considere o lado bom de sua própria vida. Discorra em sua memória aquelas
coisas que você particularmente admirou. Então pense em todos os homens
corajosos que superaram a dor: daquele que continuou a ler seu livro enquanto
permitiu o corte das veias com varizes; daquele que não cessava de sorrir,
embora aquele mesmo sorriso enfurecesse tanto seus torturadores que
experimentavam sobre ele todo instrumento de sua crueldade. Se a dor pode ser
conquistada por um sorriso, não será conquistada pela razão?
19. Você
pode me dizer agora o que você quiser – de resfriados, ataques de tosse que
trazem para cima partes de nossas entranhas, febre que enche nossos órgãos
vitais, sede, membros tão torcidos que as articulações se projetam em
diferentes direções; ainda pior do que estes são a estaca, a cremalheira, o
ferro em brasa, o instrumento que reabre as feridas enquanto as feridas estão
ainda inchadas e que impulsiona sua marca ainda mais profundamente. No entanto,
houveram homens que não pronunciaram gemidos em meio a essas torturas. – Mais
ainda! Diz o torturador; mas a vítima não implora por libertação. – Mais ainda!
Ele diz novamente; mas nenhuma resposta chega. – Mais ainda! A vítima sorri, e
de coração. Você não pode tentar, após um exemplo como este, também zombar da
dor?
20.
“Mas”, objeta, “a minha doença não me permite fazer nada,
afastou-me de todos os meus deveres”. É o seu corpo que é prejudicado pela
má saúde, e não a sua alma. É por esta razão que obstrui os pés do corredor e
dificulta a obra do sapateiro ou do artesão; mas se sua alma estiver
habitualmente em prática, você vai peticionar e ensinar, ouvir e aprender,
investigar e meditar. O que mais é necessário? Você acha que não está fazendo
nada se possui autocontrole mesmo doente? Você estará mostrando que uma doença
pode ser superada, ou de qualquer forma suportada.
21. Há, asseguro-lhe, um lugar para a virtude mesmo sobre um leito de hospital. Não é só a espada e a frente de batalha que provam a alma alerta e não conquistada pelo medo; um homem pode mostrar bravura mesmo quando envolvido em pijama hospitalar. Você tem algo a fazer: lutar bravamente contra a doença. Se ela não o obrigar a nada, não o seduzir a nada, é um exemplo notável que exibirá. Que grande assunto para a fama, se pudéssemos ter espectadores de nossa doença! Seja seu próprio espectador; busque seus próprios aplausos.
22.
Novamente, há dois tipos de prazeres. A doença restringe os prazeres do corpo,
mas não acaba com eles. Não, se a verdade for considerada, serve para excitá-los;
porque quanto mais sedento é um homem, mais ele gosta de beber; quanto mais
fome ele tem, mais prazer toma na comida. O que quer que se obtenha depois de
um período de abstinência é recebido com maior entusiasmo. O outro tipo, no
entanto, os prazeres da mente, que são maiores e menos incertos, nenhum médico
pode recusar ao doente. Quem procura estes e sabe bem o que são, despreza todos
os prazeres dos sentidos.
23. Os
homens dizem: “Pobre companheiro doente!” Mas por que? É porque ele
não mistura neve com o seu vinho, ou porque ele não reaviva o frio de sua
bebida – misturado como está em uma tigela de bom tamanho com lascas de gelo?
Ou porque não tem ostras frescas do Lago de Lucrino[3] abertas à sua mesa? Ou porque não há nenhum barulho de cozinheiros em sua sala
de jantar, pois eles trazem em seu aparelho de cozinha junto com seus
mantimentos? Pois o luxo já inventou essa moda – de levar a cozinha para
acompanhar o jantar, para que a comida não fique morna ou não seja
insuficientemente quente para um paladar já endurecido pelo mimo.
24.
“Pobre doente!” – Ele vai comer tanto quanto pode digerir. Não haverá
javali diante de seus olhos, banido da mesa como se fosse uma carne comum; e no
seu aparador não haverá amontoado nenhum de carne de peito de pássaros, porque
o enoja ver pássaros servidos inteiros. Mas que mal lhe foi feito? Você vai
jantar como um homem doente, ou às vezes, como um homem sadio.
