Pensamento #74: O desejo e a felicidade não podem viver juntos

O desejo e a felicidade não podem viver juntos.” —  Epicteto

Ou de forma mais detalhada e próxima ao original:

“É completamente impossível unir a felicidade com um anseio pelo que não temos. A felicidade tem tudo o que ela quer, e que se assemelha ao bem alimentado, não deve haver nele qualquer fome ou sede.”- Epicteto, Discursos, III, 24

(imagem roubada da internet, autor desconhecido)

Carta 92: Sobre a vida feliz

Sêneca escreveu sobre este tópico em maior extensão ao seu irmão Gálio no livro “A Vida Feliz – De Vita Beata”. Essa carta é um excelente resumo de suas ideias sobre o que torna uma vida feliz: Viver segundo a natureza, em virtude.

Após dezenas de citações elogiosas a Epicuro, Sêneca bate pesado nos epicuristas ao categoricamente afirmar que prazeres e sua busca são ineficazes (e muita vezes contrários) a uma vida feliz:

A parte irracional da alma é dupla: uma parte é animada, ambiciosa, descontrolada; seu lugar está nas paixões; a outra é rasteira, indolente e dedicada ao prazer. Os filósofos epicuristas negligenciaram a primeira, que, ainda que desenfreada, ainda é melhor, e certamente é mais corajosa e mais digna de um homem, e consideraram a última, que é inútil e ignóbil, como indispensável para a vida feliz.” (XCII, 8)

Sêneca, como de costume, usa excelentes analogias para defender suas tesas. Para os estoicos, questões sensoriais (dor, doença, prazer, etc) não tem capacidade de influenciar a felicidade (positiva ou negativamente) e são como uma nuvem que encobrem o sol:

Desastres, e portanto, perdas e ofensas, têm apenas o mesmo poder sobre a virtude que uma nuvem tem sobre o sol.” (XCII, 18)

O segredo para a felicidade então é uma vida virtuosa, e uma busca a se tornar semelhantes aos deuses. Sêneca acreditava que nossa alma vinha de Deus, e com a morte, retornaria a Deus:

Seria uma grande tarefa abrir caminho para o céu; a alma, apenas retorna para lá. (…) A alma, afirmo, sabe que as riquezas são armazenadas em outro lugar do que nos cofres dos homens; é a alma que deve ser preenchida, e não o cofre.” (XCII,31)

(Imagem “Ulysses and the Sirens”, por Draper Herbert James)


XCII. Sobre a vida feliz

Saudações de Sêneca a Lucílio.

1. Você e eu concordaremos, penso eu, que as coisas externas são buscadas para a satisfação do corpo, que o corpo é apreciado por respeito à alma, e que na alma existem certas partes que nos auxiliam, permitindo-nos a mover e manter a vida, concedida a nós apenas para o proveito da nossa parte principal[2]. Nesta parte primária, há algo irracional e algo racional. A primeira obedece a última, esta não tem qualquer ponto de referência além de si própria, pelo contrário, serve ela de ponto de referência a tudo. Pois a razão divina também está em comando supremo de todas as coisas, e não está sujeita a nada; e até mesmo a razão que possuímos é assim, porque é derivada da razão divina.

2. Agora, se concordarmos neste ponto, é natural que também possamos concordar com o seguinte: a vida feliz depende disso e só disso: da obtenção da razão perfeita. Pois não é nada além disso, que impede a alma de se rebaixar, que luta firme contra a fortuna; seja qual for a condição de seus negócios, ela mantém os homens sem problemas. E ela sozinha é um bem que nunca está sujeito a deficiências. Esse homem, eu declaro, é feliz, já que nada o faz menos forte; ele se mantém nas alturas, não se apoiando em ninguém senão em si mesmo; pois quem se sustenta por qualquer suporte pode cair. Se o caso for contrário, então as coisas que não dizem respeito a nós começarão a ter uma grande influência sobre nós. Mas quem deseja que a fortuna tenha vantagem, ou que homem sensato se orgulha do que não é dele próprio?

3. O que é a vida feliz? É paz de espírito e tranquilidade duradoura. Isto será seu se você possuir grandeza de alma; será seu se você possuir a firmeza que se apega resolutamente a um bom julgamento recém atingido. Como um homem atinge essa condição? Ao obter uma visão completa da verdade, mantendo, em tudo o que faz, ordem, medida, aptidão e vontade que é inofensiva e gentil, que é atenta a razão e nunca se afasta dela, que conduz ao mesmo tempo ao amor e à admiração. Em suma, para lhe dar o princípio resumidamente, a alma do sábio deve ser tal como seria apropriada a um deus.

4. O que mais pode desejar alguém que possua todas as coisas honrosas? Pois, se coisas desonestas podem contribuir para um maior patrimônio, então haverá a possibilidade de uma vida feliz em condições que não incluam uma vida digna. E o que é mais vil ou tolo do que conectar o bem de uma alma racional com coisas irracionais?