25. Todas
estas coisas, no entanto, podem ser facilmente suportadas – o mingau, a água
morna, e qualquer outra coisa que parece insuportável para um homem exigente,
para quem está chafurdando no luxo, doente na alma e não no corpo – se apenas
deixarmos de estremecer com a morte. E deixaremos, apenas quando tivermos
adquirido o conhecimento dos limites do bem e do mal; então, e só então, a vida
não nos cansará, nem a morte nos fará temer.
26. Porque
o excesso de si mesmo nunca pode aproveitar uma vida que avalia todas as coisas
que são múltiplas, grandes, divinas; Só o ócio inútil costuma fazer os homens
odiarem suas vidas. Para aquele que percorre o universo, a verdade nunca pode
esmorecer; serão as inverdades que irão enfastiar.
27. E, por
outro lado, se a morte se aproxima com seu chamado, mesmo que intempestivo em
sua chegada, mesmo cortado em seu primor, um homem já provou o gosto de tudo o
que uma vida mais longa poderia dar. Tal homem, em grande medida, chegou a
compreender o universo. Ele sabe que as coisas honrosas não dependem do tempo
para o seu crescimento; mas qualquer
vida deve parecer curta para aqueles que medem seu comprimento por prazeres que
são vazios e por isso sem limites.
28.
Refresque-se com pensamentos como estes, e, entretanto, reserve algumas horas
para nossas cartas. Chegará um tempo em que nos uniremos novamente; por mais
curto que este tempo possa ser, vamos fazê-lo longo, sabendo como empregá-lo.
Pois, como afirma Posidônio: “Um só dia entre os sábios dura mais do que a
vida mais longa dos ignorantes”.
29. Enquanto isso, agarre-se a este pensamento e abrace-o de perto: não ceda à adversidade; não confie na prosperidade; mantenha diante de seus olhos todo o alcance do poder da Fortuna, como se ela certamente fosse fazer tudo o que pode fazer. Aquilo que há muito tempo se espera vem mais suavemente.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] A tal ponto que
Calígula, inimigo de Sêneca, se absteve de executá-lo, com o pretexto que logo
morreria.
[3] Lago de Lucrino é
um lago de água salgada da Campânia, no sul da Itália. Nos dias romanos, sua
pescaria era importante e suas ostras muito apreciadas – como são ainda hoje.
Na carta 77, Sêneca volta a abordar o tema suicídio e sua aprovação pelo estoicismo. Interessante fazer um paralelo com a morte do próprio filósofo, que foi condenado a cometer suicídio por Nero. Ele não revelou nenhum medo da morte, e muito pelo contrário, abraçou-a. Essa carta ajuda a entender o porquê.
Sêneca separa o medo da morte em suas partes componentes:
medo de adoecer;
medo do que é desconhecido;
medo de deixar as coisas desfeitas na Terra;
medo de como se deixará para trás os entes queridos; e,
medo da dor.
Onde estes componentes coincidem, há uma combinação de emoções que é difícil lidar de uma só vez porque tudo acontece de repente. Portanto, a tarefa é fazer “flexões emocionais”, para lidar com a morte. Sêneca aconselha que a melhor maneira de fazer isso é a maneira como nos preparamos regularmente para lidar com problemas emocionais: praticar. Para isso, descreve na carta exemplos de casos de suicídios:
“Não havia necessidade de espada ou de derramamento de sangue; por três dias ele jejuou e teve uma tenda colocada em seu próprio quarto. Em seguida, uma banheira foi trazida; permaneceu nela por um longo tempo e, à medida que a água quente continuava a derramar-se sobre ele, ele gradualmente faleceu”. (LXXVII, 9)
“Você acha, suponho, que agora seria correto eu citar alguns exemplos de grandes homens. Não, vou citar o caso de um menino. A história do rapaz espartano foi preservada: tomado prisioneiro enquanto ainda um adolescente: “Eu não serei um escravo!” E cumpriu a sua palavra;(LXXVII, 13)
Para Sêneca, “Em qualquer ponto que você deixe de viver, desde que você saia nobremente, sua vida é completa.”