5. Contudo, existem certos filósofos que afirmam que o Bem Supremo admite aumento, porque não está completo quando as dádivas da fortuna são adversas. Mesmo Antípatro, um dos grandes líderes da nossa escola, admite que atribui alguma influência aos extrínsecos, embora apenas uma influência muito pequena. Você vê, no entanto, que absurdo é em não se contentar com a luz do dia, a menos que seja aumentada por um pequeno fogo. Qual a importância de uma faísca no meio desta luz solar intensa?

6. Se você não está satisfeito com o que é honrado, terá forçosamente de lhe pôr ao lado ou o sossego como dizem os gregos(aokhlêsia), ou o prazer. Mas o primeiro pode ser alcançado em qualquer caso. Pois a mente está livre de distúrbios quando é totalmente livre para contemplar o universo, e nada a distrai da contemplação da natureza. O segundo, o prazer, é simplesmente o bem dos animais. Nós somos apenas o adicionado do irracional ao racional, o desonroso ao honrado. Uma sensação física agradável afeta essa nossa vida;

7. Por que, portanto, você hesita em dizer que tudo está bem com um homem, só porque tudo está bem com seu apetite? E você classifica, não vou dizer entre os heróis, mas entre os homens, a pessoa cujo Bem Supremo é uma questão de sabores, cores e sons? Não, deixe-o retirar-se destas fileiras, da classe mais nobre de seres vivos, segunda apenas aos deuses; deixe-o viver em rebanho com as bestas – um animal cujo prazer está na forragem!

8. A parte irracional da alma é dupla: uma parte é animada, ambiciosa, descontrolada; seu lugar está nas paixões; a outra é rasteira, indolente e dedicada ao prazer. Os filósofos epicuristas negligenciaram a primeira, que, ainda que desenfreada, ainda é melhor, e certamente é mais corajosa e mais digna de um homem, e consideraram a última, que é inútil e ignóbil, como indispensável para a vida feliz.

9. Eles ordenaram a razão a servir esta última; eles fizeram o Bem Supremo da vida mais nobre ser um assunto abjeto e mesquinho, e um híbrido monstruoso, também, composto de vários membros que harmonizam, mas estão doentes. Pois, como nosso Virgílio, descrevendo Cila,[3] diz:

“tem forma humana o seu corpo, donzela de peito formoso até à cinta, depois torna-se monstro gigantesco unindo caudas de golfinho ao ventre eriçado de lobos!”Prima hominis facies et pulchro pectore virgo Pube tenus, postrema inmani corpore pistrix Delphinum caudas utero commissa luporum.[4]
Eneida, de Virgílio.

E ainda assim, esta Cila é alinhavada nas formas de animais selvagens, terrível e rápida; mas a partir de que formas monstruosas esses pedantes epicuristas compuseram sabedoria!

10. A arte principal do homem é a própria virtude; há, unida a ela uma carne inútil e fugaz, apta apenas para a recepção de alimentos, como observa Posidônio. Esta virtude divina termina em impureza, e nas partes superiores, que são adoráveis e celestiais, está preso um animal lento e flácido. Quanto ao segundo desiderato, calmo, embora, de fato, não seja de si mesmo benéfico para a alma, mas aliviaria a alma dos obstáculos; prazer, pelo contrário, realmente destrói a alma e afrouxa todo o seu vigor. Quais elementos tão desarmoniosos como estes podem ser encontrados unidos? Aquilo que é mais vigoroso é unido ao que é mais lento, ao que é austero o que está longe de ser sério, ao que é mais sagrado com o que é destemperado até o ponto da impureza por incesto.

11. O que, então”, vem a réplica, “se a boa saúde, o descanso e a imunidade à dor não prejudicam a virtude, você não deve procurar tudo isso?” É claro que eu os procurarei, mas não porque sejam bens, eu os procurarei porque estão de acordo com a natureza e porque serão adquiridos por meio do exercício do bom juízo de minha parte. O que, então, será bom neles? Só isso – é bom escolhe-los. Pois, quando eu coloco um vestuário adequado, ou ando como devo, ou janto como devo jantar, não é o meu jantar, nem a minha caminhada, nem o meu traje que são bens, mas a escolha deliberada que mostro em relação a eles, como observo, em cada coisa que faço, um meio que está em conformidade com a razão.

12. Permita-me também acrescentar que a escolha de roupas limpas é um objeto apropriado dos esforços de um homem; pois o homem é, por natureza, um animal elegante e bem preparado. Daí a escolha de um traje limpo, e não um traje elegante em si mesmo, é um bem; uma vez que o bem não está no item selecionado, mas na qualidade da seleção. A moralidade está na nossa forma de agir, mas não as coisas reais que fazemos.

13. E você pode assumir que o que eu disse sobre vestes se aplica também ao corpo. Pois a natureza cercou nossa alma com o corpo como com uma espécie de roupa; o corpo é o seu manto. Mas quem computa o valor das roupas pelo guarda-roupa que as contem? A bainha não faz a espada boa ou ruim. Portanto, no que diz respeito ao corpo, devolver-lhe-ei a mesma resposta,  se eu escolher, escolherei saúde e força, mas o bem envolvido será o meu juízo sobre essas coisas, e não as próprias coisas.

14. Outra réplica é: “Admitindo que o sábio é feliz, no entanto, ele não alcança o bem supremo que definimos, a não ser que os meios que a natureza oferece para a sua realização estiverem a seu alcance. Então, quem possui a virtude não pode ser infeliz, mas não se pode ser perfeitamente feliz quem não possui as dádivas naturais como a saúde ou a integridade dos membros”.

15. Mas, ao dizer isso, você epicurista admite a alternativa que parece mais difícil de acreditar – que o homem que está em meio a uma dor incessante e extrema não é miserável, ou melhor, é feliz; E você nega o que é muito menos crítico, – que ele é completamente feliz. E, no entanto, se a virtude pode evitar que um homem seja miserável, será uma tarefa mais fácil para ela torná-lo completamente feliz. Pois a diferença entre felicidade e felicidade completa é menor do que entre miséria e felicidade. Pode ser possível que uma coisa que seja tão poderosa que retire um homem do desastre e o coloque entre os felizes, também não possa realizar o que falta e torná-lo extremamente feliz? A sua força falha no fim da subida?

16. Há coisas da vida que são vantajosas e desvantajosas, ambas além do nosso controle. Se um bom homem, apesar de ser castigado por todos os tipos de desvantagens, não é miserável, como não é extremamente feliz, não importa se não possui certas vantagens? Pois, como não é levado à miséria por seu fardo de desvantagens, então não é afastado da suprema felicidade por falta de vantagens; não, ele é tão supremamente feliz sem as vantagens, assim como ele está isento da miséria, apesar da carga de suas desvantagens. Caso contrário, se o seu bem pode ser reduzido, pode também ser retirado completamente.

17. Num trecho acima, observei que um pequeno fogo não aumenta a luz do sol. Pois, devido ao brilho do sol, qualquer outra luz que não seja a luz solar é apagada. “Mas,” pode-se dizer, “há certos objetos que bloqueiam o caminho mesmo da luz solar”. O sol, no entanto, não é prejudicado mesmo em meio a obstáculos, e, embora um objeto possa intervir e cortar nossa visão, o sol adere-se ao seu trabalho e segue seu curso. Sempre que ele brilha de entre as nuvens, não é menor, nem menos pontual, do que quando está livre de nuvens; uma vez que faz uma grande diferença se existe apenas algo no caminho de sua luz ou algo que interfira com o seu brilho.

18. Da mesma forma, os obstáculos não retiram nada da virtude; não fica menor, mas simplesmente brilha com menos esplendor. Em nossos olhos, talvez seja menos visível e menos luminosa do que antes; mas, no que se refere a si mesma, é inalterada e, assim como o sol quando está eclipsado, ainda continua produzindo sua força, embora em segredo. Desastres, e portanto, perdas e ofensas, têm apenas o mesmo poder sobre a virtude que uma nuvem tem sobre o sol.

19. Encontramos com uma pessoa que sustenta que um homem sábio que se encontre com infortúnio corporal não é nem miserável nem feliz. Mas ele também está errado, pois está colocando os resultados do acaso em uma paridade com as virtudes e atribui a mesma influência tanto a coisas que são honrosas quanto a coisas desprovidas de honra. Mas o que é mais detestável e mais indigno do que colocar coisas desprezíveis na mesma classe de coisas dignas de reverência! Pois reverência é devida à justiça, dever, lealdade, bravura e prudência; pelo contrário, esses atributos são inúteis pois homens mais desprezíveis são muitas vezes abençoados com os quais em maior medida, como uma perna robusta, ombros fortes, bons dentes e músculos saudáveis e sólidos.

20. Novamente, se um homem sábio de corpo enfermo não for considerado nem miserável nem feliz, mas deixado em uma espécie de posição a meio caminho, sua vida também não será desejável nem indesejável. Mas o que é tão tolo quanto dizer que a vida do homem sábio não é desejável? E o que está tão além dos limites da credibilidade quanto a opinião de que qualquer vida não é desejável nem indesejável? Novamente, se os males corporais não tornam um homem miserável, eles, consequentemente, permitem que ele seja feliz. Pois coisas que não têm poder para mudar sua condição para pior, também não têm o poder de perturbar essa condição quando está no seu auge.

21. “Mas”, alguém vai dizer, “sabemos o que é frio e o que é quente, uma temperatura morna se encontra no meio. Da mesma forma, A é feliz e B é miserável, e C não é nem feliz nem miserável”. Desejo examinar esta ilustração, que é colocada em jogo contra nós. Se eu adicionar a sua água morna uma quantidade maior de água fria, o resultado será água fria. Mas se derramar uma quantidade maior de água quente, a água finalmente ficará quente. No caso, no entanto, do seu homem que não é miserável nem feliz, não importa o quanto eu adicione aos seus problemas, ele não será infeliz, de acordo com sua argumentação; daí que sua ilustração não oferece analogia.

22. Mais uma vez, suponha que eu coloque diante de você um homem que não é miserável nem feliz. Eu acrescento cegueira a seus infortúnios; ele não está ficando infeliz. Eu o mutilo; ele não está ficando infeliz. Eu acrescento aflições que são incessantes e severas; ele não está ficando infeliz. Portanto, aquele cuja vida não se torna miserável por todos esses males também não é arrastado da vida feliz por eles.