1. De repente, chega à nossa visão hoje os navios “alexandrinos”, quero dizer aqueles que normalmente são enviados adiante para anunciar a chegada da frota; eles são chamados de “barcos de correio”. Os camponeses estão felizes em vê-los; Toda a plebe de Puteoli[1] está nas docas e pode reconhecer os barcos “alexandrinos”, não importa quão grande a multidão de navios, pelo próprio recorte de suas velas. Pois somente eles podem manter as suas velas superiores, que todos os navios usam quando no alto-mar.
2. Porque
nada propulsiona um navio tão bem como sua lona superior; que é de onde a maior
parte da velocidade é obtida. Assim, quando a brisa se enrijece e se torna mais
forte do que é confortável, eles colocam suas velas mais a baixo; pois o vento
tem menos força perto da superfície da água. Assim, quando eles atingem Capri e
o promontório de onde
Gigante Palas vigia sobre o pico tempestuoso,
Alta proceiloso speculatur vertice Pallas,
Todas as
outras embarcações são convidadas a contentar-se com a vela maior, e a vela
superior destaca-se visivelmente nos barcos alexandrinos.
3. Enquanto
todo mundo se movia e se apressava para a beira d’água, sentia muito prazer na
minha preguiça, porque, embora logo recebesse cartas de meus amigos, não tinha
pressa de saber como meus negócios estavam progredindo no exterior, ou que
notícias traziam as cartas; há algum tempo eu não tenho perdas nem ganhos.
Mesmo se não fosse um homem velho, não poderia ter ajudado a sentir prazer
nisso; mas como é, o meu prazer foi muito maior. Pois, por mais minúsculas que
fossem minhas posses, ainda teria de ter mais dinheiro para viagem do que
jornadas para viajar, especialmente porque esta viagem em que partimos é uma
que não precisa ser seguida até o fim.
4. Uma
expedição será incompleta se parar no meio caminho, ou em qualquer lugar deste
lado do nosso destino; mas a vida não é incompleta se for honrada. Em qualquer ponto que você deixe de viver,
desde que você saia nobremente, sua vida é completa. Muitas vezes, no
entanto, deve-se abandonar corajosamente, e nossas razões, portanto, não
precisam serem importantes; pois nem as razões graves nos mantêm aqui.
5. Túlio
Marcelino, um homem que você conheceu muito bem, que na juventude era uma alma
tranquila e envelheceu prematuramente, adoeceu de um mal que não era
desesperador; mas era prolongado e problemático, e exigia muita atenção; daí
ele começou a pensar em morrer. Ele reuniu muitos de seus amigos. Cada um deles
deu conselhos a Marcelino, o amigo temeroso instando-o a fazer o que tinha
decidido fazer; o amigo lisonjeiro e blandicioso dando conselhos que supunha
que seriam mais agradáveis a Marcelino;
6. Mas
nosso amigo estoico, homem raro, e para elogiá-lo em linguagem que ele merece,
um homem de coragem e vigor o admoestou melhor, como me parece. Pois ele
começou da seguinte maneira: “Não se atormente, meu caro Marcelino, como
se a questão que você está ponderando fosse importante, não é importante viver,
todos os seus escravos vivem e todos os animais; mas é importante morrer de
forma honrosa, sensata e corajosa. Reflita quanto tempo você tem feito a mesma
coisa: comida, sono, luxúria – esta é a ronda diária de cada um. O desejo de
morrer pode ser sentido não só pelo homem sensível ou o homem corajoso ou
infeliz, mas até mesmo pelo homem que está apenas saciado.
7.
Marcelino não precisava de alguém para exortá-lo, mas sim alguém para ajudá-lo;
seus escravos se recusaram a cumprir suas ordens. O estoico, portanto, removeu
seus medos, mostrando-lhes que não havia risco envolvido para a criadagem,
exceto quando era incerto se a morte do mestre fora desejada ou não; além
disso, é uma prática tão ruim matar seu senhor como é impedi-lo de se matar à
força.
8. Então
sugeriu ao próprio Marcelino que seria um ato gentil distribuir presentes para
aqueles que o haviam acompanhado ao longo de toda a sua vida, quando essa vida
estava terminada, assim como, quando um banquete é terminado, a parte restante
é dividida entre os participantes que estão à mesa. Marcelino era de uma
disposição condescendente e generosa, mesmo quanto a própria propriedade; assim
distribuiu poucas somas entre seus escravos pesarosos, e também os consolou.