23. Então, se, como você diz, o sábio não pode cair da felicidade para a miséria, ele não pode cair na falta de felicidade. Pois, alguém que começou a escorregar, consegue parar em qualquer lugar particular? O que o impede de escorregar para o fundo, o mantém em pé. Por que, você insiste, uma vida feliz não pode ser destruída? Nem sequer pode ser desarticulada; e por isso a própria virtude é suficiente para a vida feliz.

24. “Mas”, é dito, “o homem sábio não é mais feliz se viver mais tempo sem ser importunado por qualquer dor, do que alguém que sempre foi obrigado a lidar com a má fortuna?” Me responda agora, este é melhor ou mais honrado? Se não é, então também não é feliz. Para viver mais felizmente, ele deve viver com mais justiça; se não pode fazer isso, então também não pode viver mais feliz. A virtude não pode ser mais forte e, portanto, assim também a vida feliz, que depende da virtude. Pois a virtude é um bem tão forte que não é afetada por assaltos tão insignificantes como a vida curta, a dor e as várias vexações corporais. Pois o prazer não é coisa para que a virtude se digne sequer olhar.

25. Agora, qual a coisa principal na virtude? É a qualidade de não precisar de um único dia além do presente, e de não contar os dias que são nossos; no menor momento possível, a virtude completa uma eternidade de bem. Esses bens nos parecem incríveis e transcendem a natureza do homem; pois medimos sua grandeza pelo padrão de nossa própria fraqueza, e chamamos nossos vícios pelo nome da virtude. Além disso, não parece tão incrível que qualquer homem em meio ao sofrimento extremo possa dizer: “Eu estou feliz!”? E, no entanto, essa expressão foi ouvida no próprio laboratório do prazer[5], quando Epicuro disse: “Este é o meu dia mais feliz, o meu último dia, também!” Embora em um caso ele fosse torturado estrangúria[6] e, no outro, pela dor incurável de um estômago ulcerado.

26. Por que, então, os bens que a virtude nos concede são incríveis à nossa vista, que cultivamos a virtude, quando são encontrados mesmo naqueles que reconhecem o prazer como sua amante? Estes também, ignóbeis e rasteiros, como são, declaram que, mesmo no meio de dor excessiva e infortúnio, o sábio não será nem miserável nem feliz. E, no entanto, isso também é incrível, o que é ainda mais incrível do que o outro caso. Pois não entendo como, se a virtude cai de suas alturas, ela pode impedir de ser levada até o fundo. Ela deve ou preservar alguém na felicidade, ou, se expulsa dessa posição, não conseguirá impedir que nos tornemos infelizes. Se a virtude se mantem firme, ela não pode ser expulsa do campo; ela deve conquistar ou ser conquistada.

27. Mas alguns dizem: “Somente para os deuses imortais é dada virtude e a vida feliz, podemos alcançar apenas a sombra e a semelhança de bens como os deles. Nós nos aproximamos deles, mas nunca os alcançamos”. A razão, no entanto, é um atributo comum de deuses e homens; nos deuses já está aperfeiçoada, em nós é capaz de ser aperfeiçoada.

28. Mas são os nossos vícios que nos deixam desesperados; pois a segunda classe dos seres racionais, o homem, é de ordem inferior – um guardião, por assim dizer, que é muito instável para manter o que é melhor, seu julgamento ainda é vacilante e incerto. Ele pode exigir as faculdades de visão e audição, boa saúde, um exterior corporal que não seja repugnante e, além disso, maior duração de dias ungidos de saúde intacta.

29. Embora, por meio da razão, possa levar uma vida que não traga arrependimentos, ainda reside nesta criatura imperfeita, o homem, um certo poder que faz mal, porque ele possui uma mente que se move facilmente para a perversidade. Suponha, no entanto, que a maldade que está em plena visão, seja removida; o homem ainda não é um bom homem, mas ele está sendo moldado para o bem. Alguém, no entanto, em quem falte qualquer qualidade que traga a bondade, é mau.

30. Mas

Aquele em cujo corpo a virtude está presente em corpo e espírito,Sed Si cui virtus animusque in corpore praesens,[7]
Eneida, de Virgílio.

é igual aos deuses; consciente de sua origem, ele se esforça para voltar para lá. Nenhum homem erra ao tentar recuperar as alturas das quais ele desceu. E por que você não deve acreditar que existe algo de divino em alguém que faz parte de Deus? Todo esse universo que nos engloba é um, e é Deus; somos associados de Deus; nós somos seus membros. Nossa alma tem capacidades e é transportada para lá, se os vícios não a impedem. Assim como a natureza dos nossos corpos é se manter ereto e olhar para o céu, então a alma, que pode alcançar o máximo que desejar, foi moldada pela natureza para esse fim, que desejasse a igualdade com os deuses. E se faz uso de seus poderes e se estende a cima em sua própria região, não é por nenhum caminho desconhecido que luta em direção às alturas.

31. Seria uma grande tarefa abrir caminho para o céu; a alma, apenas retorna para lá. Quando uma vez encontra a estrada, ela marcha com audácia, desdenhosa de todas as coisas. Ela se lança, sem olhar para a riqueza; ouro e prata – coisas que são totalmente dignas da escuridão de onde saíram – não valem pelo brilho que ferem os olhos dos ignorantes, mas pela lama dos dias passados, de onde a nossa ganância primeiro os destacou e cavou. A alma, afirmo, sabe que as riquezas são armazenadas em outro lugar do que nos cofres dos homens; é a alma que deve ser preenchida, e não o cofre.

32. É a alma que os homens podem colocar em domínio de todas as coisas, e podem empossar como dona do universo, para que eles limitem suas riquezas somente pelos limites do Oriente e do Ocidente e, como os deuses, possam possuir todas coisas; e que, com seus próprios recursos vastos, olhe para os ricos, nenhum dos quais se alegra tanto em sua própria riqueza como se ressente da riqueza de outro.

33. Quando a alma se transporta para este alto sublime, também considera o corpo, uma vez que é um fardo que deve ser suportado, não como algo para amar, mas como uma coisa para supervisionar; nem é subserviente àquilo sobre o qual está configurado em seu domínio. Pois nenhum homem é livre, se é escravo do seu corpo. Na verdade, excluindo todos os outros mestres que são trazidos devido ao cuidado excessivo pelo corpo, o poder que o próprio corpo exerce é capcioso e enfadonho.

34. Por este corpo, a alma emerge, agora com espírito imperturbável, agora com exultação, e, uma vez que surgiu, não pergunta qual será o fim do dia desperto. Não; assim como não pensamos nas aparas de cabelo e da barba, da mesma forma que a alma divina, quando está a ponto de emergir do homem mortal, considera o destino de seu vaso terrestre – quer seja consumido pelo fogo, ou fechado por uma pedra, ou enterrado na terra, ou rasgado por bestas selvagens – como não sendo mais preocupante para si mesmo do que as secundinas[8] para uma criança que nasceu. E se este corpo deve ser jogado fora e picado em pedaços por pássaros, ou devorado quando

Dado aos cães marinhos como presa,Canibus data praeda marinis,[9]
Eneida, de Virgílio.

Como isso diz respeito a quem não é nada?

35. Nem mesmo quando está entre os vivos, a alma não teme nada que possa acontecer ao corpo após a morte; pois, embora tais coisas possam ter sido ameaças, não foram suficientes para aterrorizar a alma antes do momento da morte. Ela diz; “Não estou assustada com a espada do carrasco, nem com a mutilação revoltante do cadáver que estará exposto ao desprezo daqueles que testemunharão o espetáculo. Não peço a nenhum homem que realize os últimos ritos para mim, confio meus restos mortais a ninguém. A natureza providenciou para que ninguém fosse deixado sem um enterro. O tempo vai consumir aquele corpo que a crueldade gerou”. Estas foram palavras eloquentes que Mecenas[10] pronunciou:

Eu não quero tumba; Pois a natureza irá prover,Nec tumulum curo. Sepelit natura relictos.
Eneida, de Virgílio

Você imaginaria que este foi o ditado de um homem de princípios rígidos e pronto para a luta[11]. Ele era realmente um homem de nobres e robustos dons, mas em prosperidade ele comprometeu esses dons por permissividade[12].

Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.


[1] Sêneca escreveu sobre este tópico tratado em maior extensão ao seu irmão Gálio no livro “A Vida Feliz – De Vita Beata”.

[2]ou seja, a alma. Veja Aristóteles, Ética a Nicômaco, 1. 13: “É afirmado que a alma tem duas partes, uma irracional e outra dotada de razão.” Aristóteles subdivide a parte irracional em (1) o que faz crescer e aumentar, e (2) desejo (que irá, no entanto, obedecer a razão). Nesta passagem, Sêneca usa “alma” em seu sentido mais amplo.

[3] Cila (em grego: Σκύλλα, transl.: Skýlla), na mitologia grega, conforme Homero e Ovídio, era uma bela ninfa que se transformou em um monstro marinho.

[4] Trecho de Eneida, de Virgílio.

[5] Sêneca se refere ao Jardim de Epicuro com “laboratório do prazer”. 

[6] Estrangúria é a eliminação lenta e dolorosa de urina em consequência de espasmo uretral ou vesical. Veja também carta LXVI.

[7] Trecho de Eneida, de Virgílio.

[8] Placenta e membranas da mulher expelidas na fase terminal do parto;

[9] Trecho de Eneida, de Virgílio.

[10] Mais sobre Mecenas nas cartas XIX e CXX

[11] Literalmente. “um homem que tem o cinto bem apertado’” de modo a erguer as roupas e facilitar os movimentos, para a corrida ou para a luta (alte cinctum).

[12] A mesma imagem, literalmente: “lhe tivesse desapertado o cinto” deixando, portanto, que as vestes soltas o incapacitassem de lutar.