9. Não
havia necessidade de espada ou de derramamento de sangue; por três dias ele
jejuou e teve uma tenda colocada em seu próprio quarto. Em seguida, uma
banheira foi trazida; permaneceu nela por um longo tempo e, à medida que a água
quente continuava a derramar-se sobre ele, ele gradualmente faleceu, não sem
uma sensação de prazer, como ele mesmo observou, – tal sentimento como uma
extinção lenta costuma dar. Aquele de nós que já desmaiou sabe por experiência
o que é este sentimento.
10. Esta
pequena anedota em que eu tenho divagado não será desagradável para você. Pois
verá que seu amigo não partiu nem com dificuldade nem com sofrimento. Embora se
suicidasse, ele se afastou com suavidade, saindo da vida. A anedota também pode
ser de alguma utilidade; Pois muitas vezes uma crise exige apenas esses exemplos.
Há momentos em que devemos morrer e não estamos dispostos; às vezes morremos e
não estamos dispostos.
11. Ninguém
é tão ignorante a ponto de não saber que devemos morrer em algum momento; no
entanto, quando alguém se aproxima da morte, alguém se vira para fugir, treme e
lamenta. Você não o consideraria um
completo tolo aquele que chorasse por não ter estado vivo por mil anos? E não é
tanto quanto um tolo aquele que chora porque não estará vivo daqui a mil anos?
É tudo o mesmo; você não será, e você não era. Nenhum destes períodos de
tempo pertence a você.
12. Você
foi lançado sobre este ponto do tempo; se você o pudesse fazer mais longo, por
quanto tempo você o faria? Por que chorar? Por que rezar? Você está tomando
dores sem propósito.
Desista de pensar que suas orações podem dobrar Decretos divinos de seu fim predestinado.
Estes
decretos são inalteráveis e fixos; eles são governados por uma compulsão
poderosa e eterna. Seu objetivo será o objetivo de todas as coisas. O que há de
estranho nisso para você? Você nasceu para estar sujeito a esta lei; este
destino aconteceu ao seu pai, à sua mãe, aos seus antepassados, a todos os que
vieram antes de você; e sucederá a todos os que vierem após. Uma sequência que
não pode ser quebrada ou alterada por qualquer poder liga todas as coisas e
arrasta todas as coisas em seu curso.
13. Pense
na multidão de homens condenados à morte que virão depois de você, das
multidões que irão contigo! Você morreria mais corajosamente, suponho, na
companhia de muitos milhares; e ainda há muitos milhares, tanto de homens como
de animais, que neste exato momento, enquanto você é irresoluto sobre a morte,
estão respirando pela última vez, de várias maneiras. Mas você, – você
acreditou que algum dia não alcançaria o destino para o qual você sempre
viajou? Toda viagem tem seu fim.
14. Você
acha, suponho, que agora seria correto eu citar alguns exemplos de grandes
homens. Não, vou citar o caso de um menino. A história do rapaz espartano foi
preservada: tomado prisioneiro enquanto ainda um adolescente, ele continuou
chorando em seu dialeto dórico[3],
“Eu não serei um escravo!” E cumpriu a sua palavra; na primeira vez
foi ordenado que fizesse um serviço humilde e degradante, – e o comando era
buscar um pinico de quarto, – ele partiu seu cérebro contra a parede.
15. Tão
perto está a liberdade, e alguém ainda é escravo? Você não preferiria que seu
próprio filho morresse assim do que alcançasse a velhice como um fraco
submisso? Por que, então, você está angustiado, quando até mesmo um menino pode
morrer tão bravamente? Suponha que você se recuse a segui-lo; você será
conduzido. Tome em seu próprio controle o que está agora sob o controle de
outro. Você não vai pegar emprestado a coragem do menino e dizer: “Eu não
sou escravo!”? Infeliz companheiro, você é um escravo dos homens, você é
um escravo do seu negócio, você é um escravo da vida. Pois a vida, se a coragem para morrer faltar, é escravidão.
16. Você
tem algo que vale a pena esperar? Seus próprios prazeres, que fazem com que
você se demore e lhe segura, já estão exaustos. Nenhum deles é uma novidade
para você, e não há nenhum que não tenha se tornado odioso porque já está
enfastiado por ele. Você sabe o sabor do vinho e dos licores. Não faz diferença
se centenas ou milhares de medidas passam por sua bexiga; você não é nada senão
um filtro. Você é conhecedor do sabor da ostra e do salmonete; o seu luxo não
deixou nada a ser desbravado em anos vindouros; e ainda assim estas são as
coisas das quais você é arrancado involuntariamente.