Resenha: Sobre a Tranquilidade da Alma

O diálogo Sobre a Tranquilidade da Alma foi claramente escrito como um meio de orientação para todos aqueles que aspirassem a dedicar-se ao aperfeiçoamento moral. É dirigido ao amigo Aneu Sereno destinatário também das obras Sobre a Constância do Sábio e ainda de Sobre o Ócio. Foi um grande amigo de Sêneca, pertencente à ordem equestre, formada pelos cidadãos mais abastados. Sereno também tinha cargo na administração pública, tendo obtido, por influência de Sêneca, a função de praefectus, responsável por combate a incêndios, atividade importante na cidade de Roma.

No texto é dito que o amigo é seguidor de Epicuro, talvez por isso, Sêneca apresenta o estoicismo em termos muito claros e concentra em conselhos construtivos e práticos. Sêneca apresenta a resposta da doutrina estoica para nos ajudar a superar os tormentos causados pelos temores e desejos humanos e alcançar a tranquilidade, o estado ideal de serenidade vivenciado de forma plena e permanente pelo sábio estoico.

Para que a resenha não fique muito longa, está dividida em duas partes, segue a primeira, com meus comentários sobre os primeiros nove capítulos:

Sobre a Tranquilidade da Alma começa com uma carta de Sereno pedindo conselhos e dizendo que sente ter um bom domínio sobre alguns de seus vícios, mas não sobre outros, e,  como resultado disso, sua alma não tem tranquilidade. Diz “Eu não estou doente nem saudável” e percebe que seu julgamento sobre seus próprios assuntos é distorcido por preconceitos pessoais.

Estou bem ciente de que essas oscilações da alma não são perigosas e nem me ameaçam de nenhuma desordem séria. Para expressar aquilo de que me queixo por um simulacro exato, não estou sofrendo de uma tempestade, mas de enjoo do mar. Tire de mim, pois, esse mal, seja ele qual for, e ajude aquele que está em aflição mesmo ao avistar a terra“. (I, 17)

Sereno lista seus problemas:

  • hesitação diante do desejo de bens e de prazeres corporais (§5-9);
  • alternância entre desejo de atuação social e de recolhimento aos estudos (§10-12) ;
  • dilema ético e estético relativo a busca pela fama (§13-14).

Apresentados os sintomas, fazendo uso da imagem do paciente frente ao médico, Sereno pede o diagnóstico e o remédio: “Rogo, então, se tem algum remédio que possa deter esta minha vacilação e me faça digno de lhe dever a paz de espírito”.

A resposta de Sêneca toma os demais capítulos e começa com a descrição completa das características da doença. Informa a Sereno que ele busca a coisa mais importante da vida, um estado que chama de tranquilidade (tranquillitas) e que os gregos chamavam de euthymía(II,3). A definição de tranquilidade é fantastica, e deve ser colocada na íntegra:

“O que buscamos, então, é como a alma pode sempre seguir um rumo firme, sem percalços, pode estar satisfeita consigo mesma e olhar com prazer para o que a rodeia, e não experimentar nenhuma interrupção dessa alegria, mas permanecer em uma condição pacífica, sem nunca estar eufórica ou deprimida: isso será ‘tranquilidade’.” (II,4)

Ele então explica que há vários tipos de homens que não alcançam a tranquilidade da alma, por diferentes razões. Alguns sofrem de inconstância, mudando continuamente seus objetivos e mesmo assim sempre lamentando do que acabaram de desistir. Outros não são inconstantes, mas ficam numa posição infeliz por seu entorpecimento. Eles “continuam a viver não da maneira que desejam, mas da maneira que começaram a viver“, ou seja, por inércia (II,6). Outros ainda acreditam que a maneira de vencer a sua inconstância é viajando para longe, mas é claro que apenas carregam consigo seus próprios problemas: “Assim, cada um sempre foge de si mesmo” (II,14). Sêneca conclui seu preâmbulo sugerindo que nossos problemas não residem no lugar onde vivemos, mas em nós mesmos, e retoricamente pergunta: “Por quanto tempo vamos continuar fazendo a mesma coisa? (II,15)

A partir do capítulo III Sêneca apresenta uma série de conselhos específicos para Sereno sobre como alcançar a tranquilidade da alma. O primeiro vem de Atenodoro: “O melhor é ocupar-se dos negócios, da gestão dos assuntos do Estado e dos deveres de um cidadão“. Isso porque estar a serviço dos outros e do próprio país é, ao mesmo tempo, exercitar-se em uma atividade e fazer o bem. Mas também se pode fazer o bem e manter-se ocupado engajando-se na filosofia. Esse tipo de ocupação proporcionará satisfação e, portanto, tranquilidade de espírito e tornará nossas vidas diferentes daquelas de pessoas que não terão nada para mostrar ao final das suas: “Muitas vezes um homem de idade avançada não tem outro argumento com que comprove ter vivido longo tempo exceto seus anos.” Segue-se então com preceitos sobre atividades e sobre o ócio (negotia × otium).

Nos capítulos VI e VII Sêneca elucida como se auto avaliar e assim conseguir escolher um caminho onde é possível ter sucesso. Começa por advertir seu amigo que é comum as pessoas pensarem que podem conseguir mais do que realmente conseguem. A pessoa sábia, ao invés disso, está ciente das suas limitações. Também é preciso lembrar que algumas buscas simplesmente não valem o esforço e devemos nos afastar delas porque nosso tempo na vida é curto e precioso. E então, diz Sêneca, “apegue-se a algo que possa terminar, ou, pelo menos, que acredite poder terminar” (VI,4). Devemos também ter cuidado na escolha de nossos associados, dedicando partes de nossas vidas a pessoas que valham o esforço. Além disso, nossas buscas devem ser do tipo que nós realmente gostamos, se possível: “pois nenhum bem se faz forçando a alma a se engajar em um trabalho não apropriado: quando a Natureza resiste, o esforço é vão.“(VII,2)

Os capítulos VIII e IX tratam de preceitos sobre o patrimônio, “fonte mais fértil das dores humanas” (VIII,1). Sêneca adverte Sereno que, em sua experiência, os ricos não suportam perdas melhor do que os pobres, pois “dói aos carecas tanto quanto aos cabeludos terem seus cabelos arrancados” (VIII,3).

“Patrimônio, essa fonte mais fértil das dores humanas: se compararmos todos os outros males de que sofremos – mortes, enfermidades, medos, arrependimentos, dores e fadigas – com as misérias que o nosso dinheiro nos inflige, este último pesará muito mais do que todos os outros. Reflita, pois, quanto menos dor é nunca ter tido dinheiro do que tê-lo perdido. (VIII, 1-2)

É por isso que Diógenes não era dono de nada, para impossibilitar que alguém pudesse tirar algo dele: “Fortuna, não se intrometa: Diógenes não tem mais nada que lhe pertença“(VIII,7).

É claro que o próprio Sêneca não era nenhum Diógenes, e na verdade era um homem muito rico. Ele frequentemente foi atacado e acusado de hipocrisia por causa disso, mas seu ponto é que não se deve ter apego aos bens materiais. É possível ter bens, desde que não seja possuído por seu patrimônio. Ainda assim, na mesma seção ele aconselha a reduzir a quantidade de nossos bens, de modo a diminuir a probabilidade de nos apegarmos a eles de forma exagerada:

Nunca poderemos afastar a tão profunda e vasta diversidade da iniquidade com que somos ameaçados a ponto de não sentir o peso de muitas tempestades, se oferecermos largas velas ao vento do mar” (IX,3).

O capítulo IX termina com uma frase muito citada de Sêneca, porém citada de forma enganosa, pois ele critica homens que compram livros e não os estudam:

Você verá as obras de todos os oradores e historiadores empilhadas sobre estantes que chegam até o teto. Nos dias de hoje, uma biblioteca tornou-se tão necessária como um apêndice de uma casa como um banho quente e frio.” (IX,7)

Paramos por aqui. E alguns dias sigo com o restante da obra.


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Resenha: A Vida Feliz (De Vita Beata)

Depois da Leitura da Carta de Epicuro sobre a Felicidade, retomamos o estoicismo com uma nova leitura de Vita Beata,  Sobre a Felicidade de Sêneca.

Sêneca faz grande oposição ao epicurismo, corrente filosófica que valoriza o prazer como fonte de felicidade. Talvez este diálogo tenha sido escrito como um contraponto à Carta a Meneceu:Você se dedica aos prazeres, eu os controlo; você se entrega ao prazer, eu o uso; você pensa que é o bem maior, eu nem penso que seja bom: por prazer não faço nada, você faz tudo.”  (X, 3 ).

A principal coisa a entender sobre o texto é o próprio título: ‘Feliz‘ aqui não tem a conotação moderna de se sentir bem, mas é o equivalente da palavra grega eudaimonia, que é melhor compreendida como uma vida digna de ser vivida, um estado de plenitude do ser. Para Sêneca e para os estoicos, a única vida que vale a pena ser vivida é aquela de retidão moral, o tipo de existência à qual olhamos no final e podemos dizer honestamente que não nos envergonhamos.

Logo no primeiro parágrafo Sêneca dá a linha da argumentação estoica: Não devemos ter a felicidade como objetivo: “não é fácil alcançar a felicidade já que quanto mais avidamente um homem se esforça para alcançá-la mais ele se afasta”.(I,1) a conclusão é que A solução é ter como objetivo a virtude, a felicidade será consequência.

No capítulo XV, Sêneca explica por que não se pode simplesmente associar a virtude ao prazer. O problema é que, mais cedo ou mais tarde, o prazer o levará a territórios não virtuosos:

Quem, por outro lado, forma uma aliança, entre a virtude e o prazer, obstrui qualquer força que uma possa possuir pela fraqueza da outra, e envia liberdade sob o jugo, pois a liberdade só pode permanece inconquistável enquanto não sabe nada mais valioso do que ela mesma: pois começa a precisar da ajuda da Fortuna, o que é a mais completa escravidão: sua vida torna-se ansiosa, cheia de suspeitas, tímida, temerosa de acidentes, esperando em agonia por momentos críticos. Você não oferece à virtude uma base sólida e imóvel se você a colocar sobre o que é instável: e o que pode ser tão instável quanto a dependência do mero acaso e as vicissitudes do corpo e daquelas coisas que agem sobre o corpo?”. (XV, 3 )

O livro fornece uma lista de regras pelas quais Sêneca está tentando viver. Vale a pena considerá-las na íntegra:

• Eu vou encarar a morte ou a vida a mesma expressão de semblante;
• Eu desprezarei as riquezas quando as tiver tanto quanto quando não as tiver;
• Verei todas as terras como se pertencessem a mim, e as minhas terras como se pertencessem a toda a humanidade;
• Seja o que for que eu possua, eu não vou acumulá-lo avidamente nem o desperdiçar de forma imprudente;
• Não farei nada por causa da opinião pública, mas tudo por causa da consciência;
• Ao comer e beber, meu objetivo é extinguir os desejos da natureza, não encher e esvaziar minha barriga;
• Eu serei agradável com meus amigos, gentil e suave com meus inimigos;
• Sempre que a Natureza exigir minha vida, ou a razão me pedir que a rejeite, vou desistir desta vida, chamando a todos para testemunhar que amei uma boa consciência e boas atividades;

(imagem  Herbert James DraperUlises e as Sereias)


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Livro: A Vida Feliz (De Vita Beata)

O diálogo A Vida Feliz foi escrito por volta do ano 58 dC., destinado ao seu irmão mais velho, Gálio.

A principal coisa a entender sobre o texto é o próprio título: ‘Feliz‘ aqui não tem a conotação moderna de se sentir bem, mas é o equivalente da palavra grega eudaimonia, que é melhor compreendida como uma vida digna de ser vivida, um estado de plenitude do ser. Para Sêneca e para os estoicos, a única vida que vale a pena ser vivida é aquela de retidão moral, o tipo de existência à qual olhamos no final e podemos dizer honestamente que não nos envergonhamos.

Logo no primeiro parágrafo Sêneca dá a linha da argumentação estoica: Não devemos ter a felicidade como objetivo: “não é fácil alcançar a felicidade já que quanto mais avidamente um homem se esforça para alcançá-la mais ele se afasta”.(I,1) A solução é ter como objetivo a virtude. A felicidade será consequência.

Sêneca faz grande oposição ao epicurismo, corrente filosófica que valoriza o prazer como fonte de felicidade, como vemos: “Você se dedica aos prazeres, eu os controlo; você se entrega ao prazer, eu o uso; você pensa que é o bem maior, eu nem penso que seja bom: por prazer não faço nada, você faz tudo.”  (X, 3 ).

No capítulo XV, Sêneca explica por que não se pode simplesmente associar a virtude ao prazer. O problema é que, mais cedo ou mais tarde, o prazer o levará a territórios não virtuosos: “Quem, por outro lado, forma uma aliança, entre a virtude e o prazer, obstrui qualquer força que uma possa possuir pela fraqueza da outra, e envia liberdade sob o jugo, pois a liberdade só pode permanece inconquistável enquanto não sabe nada mais valioso do que ela mesma: pois começa a precisar da ajuda da Fortuna, o que é a mais completa escravidão: sua vida torna-se ansiosa, cheia de suspeitas, tímida, temerosa de acidentes, esperando em agonia por momentos críticos. Você não oferece à virtude uma base sólida e imóvel se você a colocar sobre o que é instável: e o que pode ser tão instável quanto a dependência do mero acaso e as vicissitudes do corpo e daquelas coisas que agem sobre o corpo?”. (XV, 3 )

O livro fornece uma lista de regras pelas quais Sêneca está tentando viver. Vale a pena considerá-las na íntegra:

• Eu vou encarar a morte ou a vida a mesma expressão de semblante;
• Eu desprezarei as riquezas quando as tiver tanto quanto quando não as tiver;
• Verei todas as terras como se pertencessem a mim, e as minhas terras como se pertencessem a toda a humanidade;
• Seja o que for que eu possua, eu não vou acumulá-lo avidamente nem o desperdiçar de forma imprudente;
• Não farei nada por causa da opinião pública, mas tudo por causa da consciência;
• Ao comer e beber, meu objetivo é extinguir os desejos da natureza, não encher e esvaziar minha barriga;
• Eu serei agradável com meus amigos, gentil e suave com meus inimigos;
• Sempre que a Natureza exigir minha vida, ou a razão me pedir que a rejeite, vou desistir desta vida, chamando a todos para testemunhar que amei uma boa consciência e boas atividades;

Neste ensaio Sêneca aprofunda a explicação sobre os indiferentes preferidos e despreferidos. E faz uma longa exposição ( capítulos 21 a 26) da relação entre riqueza, virtude e felicidade:

“Portanto, não cometa nenhum erro: as riquezas pertencem à classe das coisas desejáveis. “Por que então”, você diz, “você ri de mim, já que você as coloca na mesma posição que eu?” 5. Você deseja saber quão diferente é a posição em que as colocamos? Se as minhas riquezas me deixarem, não levarão consigo nada além de si mesmas: já vocês ficarão desnorteadas e parecerão ficar fora de si se as perderem: comigo as riquezas ocupam um certo lugar, mas com você elas ocupam lugar mais alto de todos. Em suma, minhas riquezas pertencem a mim, você pertence às suas riquezas.”  (XXII, 4.5)

(imagem  Herbert James DraperUlises e as Sereias)

Livro disponível na lojas:

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