17. O que
mais você lamentaria ter retirado de você? Amigos? Mas quem pode ser um amigo
para você? País? O que? Você considera o suficiente seu país para se atrasar
para o jantar? A luz do sol? Você iria extingui-la, se pudesse; pois o que é
que você já fez que estivesse apto a ser visto na luz? Confesse a verdade; não
é porque você almeja a câmara do senado ou o fórum, ou mesmo pelo o mundo da
natureza, que você gostaria de adiar a morte; é porque você é relutante em
deixar o mercado de peixe, embora você tenha esgotado seus estoques.
18. Você
tem medo da morte; mas como você pode desprezá-la no meio de uma ceia de
cogumelos[4]?
Você deseja viver; bem, você sabe como viver? Você tem medo de morrer. Mas
venha agora: esta sua vida é algo além da morte? Caio César estava passando
pela Via Latina, quando um homem saiu das fileiras dos prisioneiros, com a
barba grisalha pendendo até o peito, e implorando para ser morto. “O
que!” Disse César, “você está vivo agora?” Essa é a resposta que
deve ser dada aos homens a quem a morte viria como um alívio. “Você tem
medo de morrer, o que! Você está vivo agora?”
19.
“Mas,” diz um, “eu desejo viver, pois estou empenhado em muitas
buscas honrosas. Eu sou relutante em deixar os deveres da vida, os quais estou
cumprindo com lealdade e zelo.” Certamente
você está ciente de que morrer também é um dos deveres da vida? Você não está
abandonando nenhum dever; porque não há um número definido estabelecido que você
seja obrigado a completar.
20. Não há vida que não seja curta. Comparado com o mundo da natureza, mesmo a vida de Nestor era curta, ou Sátia[5], a mulher que mandou esculpir em sua lápide que tinha vivido noventa e nove anos. Algumas pessoas, veja, vangloriam-se de suas longas vidas; mas quem poderia ter suportado a velha senhora se ela tivesse tido a sorte de completar seu centésimo ano? É com a vida como é com uma peça de teatro – não importa por quanto tempo a ação é tecida – mas quão boa é a atuação. Não faz diferença em que ponto você para. Pare quando quiser; apenas providencie que o ato de encerramento seja bem realizado[6].
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Puteoli, na baía
de Nápoles, foi o quartel-general na Itália do importante comércio de grãos com
o Egito, no qual os magistrados romanos contavam para alimentar a população.
[3] O dórico ou dório era um dialeto do grego
antigo. Suas variantes eram faladas no sul e no leste da península do
Peloponeso, em Creta, Rodes e em algumas ilhas do sul do mar Egeu, em outras
cidades na costa da Ásia Menor.
[4] Sêneca pode estar evocando a
morte do Imperador Cláudio.
[5] Exemplo
tradicional de velhice, mencionado por Marcial e por Plínio o velho.
[6] Compare as últimas palavras do
Imperador Augusto: amicos percontatus
ecquid iis videretur mimum vitae commode transegisse (Suet. Aug. 99).
Os homens não se importam quão nobremente vivem, mas só por quanto tempo, embora esteja ao alcance de cada homem viver nobremente, enquanto é impossível a qualquer homem viver por muito tempo.
“Nossas mentes devem ser enviadas antecipadamente para atender a todos os problemas, e devemos considerar, não o que costuma acontecer, mas o que pode acontecer. Pois o que há no mundo que a Fortuna, quando ela quer, não derruba do alto da sua prosperidade? E o que é que ela não ataca mais violentamente quão mais brilhante é? O que é laborioso ou difícil para ela? ” (Carta XCI, 4)
…
“Timágenes, que tinha rancor contra Roma e sua prosperidade, costumava dizer que a única razão pela qual se entristece quando incêndios ocorrem em Roma é devido ao seu conhecimento de que surgirá edifícios melhores no lugar daqueles que caem pelas chamas.” (Carta XCI, 13)
——
Frases, incluindo o título foram tiradas da 91° carta a Lucílio: “Sobre a lição a ser aprendida do incêndio de Lião”, Volume II